quarta-feira, 29 de agosto de 2018

A crise política e os ciclos históricos republicanos


O Estado Novo que atravessa os tempos, por André Araújo



O cineasta Eduardo Escorel tem nos proporcionado uma notável recuperação do tempo histórico com sua série de documentários sobre o Estado Novo. Com uso dos arquivos de cine jornais da época, Escorel reconstitui o regime que, mais que nenhum outro, molda o Brasil contemporâneo, o momento em que o Brasil se tornou protagonista da geopolítica internacional numa escala não mais repetida depois.

IMAGENS DO ESTADO NOVO em cinco episódios é obra rara de documentação e reconstituição histórica, imperdível para os que gostam de política e de História brasileira.

O último episódio, exibido no Canal CURTAS, é sobre o levante comunista de 1935, que serviu de base e instrumento para Vargas elaborar o autogolpe de 10 de Novembro de 1937.

Personagem central do levante comunista em Natal e Rio de Janeiro foi Luís Carlos Prestes, o líder do Tenentismo de 1922, comandante da Coluna Prestes que percorreu o Brasil sem ser derrotada de 1925 a 1927 e que poderia ser, se assim quisesse, o líder da Revolução de 1930.

Esse homem que parecia ser das profundezas do tempo histórico deu entrevista no programa Jô Soares da TV Globo, sempre achei isso extraordinário. Como esse personagem atravessou tal percurso de tempo, a mesma pessoa, o mesmo homem? Prestes nasceu em 1898 e morreu em 1990, sai das batalhas a cavalo para chegar no talk show da TV Globo.

Outro personagem que atravessou o tempo histórico foi Artur Bernardes. Quando meu pai elogiava os discursos do Deputado Artur Bernardes em favor da criação da Petrobras em 1953, já no ultimo governo de Getúlio (1950-1954), eu não imaginava que esse era o mesmo Presidente Artur Bernardes de 1922 a 1926, o mesmo homem da época das casacas e polainas, o que enfrentou a Coluna Prestes, não era possível. O Presidente Bernardes parecia ser de outra época, de um Brasil profundo da República Velha, mas chegou inteiro à Era da Televisão. O Deputado Artur Bernardes era o mesmo Presidente Bernardes de três décadas anteriores.

Eduardo Escorel tem reconstituído magistralmente essa era que explica o Brasil de hoje porque lá estão as sementes de muitos de nossos problemas e desafios atuais, a raiz é antiga.

Escorel é ele mesmo produto desse Brasil profundo, neto do grande Embaixador Lauro Escorel que conheci no México em 1981 na famosa viagem do então Governador Paulo Maluf em roteiro internacional se preparando para a candidatura à Presidência. O Embaixador ofereceu um jantar ao Governador Maluf na linda residência da Embaixada. Como se não bastasse, o cineasta Eduardo Escorel é neto de Antônio Candido e Gilda de Mello e Souza, a quitessência intelectual do Brasil culto dos tempos do Estado Novo, do segundo Governo Vargas, dos anos dourados de JK e do fecho da Era Vargas no regime militar de 1964 desfechado por generais formados no Estado Novo. Geisel foi homem de Vargas na Paraíba em 1930.

É impressionante o desconhecimento desse substrato político que parece longínquo, mas é recente na História do Brasil, por parte de jornalistas e comentaristas moderninhos. Muitos dizem que estas eleições são as mais importantes da História da República e que o Brasil nunca viveu crise como a de hoje. Que grande tolice. O Brasil vive em crise política permanente desde a proclamação da República. Grandes entrechoques ocorreram na Campanha Civilista da Primeira República, no movimento tenentista que pretendia derrubar o Governo, nas insurreições regionais. Quem lembra que Salvador foi bombardeada pela Marinha em 1912 ou que a cidade de São Paulo foi bombardeada em 1924 por artilharia do Exército?

A Coluna Prestes não era pouca coisa, quatro colunas a cavalo em marcha, com 10 mil combatentes percorreu o Brasil por 25 mil quilômetros, sem que o Exército pudesse derrotá-la. Ao fim a Coluna se internou na Bolívia, invicta e seus próceres foram protagonistas, em 1930, na marcha que veio do Rio Grande para o Rio de Janeiro para derrubar o Presidente Washington Luiz, do qual o chefe da Revolução tinha sido Ministro da Fazenda.

Mega crises políticas marcam a História contemporânea do Brasil, a partir do Estado Novo e sua queda em 1945, eclodiram crises dramáticas como o suicídio de Vargas em 1954, a derrubada em duas semanas de três Presidentes, em Novembro de 1955, com o Palácio do Catete cercado por tanques, a eleição e a queda de Jânio Quadros em sete meses de Presidência, o regime parlamentarista improvisado de 1961, a volta do Presidencialismo, as agitações de Brizola e a derrubada de Jango. Com a liquidação da República de 1946, o novo regime militar em várias fases distintas que representavam choques internos violentos e pouco visíveis, a crise da morte de Tancredo e a Era Collor. O Brasil sem crises foi uma rara exceção e não regra, esta é a crise permanente da política, um País complexo, continental, fraturado, carente desde 1889. Nunca houve estabilidade real econômica ou política no Brasil.

FIM DE CICLO HISTÓRICO

Se existe alguma teoria a extrair da História brasileira é uma repetição de começo, meio e fim de ciclos históricos. A Primeira República se esgota em 1930, o Estado Novo acaba em 1945, o ciclo de governos oriundos da Era Vargas termina em 1964, o regime militar se esgota em 1985, agora chegamos ao fim do ciclo da Constituição de 1988, que tornou o processo de governar o Brasil impossível. Como disse ontem, 25 de agosto, no programa PAINEL GLOBONEWS, o mais experiente homem do poder vivo, Delfim Neto, com qualquer governo eleito neste ano o Brasil será ingovernável. Não há mais como compor os conflitos entre o Poder Executivo e o Congresso e entre esses dois e o Poder Judiciário. O ciclo esgotou-se e o novo governo eleito entra em meio a uma grande crise econômica, social e política cujo desfecho em todos os tempos, países e regimes se dá por traumatismos, sejam golpes, revoluções, guerra civil ou fraturas institucionais. Não há registro de estabilidade possível em um clima social onde grande parte da população está desempregada e sem meios de subsistência, seja na Roma Imperial, na França de Luís XVI ou na Itália pós Primeira Guerra.

A Constituição de 1988 terminou sua utilidade, mas uma nova Constituição só existirá por uma derrocada do atual regime e o nascimento de um novo que dê conta dos conflitos.

Tudo isso pode ou não correr, também é possível uma lenta agonia do regime de 1988 que se recusará a morrer. Períodos de decadência e decomposição são também ciclos históricos conhecidos, o Império Romano teve 300 anos de decadência até morrer.

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