sexta-feira, 27 de julho de 2012

Os demônios de um império

Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas, no Tribuna do Agreste e no Santana Oxente:


O assassinato de doze pessoas, além de mais de trinta feridos, no estado norte-americano do Colorado durante a sessão de um novo filme de Batman, transformou-se em um trágico acontecimento mundial repercutido intensamente pela mídia internacional.

Esse tipo de manifestação de insanidade total associada a mortes em série já se materializou como rotina na sociedade americana há algum tempo e revela graves sinais de uma patologia social que se generalizou por todos os Estados Unidos.

Que não se explica só pelo fato de que qualquer pessoa nos EUA pode adquirir e receber pelo correio um fuzil metralhadora AR-15 último modelo, o que já é um absurdo, utilizado pelos marines em suas incursões invasoras por quase todos os continentes do planeta.

Na verdade a parte lúcida da sociedade norte-americana encontra-se encurralada há muito tempo, especialmente o universo cultural, e em seu lugar entronizou-se uma concepção majoritária, absoluta, de sociedade militarizada nos menores detalhes.

Quem se dá ao trabalho de observar a profusão de milhares de enlatados produzidos pela indústria do cinema nos Estados Unidos que passam tanto nas salas de cinema quanto na televisão percebe facilmente o incrível grau de alienação a que é induzida a população daquele país e ao mesmo tempo o alto estágio de paranoia, distorção da realidade, delírio coletivo a que ela vem sendo submetida.

Além disso, sua mídia que tem alcance global hegemônico é parte de um poderoso complexo de propaganda dos seus interesses e do grande capital financeiro internacional que determina os rumos de suas políticas interna e externa, tecendo invariavelmente uma versão particular, falsa sobre os fatos isolando, paradoxalmente, os cidadãos norte-americanos do mundo real.

Esses veículos ideológicos de difusão dos EUA ajudaram a aniquilar os valores pioneiros da sua fundação, exportaram em escala planetária uma gama de conceitos distorcidos, hipocrisias, medos, além do tal "destino manifesto" impondo às nações uma "civilização" centrada à sua semelhança.

Um império em crise econômica, brutalmente endividado, mas que possui atualmente um orçamento militar superior a todos os países da Terra juntos. Um Estado em guerra permanente contra o mundo agindo como se vivesse um pesadelo recorrente onde terríveis demônios interiores assumem dimensão real e o aterrorizam continuamente, indefinidamente.

sábado, 21 de julho de 2012

O livro de Manfredini "Vidas, veredas: paixão – memórias da saga comunista"

Publicada no blog de Walter Sorrentino a entrevista com o escritor Luis Manfredini:

Luis Manfredini, escritor, com vocês no Conversa.com. Juntos, o Departamento Nacional de Quadros do PCdoB e a Fundação Maurício Grabois, tivemos gratificante trabalho de produzir uma obra da qual Manfredini foi o organizador. “Vidas, veredas: paixão – memórias da saga comunista” é como vai se chamar e já está no prelo. Pedi a Manfredini para compartilhar com vocês o caráter desse trabalho e aproveitar para dar a conhecer aos amigos do blog esse escritor que admiro, além de ser grato companheiro de partido.


Caro Manfredini, bem vindo ao Conversa.com do blog. Acabamos de terminar um trabalho conjunto escrito por você. Ele se liga diretamente ao conceito de atual geração dirigente da corrente comunista no país, todavia pouco conhecida na singularidade das histórias pessoais. Fale um pouco do livro para o leitor.

Sim, foi um trabalho de fôlego que envolveu quase 40 entrevistas presenciais e umas 50 outras realizadas a partir de roteiros por escrito, além de ampla pesquisa bibliográfica. O foco central foi levantar e expor a trajetória pessoal desse amplo conjunto de revolucionários em sua luta contra a ditadura e pelo socialismo no Brasil, em sua maioria sob as dramáticas condições da clandestinidade e da repressão policial. E o resultado, que logo será posto ao julgamento dos leitores, foi um largo painel de como a corrente comunista enfrentou as lutas a que se propôs. O que chama a atenção na obra é que ela inova ao romper com a tradição que mandava examinar os revolucionários quase só como militantes, a partir de suas idéias e condutas políticas, relegando a plano secundário as pessoas que continham tais idéias e produziam tais condutas, deixando de perceber o quanto a personalidade de cada uma dessas pessoas, suas origens, suas influências muitas vezes determinavam os rumos de suas idéias e condutas. Então, o que verte desses perfis é humanidade pura, com seus ingredientes de drama, tragédia, hilaridade, aventura. Quantos conhecem essa faceta? Raríssimos. Agora conhecerão a vida que pulsava por trás dessa trajetória de lucidez e valentia. E certamente aprenderão com elas.

Então, foi um registro de caráter literário, uma obra para ser lida de fato por contingentes amplos, certo? Que significou essa experiência para você – uma revisita a tempos passados mas que se projetam para o presente e futuro.

Eu diria que foi um registro que articulou jornalismo e literatura. Jornalismo no sentido da fidelidade aos fatos. Ou seja, nada foi criado pelo autor. Literatura no sentido de apresentar literariamente os perfis, com alguma trama, com fluidez de linguagem, metáforas e uma estrutura narrativa mais livre. Tudo isso ajuda a tornar a leitura mais agradável e, portanto, acessível a um público mais amplo. Nada de jargões, de frases de propaganda, nada de teses. Quanto ao que esse trabalho significou para mim, devo dizer que me proporcionou a ocasião de revisitar meu próprio passado pela lente de outros. Ou seja: como um grande conjunto de companheiros viam e vêem tudo aquilo que vivemos juntos na luta contra a ditadura e pelo socialismo no Brasil. Nas interlocuções com boa parte dos entrevistados, esclareci dúvidas, troquei opiniões, sugeri reflexões sobre esses anos todos. Foi como mergulhar na história política do nosso País. Sobretudo foi reconfortante nos ver sob os mesmos trilhos do sonho e da rebeldia.

Aprecio teu veio literário. Esta é a segunda obra voltada para histórias pessoais na evolução política do país. As Moças de Minas e Memória de Neblina. Fale um pouco deste último.

Memória de Neblina é um romance sobre meninos e meninas que, sob a ditadura militar, conviveram com sonhos e pesadelos justamente quando estavam se formando para a vida, quando já não eram mais crianças, tampouco adultos. Hilários, dramáticos, amorosos, radicais, lutam e brincam a um só tempo. Nas frias madrugadas curitibanas, picham poemas nos largos muros de um colégio e, em seguida, se aventuram em estrepulias até o amanhecer. Dias depois, lá estão eles distribuindo panfletos em um bairro operário e discursando sobre bancos de praças. Nas trevas sob as quais vivem, o lúdico não abandona o revolucionário. Mais tarde, entre operários e camponeses, nos subterrâneos da clandestinidade política, já adultos, continuam semeando sua revolução. Penso que o Memória de Neblina é, sobretudo, um elogio ao pensamento humanista e transformador. Junto com o anterior, As moças de Minas, o romance compõe um largo painel das encruzilhadas da insubmissa juventude dos anos 60 e suas utopias de transformação do mundo.

Muitos perguntam o quanto é autobiográfico e eu estranho – sim e não. Estou certo?

Sim e não, é verdade. Um ficcionista do realismo escreve a partir da sua experiência pessoal, da experiência de outros – que testemunhou ou da qual ouviu falar. A isso acrescenta o que é capaz de inventar. É o “elemento acrescentado” de que fala o peruano Mário Vargas Llosa. E mesmo o inventado possui lastro na vivência do autor ou de outros. A tudo isso ele dá uma formulação literária, que possui regras próprias. Veja como a demência senil que ataca a memória do grande Garcia Marquez o impede de voltar a escrever. A memória é tudo.

Sim, creio que literatura é experiência somada, memória e cultura, com expressão formal singular. Dostoiévski dizia que o romance é a verdade da mentira. Me intriga essa fronteira entre ficção e realidade… Mas como nasceu esse anseio literário em tua vida, como se desenvolveu? Sei que você vem do meio jornalístico, repórter, cujo texto é claro, conciso, direto e eu aprecio. Mas daí à literatura, como foi o passo? Como a experiência militante contribuiu ou retardou esse anseio?

A literatura é antiga na minha vida, veio antes do jornalismo e da política. Nasci em Curitiba, em 1950 e, entre os oito e os dez anos de idade, eu meu amigo de infância Wilson Bueno singrávamos as garoas de Curitiba, tardes e tardes caminhando e arquitetando a vida futura, enquanto os outros jogavam futebol. No centro daquelas remotas deambulações, a escrita e a leitura. Almejávamos ser escritores. Aos dez anos editamos um jornalzinho mimeografado na Biblioteca Pública do Paraná. O “Rui Barbosa” teve uma única edição. Aos 13 anos, quando eu cursava o Colégio Militar de Curitiba, fundamos o Centro Juvenil de Letras de Curitiba e mergulhamos, junto com outros, no mundo dos escritores. Escrevíamos copiosamente e publicávamos crônicas e poesias nos jornais. Mas em 1966 nos separamos, Wilson Bueno e eu, ele com 17, eu com 16 anos: a política me alcançou com a força de um vendaval, colocando-me na Ação Popular e na luta revolucionária; Wilson mudou-se para o Rio, destino dos que desejavam ousar na vida literária, de lá voltando mais de dez anos depois para se tornar um dos grandes escritores brasileiros contemporâneos. Quanto a mim, segui a trajetória de tantos outros rebeldes daquela época tormentosa: movimento estudantil, breve experiência no campo, vida clandestina e luta política. Mas nunca abandonei o sonho literário. Mesmo sob as sombras, no início dos anos 70, não deixei de ler e escrever. Na época, era à poesia que me dedicava. Cheguei a escrever algumas que, segundo me disseram, seriam encaminhadas ao jornal Libertação, da AP. Mas a partir de 1971, aos 21 anos de idade, o jornalismo falou mais alto e a ele me dediquei quase que exclusivamente. A ele e à luta política, o que manteve a literatura em estado apenas latente por alguns anos. Depois, com As moças de Minas, publicado no final dos anos 1980, a literatura retomou seu fôlego, submeteu o jornalismo, que se tornou mero ganha-pão. Hoje, no início da segunda década do século XXI, já tendo publicado Memória de Neblina e trabalhando em outros romances, a literatura – penso que definitivamente – é a senhora à qual me submeto por inteiro. À literatura e à luta política, porque desta, obviamente, jamais me afastarei, embora a exerça de modo compatível com a idade que avança e limita.

Você é leitor contumaz? Que lhe parece o panorama literário da atualidade, no Brasil e no mundo?

O mercado alcançou em cheio a literatura. Escritores são contratados pra escrever qualquer coisa, qualquer bobagem, que as editoras, a custa de forte mídia (em que não faltam os elogios por encomenda), tratam de vender como best-sellers e tornar vencedores de concursos, e assim vender mais. Por isso, numa livraria, evito a estante dos mais vendidos. E, francamente, fico cada vez mais fiel aos grandes escritores do passado. Releio Machado, Graciliano, Érico Veríssimo, releio os maravilhosos russos, agora com tradução direta, sem a mediação do francês, e os americanos London, Faulkner, Caldwell, Saroyan, Roth, Auster, o excelente Cormac McCarthy, entre outros. Llosa, Garcia Marquez, Rulfo, os insuperáveis argentinos, o chileno Bolaños, os portugueses Saramago e Lobo Antunes, entre outros. Bem, a lista é grande. Acho que a literatura brasileira contemporânea, salvo honrosas exceções, ainda muito influenciada por modismos, por malabarismos meramente formais que, às vezes, a tornam muito próxima do texto publicitário. Mas quero vincar aqui a obra de um escritor paranaense, Wilson Bueno, morto tragicamente aos 61 anos, em 2010. Como disse anteriormente, fomos amigos de infância e adolescência, construímos juntos nossas trajetórias literárias. E ele se tornou brilhante, um dos mais importantes escritores brasileiros da atualidade. Dele, chamo a atenção para o notável Meu tio Roseno, a cavalo, uma obra-prima.

Conheço outros trabalhos editoriais teus, aliás todos muito belos, sobre o Paraná.. Você gosta de escarafunchar coisas da história. Fale um pouco deles.

Eu destacaria o livro Sonhos, utopias e armas, encomendado pela Secretaria da Cultura em 2010 para desmistificar a idéia – mais ou menos generalizada – de que o Paraná foi construído sem conflitos. Não foi. Aqui houve, por exemplo, três guerras camponesas, uma delas, a guerrilha de Porecatu, no início dos anos 1950, dirigida pelo Partido Comunista. Houve muitos movimentos grevistas e algumas insurreições. O Paraná foi palco de lutas encarniçadas, como o cerco da Lapa, durante a Revolução Federalista, entre 1893 e 1895. O Paraná é um estado interessante. Aqui houve uma experiência fourierista, entre 1847 e 1858, capitaneada pelo médico francês Jean Maurice Faivre (tema de um romance histórico que escrevo no momento) e outra anarquista, liderada pelo italiano Giovanni Rossi, sem falar nas reduções jesuíticas exterminadas pelos bandeirantes paulistas no século XVIII. Entre 2005 e 2011 produzi, para a Federação das Indústrias do Estado do Paraná )FIEP), a coleção Empreendedores do Paraná, de quatro volumes, com os perfis de mais de 40 empreendedores industriais, um trabalho que, de certo modo, acabou por revelar a ocupação e a construção de boa parte do território paranaense, ocorrida a partir dos anos 30 do século passado. Na política a história nos orienta e, na literatura, é inesgotável fonte de criação.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

O nó górdio

Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas, no Tribuna do Agreste e no Santana Oxente:


A sociedade brasileira tem sofrido nos últimos anos um intenso bombardeio ideológico através da grande mídia monopolista internacional e nacional com o objetivo de desviá-la dos grandes temas centrais, decisivos ao seu presente e a um destino promissor.

Não é por acaso que os movimentos populares, dos trabalhadores, têm sido instigados a uma agenda multiculturalista global aplicada indistintamente em todo planeta, desde a mais remota aldeia da gélida Finlândia até o árido sertão nordestino.

Cujos temas, que nunca variam, partem de demandas, algumas auto-justificavéis, generosas, e se transformam invariavelmente como se fossem o alfa e ômega ao futuro da humanidade tal é o poder de fogo unilateral desse complexo midiático hegemônico mundial.

Na verdade o que se pretende é a tergiversação, a intenção de desviar as energias sociais das principais questões relativas à soberania dos países, ao progresso social.

Porque são justamente a soberania das nações, o progresso dos povos que vêm sendo atacados a pauladas, levados de roldão pela fúria do capital financeiro globalizado, das políticas neoliberais em curso, absolutas nas últimas duas décadas em quase todo o mundo.

Recente artigo de Dilermando Toni e Sérgio Barroso para a revista Princípios manifesta grandes preocupações tanto com o presente da economia brasileira quanto a um porvir progressista do País que ainda não consolidou seu crescimento econômico.

Que continua subordinado aos interesses dos financistas e seus estratosféricos lucros através do tripé macroeconômico juros altos, câmbio flutuante e superávit primário elevado.

Considera o ensaio que o Brasil, nação de industrialização tardia, passou por terrível dominação financeira sob forças neoliberais e, apesar dos esforços, continuam a influenciar a vida econômica nacional agora com as intempéries da crise econômica mundial atingindo os países em desenvolvimento como é o nosso.

Com dados estatísticos, o texto afirma que os fatores econômicos internos são a nossa principal dificuldade exposta no ínfimo crescimento econômico e declínio da indústria de transformação motor de uma nação desenvolvida, independente.

Sem a retomada da industrialização, investimento, modernização em infraestrutura, educação, saúde, ciência, tecnologia o Brasil corre o risco de perder rara oportunidade de um histórico salto econômico, social, soberano.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Eleições e economia

Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas, no Tribuna do Agreste e no Santana Oxente:


As próximas eleições de outubro para prefeitos e vereadores representam um ensaio geral para a intensa batalha de 2014 na luta pela presidência da República e demais instâncias de poder, governos estaduais, Senado, Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas.

Ao que tudo indica, caso não surjam graves fatores desestabilizadores, o governo federal deverá reforçar enormemente a sua base política institucional preparando assim as condições e o terreno para o grande confronto com as oposições no pleito seguinte.

Mantida a alta popularidade da presidente da República, com a aprovação de mais de 70% dos brasileiros, tudo indica que ela deverá influenciar na vitória dos seus aliados na maioria das capitais, grandes, médias cidades.

Caso isso se concretize a resultante será a total fragilização da oposição que já se encontra combalida, desprovida de uma plataforma ou discurso que leve a ampliar a sua base social de apoio.

Mas o governo federal tem um sério desafio para o futuro próximo que será reverter as consequências negativas da crise econômica capitalista global que incidem na economia brasileira reduzindo gravemente as taxas de crescimento do produto interno bruto nacional.

O diagnóstico de vários economistas respeitáveis do País aponta para um processo de desaceleração dos indicadores que sustentaram o atual ciclo de desenvolvimento da nação e possibilitaram o fortalecimento do campo político do governo federal através do otimismo da população e suas perspectivas de vida.

Principalmente com a emergência de milhões de brasileiros que saíram das faixas de pobreza, onde se encontravam indefinidamente, para novos patamares sociais favorecendo o acesso dessas camadas ao consumo.

Mas os números demonstram que o modelo econômico centrado fundamentalmente no consumo já não responde, como nos governos Lula, aos efeitos danosos da crise econômica mundial porque a capacidade de endividamento da população encontra-se saturada.

Significa também que esse modelo encontra-se superado, esgotado, precisa ser substituído urgentemente por uma nova política de longo curso que reverta o sucateamento do parque industrial, promova investimentos pesados em infraestrutura, educação, saúde, ciência e tecnologia.

Assim, o futuro da presidente Dilma em 2014 vai estar associado à materialização de um novo ciclo de desenvolvimento nacional estratégico.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Reflexões sobre a nova ordem

Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas, no Tribuna do Agreste e no Santana Oxente:


Os valores éticos de civilização nos campos geopolítico, ideológico, cultural e econômico que bem ou mal subsistiram até o final do século vinte, desmoronaram e não foram substituídos por novos valores mais avançados que favorecessem a grande maioria da humanidade.

Essa é uma das conclusões do sociólogo polonês radicado na Grã Bretanha, Zygmunt Bauman, em seu esforço de diagnosticar o surgimento de fenômenos típicos desses tempos de hegemonia neoliberal, da nova ordem mundial.

Mesmo que várias de suas conclusões possam ser questionáveis há um resultado positivo em caracterizar situações e comportamentos que reflitam esse momento da História onde há uma grave, imensa centralização e concentração do capital a nível global.

Afirma que existe um evidente mal-estar generalizado em relação àquilo que passou a se chamar "a pós-modernidade" porque a sensação disseminada entre as nações é a da extrema dificuldade em trilhar um itinerário escolhido uma vez abraçado pelas maiorias.

Porque a globalização seletiva do capital, comércio, da vigilância e informação, do crime organizado transnacional, das grandes corporações militares (como a OTAN sob hegemonia imperial) possuem em comum o desdém pelo princípio da soberania territorial e o desrespeito a qualquer fronteira entre os Estados, expostos aos golpes do "destino imposto".

Assim é que se explica, afirma ele, a perda relativa de autonomia do Estado nacional declinada em favor do capital, especialmente o financeiro, assim como o enfraquecimento da função primordial dos poderes legislativos nas democracias representativas no que concerne às grandes questões políticas cujos legisladores vão sendo restringidos à condição de prestadores de serviços às comunidades.

Para Bauman "mercados sem fronteiras" é uma receita para a desordem mundial, flagrada mais uma vez nas crises da União Europeia e Estados Unidos, onde a conhecida formulação de Clausewitz foi revertida de modo que a política é que se tornou a continuação da guerra por outros meios.

Ele enfatiza que o principal movimento do capital global tem sido a tentativa de desmantelamento das grandes ideias transformadoras, "destruição dos direitos civis e políticos" para entronizar em seu lugar "um horizonte oposto, distópico, fatalista" exigindo tenaz resistência para alcançar novos tempos mais promissores, mais avançados para a humanidade.

domingo, 1 de julho de 2012

Rede não leva à democracia

Transcrevo aqui matéria que o "O Jornal" publicou em sua edição deste domingo, 01/07, sobre a palestra do professor Renato Lessa no Fórum Senado Brasil 2012:


A ideia de que a internet possa curar os males do sistema político representativo e levar ao paraíso da democracia direta é uma ilusão, no entender do professor de filosofia política da Universidade Federal Fluminense (UFF) Renato Lessa. Ele proferiu na noite de quarta-feira a sexta palestra do Fórum Senado Brasil 2012, que segue até o dia 7 de agosto no auditório do Interlegis.

"O Egito é uma prova de que não é o facebook quem vai democratizar a sociedade", disse Lessa perante uma audiência composta na sua maioria por estudantes universitários e servidores do Senado.

O conferecista justificou seu ceticismo, ao lembrar que as redes sociais virtuais são consideradas as grandes responsáveis por viabilizar as campanhas políticas contra os governos ditatoriais em muitos países do Oriente Médio e do Norte da África, no que se consagrou chamar de Primavera Árabe. Entretanto, a força mobilizadora dessas redes não logrou converter a região à democracia. No Egito, por exemplo, foi eleito um novo governo para suceder o ditador Hosni Mubarak, mas num quadro institucional ainda controlado pelas forças armadas.

As declarações de Renato Lessa a respeito do papel da internet foram dadas como contraponto à sua explanação sobre o sistema representativo e seus dilemas. Tanto no Brasil quanto em outros países tem sido usual se falar numa crise de legitimidade dos parlamentos, provocada pelo que seria o divórcio entre a vontade dos eleitores (os representados) e os políticos (representantes).

Para o professor da UFF, o sitema representativo já nasceu com uma imperfeição: o representante não espelha o representado, como seria o caso da pintura figurativa, em que o artista busca o máximo de semelhança entre a realidade e o que desenvolve na tela. Além disso, imaginar que um indivíduo possa de fato representar os anseios de uma multidão de indivíduos é algo que está no terreno "da alucinação", falando do ponto de vista filosófico.

"A representação, desde seu início, foi caracterizada por uma imensa tensão constitutiva. Ela foi criada como uma ficção segundo a qual muitos podem se fazer presentes em poucos", conceituou.

Despolitização preocupa cientista político

O que há, segundo o cientista, é uma relação de sentido prático, uma vez que dos antigos sistemas de democracia direta, com destaque para a assembleia grega, passou-se a modelos que conferissem direitos eleitorais a contingentes cada vez maiores de pessoas, e em sociedades que marchavam em direção ao sistema capitalista. Quando surgiu, entre os séculos 17 e 18, o sistema representativo não se encaixava no conceito contemporâneo de democracia. Em geral, o direito a voto era oligárquico, privilégio de poucas pessoas e poucos grupos.

Em certos países, o direito ao voto foi conquistado com luta, embora isso não impeça que hoje os cidadãos estejam desanimados com seus representantes. No Brasil, assinalou Lessa, a descrença também é notada, embora o direito ao voto tenha sido muito mais uma concessão ao povo.

Seja lá como for, o cientista político recomenda que a melhoria do sistema representativo venha de fora para dentro, vale dizer, do seio da sociedade para o parlamento, de modo a diminuir a distância entre a identidade política dos eleitores e dos políticos.

Lessa se preocupa com a despolitização dos cidadãos, justamente por levar a um desligamento entre representados e representantes. Ele também comentou os desdobramentos dos recentes movimentos anti-corrupção, que exibiram bastante vigor nas redes sociais, e chegaram a levar manifestações às ruas. "É um movimento mais moral do que político, por vezes contra o parlamento", resumiu o cientista político.

Internet pode ter efeito mobilizador

Quanto ao caráter dispersivo da internet, abrigo de uma miríada de interesses específicos, e distante das grandes bandeiras que mobilizavam as multidões até os anos 80, Lessa prefere não saltar do ceticismo quanto ao real poder de transformação do novo meio para um pessimismo que veria nas redes sociais mais um espaço de manipulação e esvaziamento político.

"Não há computador que vá além do voto. É preciso que se crie um ambiente de discussão, mas a internet pode exercer um papel mobilizador muito interessante", ponderou.

Ao observar de forma bem humorada que "o melhor sistema político é sempre o do vizinho", Lessa disse considerar perda de tempo a procura de uma fórmula certa para a reforma política no Brasil. O cientista político contou sobre o grande entusiasmo de estudiosos portugueses pelas regras eleitorais brasileiras, que muitos no Brasil querem trocar pelas portuguesas, como o voto em lista.

Para ele, um dos problemas centrais no Brasil é a formação de partidos cujo objetivo é apenas a busca de votos, e não a criação de uma forte identidade com o eleitor. Isso é agravado pela falta de investimento na qualificação cívica da própria classe política e pela baixa escolaridade do eleitorado.

Po essa razão é que Lessa insiste numa pressão por mudanças com origem em movimentos políticos dotados de forte identidade. "O processo político não se esgota em eleições. É preciso uma energização cívica extrainstitucional", aconselhou.