sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A rota da soberania

Meu novo artigo semanal:


No contrafluxo da situação geopolítica mundial o Brasil vive uma realidade lastimável onde as instituições da República encontram-se à deriva e que assumiu enorme dimensão notadamente após a destituição da presidente Dilma.

Distinto do contexto internacional onde a Nova Ordem mundial vem sofrendo evidentes sinais de decadência com a derrota em vários cenários: militar, eleitoral, diplomático, surgindo sinais de transformação a outra Ordem multipolar, o País é alvo de movimentos externos, internos com o objetivo de impedir seu protagonismo geopolítico, fomentar o desequilíbrio institucional, a fragmentação da sociedade nacional.

As insurgências fabricadas em laboratório conhecidas como “primaveras árabes” têm sido utilizadas no Brasil desde 2013 e vêm num crescendo com a participação da grande mídia monopolista que capturou, já faz algum tempo, a informação, a notícia, interpretação dos fatos e especialmente o destino político da nação. Viceja a intimidação, a chantagem, os desabridos interesses antinacionais.

Sem uma unidade social em torno do rumo nacional, imerso em grave crise econômica interna, mergulhado em uma séria anomia institucional, o Brasil chafurda em uma das mais graves crises da sua História enquanto nação independente e soberana.

Onde é evidente a falência da chamada Nova República erigida em 1985. É nesse sentido que fica cristalina a necessidade da constituição de um amplo pacto social e político, de um novo projeto econômico, social em defesa do desenvolvimento nacional, da integridade e soberania do País.

O quadro é tão dramático que os prazos, os recursos, as possíveis saídas vão rapidamente se esgotando e as alternativas à dantesca crise vão rareando, enquanto a economia vai afundando a olhos vistos com a nação cada vez mais à mercê do cassino financeiro global.

Nesse contexto a grande mídia associada ao capital financeiro e aos interesses imperiais, especialmente norte-americanos, faz o seu trabalho de produzir tempestades de ódios gerais, verdadeira máquina de promoção de dissensos, manipulação de agendas sociais, cresce cada vez mais o domínio econômico e político do capital rentista no País.

Só a rota da soberania nacional pode unificar o povo brasileiro em torno de novos rumos de desenvolvimento, em defesa da autodeterminação do País.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Agenda pesada

Meu novo artigo semanal:


Muitos têm falado que 2016 continuará ainda por um bom tempo e deverá ocupar a agenda dos próximos anos.

De fato é uma possibilidade plausível tendo em conta que os fenômenos gerais que incidem hegemonicamente sobre o País têm origens, razões, objetivos determinados, partindo de interesses em escala global, gerando vários outros acontecimentos como danos colaterais.

Nunca é demais repetir que a nação sofre os impactos da mais dramática crise capitalista global desde o crash de 1929. E em consequência há graves rachaduras nas estruturas da Nova Ordem mundial, gerando desdobramentos diferenciados pelos continentes.

A interpretação desses fatos não tem sido fácil para nós simples mortais, submetidos há anos e diariamente a um inédito, na História, processo de uniformização da informação e interpretações dos fatos, o famoso “para entender” isso ou aquilo, que nos são jogados na cara diariamente, com o objetivo de sustar qualquer consciência crítica das suas origens, seus desdobramentos.

A alienação da realidade objetiva cabe à grande mídia-empresa global, associada ao Mercado financeiro mundial, instrumento imprescindível ao exercício de um processo de dominação das sociedades, dos povos, inigualável na História contemporânea, onde a mídia hegemônica já não mais informa, mesmo a informação parcial ou de grupos. Ela dita qual é a realidade conveniente ao capital rentista, à Nova Ordem mundial.

Se questionarmos a quem interessa o exercício desse inédito, em termos Históricos, processo de constituição da ditadura do pensamento único, é certa a resposta pela constatação de que hoje 99% da riqueza global encontra-se nas mãos de 1% dos habitantes do planeta, segundo a insuspeita ONG britânica Oxfam, com base em dados do banco Crédit Suisse.

Quanto ao Brasil o golpe fatiado em curso está associado a esse cenário global com vistas: à entrega do pré-sal às multinacionais, privatização das estatais, a reforma da previdência, abertura do mercado da construção civil a empresas internacionais do ramo, prioridade ao pagamento dos juros da dívida pública, desindustrialização interna, fim dos programas nuclear e espacial brasileiros, afastamento do Brasil em relação aos BRICS etc.

Portanto, será renhida a luta em defesa da democracia, dos direitos sociais, da soberania nacional.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O tempo e o pacto

Meu novo artigo semanal:


A crise nacional anda numa velocidade em que os fatos são ultrapassados no mesmo dia por outros ainda mais danosos numa escala progressiva.

A tormenta institucional tem duas vertentes óbvias que se imbricam: a política e a econômica.

Com o golpe de 2015 que depôs a presidente Dilma a nação constata que apesar da redemocratização em 1985 ainda há na cultura política brasileira uma tendência autoritária que se evidencia no fato que vinte e oito anos após a promulgação da Carta Constitucional de 1988 só dois presidentes da República concluíram seus mandatos.

A metade dos presidentes eleitos no mesmo período foi deposta. Ao longo dos vinte e oito anos pós-Constituinte os argumentos utilizados para depor os presidentes eleitos, e até seus substitutos, foram por razões com forte teor de ideologismo, como sucedeu com a presidente Dilma.

Os impeachments, e até as tentativas não concretizadas, ao longo da Nova República foram encetados em defesa da moralidade mas as razões centrais residem na elementar luta pelo poder, sem compromissos com o pacto Constitucional, sob o comando da grande mídia empresa associada ao Mercado rentista.

A ideia de que “o povo bota, o povo tira” é absolutamente válida nos regimes de plena democracia, desde que observada a Constituição, a soberania das urnas. Fora disso é golpe.

No plano econômico tem sido raso o esforço em prol dos objetivos da centralidade dos interesses nacionais, que se expresse em projetos que possam alavancar o conjunto da economia brasileira, o reforço do papel estratégico do Estado como indutor na construção de percursos de largo tempo e espaço.

Ao contrário promove-se hoje, sob violenta ofensiva neoliberal, o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, uma condenação ao crescimento do País, a famigerada reforma da Previdência que amputa mortalmente os direitos dos assalariados, suas aposentadorias. Pela acumulação dos lucros do Mercado tudo, ao povo e à nação, ZERO.

Está certo André Araújo: não é possível um País com a complexidade do Brasil em inédita e rara recessão (no planeta), onde pessoas que comandam a economia não estão à sua altura, muito menos têm a legitimidade, frente aos imensos desafios que estão no horizonte.

Urge a formação de ampla frente em prol da reconstrução nacional, da economia, pela democracia.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Cenário trágico

Meu novo artigo semanal:


As medidas de arrocho, ajustes fiscais, precarização dos direitos trabalhistas, redução do Estado, privatização de setores estratégicos, compõem o eixo das iniciativas contrárias aos interesses do Brasil.

A crise capitalista que já adquiriu nova fase em 2008 com o estouro das bolhas do Mercado imobiliário nos Estados Unidos, jogou a economia mundial na debacle que vivenciamos.

Assim o que está em curso é a crise das políticas da Nova Ordem mundial impostas aos povos e nações depois da extinção da União Soviética, o surgimento da hegemonia unipolar dos Estados Unidos, guarda pretoriana do “Mercado” global.

Nesse tempo os EUA, a globalização financeira, deitaram e rolaram. Apesar da crise financeira garroteando os Países foram adotadas brutais medidas de impacto econômico, social contra os povos.

Algumas nações buscaram adaptar-se às novas condições da hegemonia econômica, militar global, com formas de sobrevivência sem abdicar da soberania econômica, territorial, cultural, política. E conseguiram se desenvolver de uma forma ou de outra. Podemos citar a China, Rússia, etc.

Enquanto a Nova Ordem exercia intensa exploração financeira, apoiada pelos EUA, escamoteava as razões centrais da brutal crise que viviam as nações. Em seu lugar impôs agendas globais diversionistas através da grande mídia empresa, associada ao “Mercado”.

Mas a crise econômico-financeira está cobrando a fatura, chegou ao nível do insuportável, e os povos estão se rebelando, exigindo seus diretos.

O Brasil conseguiu adiar essa crise até 2011 em função da grande procura de produtos primários dos quais o país é celeiro, mas não adotou medidas estratégicas de desenvolvimento em infraestrutura, tecnologia, forte industrialização, adequadas às suas peculiaridades. Persistiu na senda da economia via consumo.

O golpe em curso, chamado corretamente de “golpe fatiado”, obedece a várias etapas. Busca anular o sentimento nacional, democrático, impor as políticas extremadas do Mercado financeiro, a capitulação da nação, do povo brasileiro.

O cenário de paralisia econômica, desemprego é grave. As ameaças contra o País e a sociedade são concretas. Só um amplo pacto nacional e democrático com intensa mobilização social em defesa da reconstrução do País pode reverter o quadro trágico em que se encontra o Brasil.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Golpe fatiado, por Luciano Siqueira

Publicado no blog de Luciano Siqueira:


O golpe segue — cumprindo cada etapa quase que com precisão cirúrgica.

Primeiro, tratava-se de afastar a presidenta Dilma definitivamente e interromper as transformações que se operavam no país desde 2003, quando se iniciou o primeiro governo Lula.

Uma vez ocupado o governo central por Michel Temer e sua corja, iniciou-se a segunda fase: o ajuste fiscal rigoroso, recessivo e prejudicial à grande maioria da população; e acelerar o desmonte das políticas públicas, conquistas sociais e direitos, ao modelo neoliberal praticado na Zona do Euro, sob o comando do grande capital financeiro internacional.

É o que está em andamento, porém de modo atabalhoado, proporcional à incompetência e ao desmantelo de Temer e seu grupo. Soma-se a desqualificação do grupo palaciano, tipicamente mergulhado no que há de pior na política.

Em seis meses, um número recorde de ministros caiu - seis - por questões éticas.

Agora, desenha-se uma nova fase, que consiste em empurrar Temer ao fundo do poço e a partir do início do ano que vem, quem sabe, afastá-lo também do poder, gerando as condições para uma eleição indireta via Congresso Nacional — vale dizer, escolher um tucano presidente da República com a tarefa de fazer todo o trabalho necessário para que em 2018 possa se eleger novamente um tucano.

Certamente está aí a explicação da abordagem da Rede Globo e outros gigantes da grande mídia nitidamente desfavorável a Temer e as insinuações de Fernando Henrique Cardoso, que parece se apresentar para um hipotético mandato tampão de dois anos.

Desenhado o esquema, nada indica que as coisas acontecerão pacificamente. Contradições e conflitos de interesses marcarão o processo nas hostes governistas. Nem o PMDB entregará de graça o poder conquistado por via transversa, nem o baixo clero da Câmara e do Senado venderá por pouco seus votos numa eleição indireta.

Às oposições cabe intensificar a resistência e cuidar de uma ampla articulação de caráter frentista em torno de uma agenda de luta contra o retrocesso e em favor do desenvolvimento com inclusão social. E defender eleições diretas para presidente, no desdobramento de uma possível queda de Temer, como alternativa democrática de enfrentamento da crise.

sábado, 26 de novembro de 2016

Fidel Castro



Faleceu nas primeiras horas deste sábado a última grande personalidade que veio do século XX, Fidel Castro. O respeito em todo o mundo e a admiração por esse revolucionário irá sobrepor, em muito, toda carga de ódio que a grande mídia sempre descarregou sobre um só homem.

Porque Fidel sempre foi uma referência e uma prova das grandes utopias realizáveis ao longo de toda sua vida.

Fidel, além de ser revolucionário era um grande patriota. Amava profundamente Cuba. Por isso a sua consigna: Pátria Livre ou Morte. Tudo o que hoje o “Mercado” condena: construir o futuro humano de maneira desinteressada e a luta patriótica dos povos em defesa da sua autodeterminação.

Ao capital financeiro e à Nova Ordem mundial só vale o presente contínuo, a renegação dos sonhos possíveis e o entreguismo deslavado como razão de existir. Ou seja, desejam constituir gerações de autômatos, meramente consumistas.

Fidel vivenciou a época das grandes lutas de libertação nacional e social, participou como resistente dos combates contra a Nova Ordem mundial desde 1989. E nunca foi derrotado. Sofreu quase um milhar de tentativas de assassinatos orquestrados pela CIA, inclusive de envenenamentos. Afinal ninguém enfrenta, como ele enfrentou, o grande império do Norte durante 57 anos impunemente. Ele e Cuba.

Fidel era amigo de outro indomável latino-americano, Gabriel Garcia Márquez, prêmio Nobel de literatura, brilhante autor de vários livros e crônicas, entre eles Cem Anos de Solidão, inventor de um estilo literário saboroso e inigualável: o realismo mágico ou fantástico. Sempre pareceu-me que Fidel e Cuba eram personagens saídas da escrita de Gabriel Garcia Márquez, fantasticamente realistas.

Cuba que antes da revolução era conhecida como um “bordel flutuante” onde a máfia, políticos e líderes norte-americanos iam para se divertir, acender charutos com notas de cem dólares, transformou-se em uma ilha de resistência indômita contra os interesses da grande potência do planeta. E no centro de tudo isso estava Fidel Castro. Tal enredo parece mesmo um conto ou um livro de Gabriel Garcia Márquez.

Falem o que quiserem, como escreve e difama a grande mídia monopolista e seus articulistas. Fidel, assim como os livros de Gabriel Garcia Márquez, estarão sempre presentes. E eles, bom, eles passarão incólumes na memória e referência dos povos.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

O profeta nu

Meu novo artigo semanal:


Após a queda da União Soviética, a hegemonia unipolar dos EUA, a adoção do dólar como moeda padrão, o Mercado financeiro passou a exercer o domínio global com suas políticas e agendas para as sociedades.

Nesse tempo surgiu Francis Fukuyama um nipo-americano, então um obscuro professor universitário. Suas teses foram divulgadas em escala mundial pelo Departamento de Estado dos EUA.

Suas concepções baseiam-se na supremacia do neoliberalismo econômico, inspirado por Friedrich Hayek, filósofo, economista austríaco pai do liberalismo moderno.

Fukuyama inventou a farsa do Fim da História com base na desregulamentação dos fluxos do capital financeiro, do rentismo louco. Afirmou que o mundo estava diante da paz definitiva, prosperidade econômica e social contínuas.

Mas o mundo nunca presenciou tantas guerras de agressão, genocídios, destruição de povos, nações. Ondas de milhões de refugiados, vítimas das intervenções imperiais na África, Oriente Médio, vagando pelos “corredores europeus para refugiados”, afogados aos milhares nos mares da Europa.

Em 2015 entidades internacionais anunciaram que pela primeira vez a fortuna dos 1% mais ricos superou a renda de 99% da população da Terra.

O “profeta” Fukuyama está nu. Mas insiste no Financial Times em suas concepções, porém acha que foram atingidas em cheio pela crise do “Mercado” em 2008.

Afirma que “a social democracia já havia aceitado há duas décadas o neoliberalismo reformista mas que errou em não indicar soluções econômicas (dentro da Nova Ordem, óbvio) aos trabalhadores, restringindo-se às políticas de identidades”.

Diz cinicamente que “a parte democrática das populações está se sublevando contra a parte liberal do sistema, sua legitimidade e regras”. O seu reacionarismo é contra outra ordem global multilateral com a China, Rússia, o Brasil etc.

Alerta o grande capital que há uma revolta dos povos contra a globalização do rentismo, que ele chama onda de “populismo” e “nacionalismo”: “a elite (financeira) deve atentar às vozes raivosas que gritam diante dos portões”.

Fukuyama, pessimista, vê o Outono da Nova Ordem mundial. É a mesma linha da grande mídia nativa monopolista. Cabe aos povos encontrar caminhos de superação a essa globalização financeira adversa à democracia, às conquistas trabalhistas, a soberania das nações.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Luciano Siqueira: Drama brasileiro inserido na crise mundial

Artigo de Luciano Siqueira, publicado em seu blog:


Olhar apenas a parte e subestimar ou desconhecer o todo – essa expressão comum da análise distorcida da realidade – é elemento presente na narrativa dos que promoveram o impeachment e persiste em meio aos crescentes embaraços do governo Temer diante da impossibilidade de entregar o que prometeu.

Antes, todas as agruras da economia brasileira decorriam supostamente de erros da presidenta Dilma e do seu governo, então submetido a uma análise unilateral, superficial e tendenciosa. Quase nenhuma palavra sobre a crise global na qual o Brasil estava e continua inserido.

Agora, uma cantilena que tem como alvo políticas sociais básicas e distributivas, apontadas como causa exclusiva do desequilíbrio das contas públicas, oculta a sangria da poupança nacional decorrente de juros estratosféricos da dívida pública, que de 2003 até hoje, se traduz numa transferência de R$ 3 trilhões (em valores atualizados) aos bancos privados!

Quando até o ex-presidente do Banco Central no governo FHC Armínio Fraga, um dos arautos do figurino neoliberal e porta-voz credenciado do mercado financeiro, já reconhece de público sua frustração diante dos atrapalhados seis meses de governo Temer, as coisas não vão nada bem.

Vão muito mal. Não apenas pela incompetência de Temer e seu grupo, mais ainda porque a crise brasileira é parte indissociável da crise global, ainda que tenhamos cá nossas peculiaridades.

E evolui num contexto mundial – como bem assinala em artigo recente o presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo – onde se destacam três tendências fundamentais: “1) Decomposição estrutural relativa da hegemonia unipolar dos Estados Unidos, com crescente multipolarização do sistema de relações internacionais e a emergência de novos pólos de poder, que não compunham o núcleo central; 2) Grande crise sistêmica do capitalismo, desde 2008, mais profunda do que a de 1929, ainda sem superação à vista, prevendo-se ainda longo período de incertezas; 3) Crescimento gigantesco das forças produtivas, a serviço de sociedades cada vez mais desiguais, culminando na denominada Indústria 4.0, ou a ‘quarta revolução industrial’.”

As falas de Temer e do ministro Henrique Meirelles, dias atrás, no reformado (para dar larga predominância às forças do “mercado”) Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, são uma mostra eloquente de uma dupla de mediocridade dos atuais governantes: a miopia diante da gravidade dos fenômenos que incidem sobre a nossa economia; e o compromisso quase que exclusivo com o sistema financeiro.

Aos bancos e aos senhores da usura, tudo! Às alternativas antirecessivas e às políticas sociais compensatórias e inclusivas, nada!

Assim, não demorará muito o Brasil poderá se converter numa Grécia sul americana.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Momentos singulares

Meu novo artigo semanal:


O Brasil necessita constituir novo caminho em meio a um cenário global caótico como decorrência da crise sistêmica da Nova Ordem mundial, da dominação do capital financeiro e suas instituições.

Já afirmou o historiador, cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira em seu livro A Desordem Mundial: é um tempo de guerras por procuração, terror, caos, catástrofes humanitárias, golpes brancos, como no Brasil, arquitetados, monitorados, executados sob a supervisão, notadamente, dos EUA.

Não há como negar a extensão da crise que instalou-se de maneira multifacetária em todo o planeta. Ela atinge as nações nas áreas econômica, social, política, sacode os valores impostos ao mundo pela globalização financeira.

É possível ver que as formas de hegemonia ditadas pela Nova Ordem mundial nas últimas décadas estão fazendo água por todos os lados. Os acontecimentos que indicam a objetiva revolta dos povos nem sempre são acompanhados por um projeto factível que mobilize as sociedades de forma majoritária.

As insatisfações podem ser cooptadas por um conjunto de ideias disformes, fracionadas, levando a soluções reacionárias para aplacar as angústias de multidões desnorteadas, estruturalmente desempregadas, à mercê de políticas que não correspondem aos sentimentos mais elevados do progresso humano.

A hegemonia da Nova Ordem, do Mercado financeiro, uma das mais nocivas da História moderna, está adernando a olhos vistos. Não vai ser superada espontaneamente.

As respostas podem vir através de ideias retrógradas, chauvinistas, se não surgirem no cenário mundial e no País projetos que defendam as aspirações dos povos, a democracia, o desenvolvimento econômico.

Mas a crise da globalização financeira abre espaços, sob formas mais avançadas, para a relevância nacional, uma outra ordem global multilateral com a emergência dos BRICS. Como disse Stefan Zweig, esses são os momentos singulares e supremos na História.

Nenhuma potência mundial será filantropa ou magnânima com as justas reinvindicações do Brasil. Cabe-nos nesse cenário em crise preservar a integridade territorial, a soberania, identidade como povo.

Urge às forças políticas lúcidas no País a constituição de ampla frente democrática, patriótica, na defesa de um projeto de desenvolvimento estratégico, soberano, de progresso social.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O franco atirador

Meu novo artigo semanal:


O resultado das eleições norte-americanas provocou, via grande mídia, uma onda de pânico, como se fosse a mãe de todas as tragédias dos últimos tempos.

O ar gélido que sopra com a derrota de Hillary é porque ela representava as políticas do complexo industrial-militar-financeiro-midiático postas em prática pelos EUA, nas agendas interna e externa, no mínimo, nos últimos 16 anos, desde a primeira guerra do Iraque.

Clinton era a candidata das grandes corporações financeiras que levaram os Estados Unidos à crise econômica em 2008, cujo centro do terremoto localiza-se em Wall Street, espalhou-se pelo planeta acarretando brutal abalo econômico, social.

Hillary como secretária de Estado promoveu e continuou várias guerras onde os EUA estão metidos atualmente contabilizando, até agora, mais de 2 milhões de soldados americanos mortos, além dos mutilados e incapacitados mentalmente.

Uma candidata identificada com as políticas do “Mercado” que lucra com tensões geomilitares no Oriente Médio, a perigosa escalada militar contra a Rússia, estratégias idênticas contra a China.

Trump ganhou a eleição com os votos do americano comum que se sente vítima da chamada “era pós-industrial”, o sucateamento dos grandes cinturões industriais que viraram ferro velho como Detroit etc., dos excluídos da “reengenharia social” da globalização financeira.

O discurso chauvinista de Trump, a intolerância, a xenofobia, as ameaças contra os imigrantes, ditou o juízo do americano médio ressentido, desempregado, a casa hipotecada, sem futuro etc.

Perdeu também a grande mídia que errou em todas as pesquisas de intenções de votos ao não captar, ou não quis, a raiva de uma maioria que se fez nas urnas.

Não foi, como deseja agora a grande mídia, uma eleição entre a esquerda e a direita. Mas de uma candidata do Establishment contra um bilionário franco atirador que ateou fogo nas estruturas políticas, partidárias dos EUA.

A debacle da Nova Ordem mundial vem provocando abalos sísmicos como a saída da Grã Bretanha da União Europeia, a vitória de Trump, e ao que tudo indica a próxima eleição na França.

Enfim, há uma revolta objetiva das sociedades contra os efeitos da globalização financeira, assim como emergem novos atores mundiais. Cabe aos povos, creio, a luta pela paz, a soberania e a justiça social.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Papa condena ditadura do mercado

Matéria publicada no Vermelho:


Papa condena “internacional do dinheiro” e quer refundar a democracia

No encerramento do III Encontro Mundial dos Movimentos Populares, na tarde deste sábado (05/11) na sala Paulo VI, no Vaticano, o Papa Francisco fez um ataque assertivo ao capitalismo, e disse que o mundo está dividido entre dois projetos: “Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro.”

Ele defendeu “a destinação universal dos bens” e convocou os movimentos sociais para um projeto de “refundar as democracias” e a não se conformarem a serem “atores secundários, ou pior, a meros administradores da miséria existente”.

Francisco denunciou a “internacional do dinheiro”, usando uma expressão de 1931 de Pio XI, afirmou que os ricos governam o mundo com “o chicote do medo” e que existe um “terrorismo de base que deriva do controle global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a humanidade”, acrescentando que “o sistema é terrorista”.

O Papa comparou o tratamento que o sistema capitalista destina aos bancos daquele que é dispensado aos refugiados, que são uma emergência planetária: “O que acontece no mundo de hoje que, quando ocorre a bancarrota de um banco: imediatamente aparecem somas escandalosas para salvá-lo. Mas quando acontece esta bancarrota da humanidade não existe sequer uma milésima parte para salvar estes irmãos que sofrem tanto? E assim o Mediterrâneo transformou-se em um cemitério e não somente o Mediterrâneo…muitos cemitérios próximos aos muros, muros manchados de sangue inocente.”

Francisco retomou uma formulação de sua Exortação Apostólica Evangelii gaudium (Alegria do Evangelho), de 2013, e afirmou que “enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo e definitivamente, nenhum problema. A iniquidade é a raiz dos males sociais”.

Ao final do discurso, Francisco advertiu os movimentos sociais quanto aos riscos da corrupção, mas não tratou do tema de acordo com a lógica conservadora da mídia, do sistema judiciário, empresarial e político brasileiro. Ao contrário chamou a atenção para a instrumentalização das notícias em torno da corrupção. O Papa afirmou que “como a política não é uma questão dos “políticos”, a corrupção não é um vício exclusivo da política. Existe corrupção na política, existe corrupção nas empresas, existe corrupção nos meios de comunicação, existe corrupção nas Igrejas e existe corrupção também nas organizações sociais e nos movimentos populares. É justo dizer que existe uma corrupção radicada em alguns âmbitos da vida econômica, em particular na atividade financeira, e que é menos notícia do que a corrupção diretamente e ligada ao âmbito político e social. É justo dizer que muito vezes se utilizam os casos de corrupção com más intenções.”

Além disso, o Papa indicou a obrigação dos que “escolheram uma vida de serviço” quanto à necessidade de “viver a vocação de servir com um forte sentido de austeridade e a humildade. Isto vale para os políticos, mas vale também para os dirigentes sociais e para nós pastores.” Francisco apontou que a necessidade de uma vida austera para os líderes dos movimentos sociais não pode se confundir nunca com as políticas de supressão de direitos sociais, como acontece no Brasil hoje: “Disse ‘austeridade’. Gostaria de esclarecer a que me refiro com a palavra austeridade. Pode ser uma palavra equivocada. Austeridade moral, austeridade no modo de viver, austeridade em como levo em frente a minha vida, minha família. Austeridade moral e humana. Porque no campo mais científico, científico-econômico se quiserem, ou das ciências do mercado, austeridade é sinônimo de ajuste. E não é a isto que me refiro. Não estou falando disto.”

Participaram do encontro em Roma, delegados de movimentos populares de mais de 60 países dos cinco continentes, entre eles o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica e a líder ambientalista indiana Vandana Shiva. João Pedro Stédile, líder histórico do MST, foi um dos integrantes do grupo brasileiro.

Em sua conferência no encontro, Mujica chamou a atenção para o fato de que que apenas 32 pessoas detêm tanta riqueza quanto 300 milhões na América Latina e que a esta situação uma “concentração do poder político” com decisões dos governos “que favorecem os que acumulam”, num procasso que “desacredita os sistemas políticos e faz o povo começar a dar as costas aos sistemas políticos representativos”. O ex-presidente uruguaio afirmou que sem uma mudança cultura profunda não haverá mudanças: Não se pode construir uma cultura solidária a partir de valores capitalistas”. Veja aqui mais detalhes do discurso de Mujica ou ouça-o na íntegra.

O documento final do encontro afirma que “o sistema capitalista que governa o mundo” é o causador da crise ambiental do planeta, por não respeitar “a dignidade humana”. Um momento emocionante da leitura do documento por Edilma Mendes foi a menção a Berta Cárceres, líder ambiental hondurenha assassinada em março passado: “Queremos recordar Berta Cárceres, porta-voz de nosso primeiro encontro, assassinada por promover processos de mudanças”. Ela leu o documento final do primeiro encontro, realizado em 2014 também em Roma –o segundo, em 2015, foi em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia).

Os movimentos populares apresentaram a proposta de “um salário social universal para os trabalhadores”, propuseram que a inviolabilidade da residência familiar seja um direito também universal, condenaram a privatização da água, os transgênicos e as patentes de sementes. Os movimentos populares querem “mecanismos institucionais” que garantam sua participação nas decisões políticas e econômicas e manifestaram o desejo de “construir uma cidadania universal que derrube os muros da exclusão e da xenofobia”.

Ao final do texto com as conclusões, os líderes dos movimentos sociais de boa parte do planeta afirmaram querer “trabalhar junto com Francisco, para que estas propostas transformem-se em direitos” e incentivaram “as igrejas locais a fazerem realidade as mensagens do Papa”. Se quiser, clique aqui para ler a reportagem do site católico espanhol Religion Digital sobre o último dia do encontro. Veja aqui o site oficial do encontro, com muitos detalhes sobre tudo o que aconteceu.

Stedile apresentou um bom resumo de como o diálogo e as formulações evoluíram desde o primeiro encontro, em 20014, até o de 2016.

Todo o discurso do Papa foi vazado em termos duros contra o capitalismo e os ricos de incentivo aos movimentos populares para que tomem o destino do mundo em suas mãos.

Francisco apresentou um verdadeiro programa mínimo comum que poderia unificar os movimentos populares em todo o planeta “para caminhar em direção a uma alternativa humana diante da globalização da indiferença”: “1. Colocar a economia a serviço dos povos; 2. Construir a paz e a justiça; 3. Defender a Mãe Terra.”

A seguir, detalhou este programa que deveria se nortear pela seguinte plataforma: “trabalho digno para aqueles que são excluídos do mercado de trabalho; terra para os agricultores e as populações indígenas; moradia para as famílias sem-teto; integração humana para os bairros populares; eliminação da discriminação, da violência contra as mulheres e das novas formas de escravidão; o fim de todas as guerras, do crime organizado e da repressão; liberdade de expressão e de comunicação democrática; ciência e tecnologia a serviço dos povos.”

O Papa escutou os consensos articulados nos trabalhos durante a semana e que foram reunidos pelo projeto surgido nos últimos anos na América Latina sob o desejo do “bem viver”: “Ouvimos também como vocês se comprometeram em abraçar um projeto de vida que rejeite o consumismo e recupere a solidariedade, o amor entre nós e o respeito pela natureza como valores essenciais. É a felicidade de ‘bem viver’ aquilo que vocês reclamam, a ‘vida boa’, e não aquele ideal egoísta que enganosamente inverte as palavras e propõe a ‘bela vida’.”

O Papa fez um vínculo direto entre o governo do dinheiro e o terrorismo: “Quem governa então? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência econômica, social, cultural e militar que gera sempre mais violência em uma espiral descendente que parece não acabar nunca. Quanta dor, quanto medo! Existe – disse recentemente – existe um terrorismo de base que deriva do controle global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a humanidade. Deste terrorismo de base se alimentam os terroristas derivados como o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente chamam terrorismo étnico ou religioso. Nenhum povo, nenhuma religião é terrorista. É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas de todas as partes. Mas o terrorismo inicia quando ‘é expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher, e colocado ali o dinheiro’ (Coletiva de imprensa no voo de retorno da Viagem Apostólica à Polônia, 31 de julho de 2016). Tal sistema é terrorista.”

O Papa animou os movimentos sociais do planeta a não se deixarem paralisar pelo medo: “Nenhuma tirania, nenhuma tirania se sustenta sem explorar os nossos medos. Isso é chave. Disto o fato de que toda a tirania seja terrorista. E quando este terror, que foi semeado nas periferias são com massacres, saques, opressão e injustiça, explode nos centros com diversas formas de violência, até mesmo com atentados odiosos e covardes, os cidadãos que ainda conservam alguns direitos são tentados pela falsa segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que fecham alguns e exilam outros. Cidadãos murados, aterrorizados, de um lado; excluídos, exilados, ainda mais aterrorizados de outro. É esta a vida que Deus nosso Pai quer para os seus filhos? O medo é alimentado, manipulado… Porque o medo, além de ser um bom negócio para os mercadores das armas e da morte, nos enfraquece, nos desestabiliza, destrói as nossas defesas psicológicas e espirituais, nos anestesia diante do sofrimento dos outros e no final nos torna cruéis. Quando ouvimos que se festeja a morte de um jovem que talvez tenha errado o caminho, quando vemos que se prefere a guerra à paz, quando vemos que se difunde a xenofobia, quando constatamos que ganham terreno as propostas intolerantes; por trás desta crueldade que parece massificar-se existe o frio sopro do medo.”

E incentivou os líderes e protagonistas destes movimentos a atuarem na política em seus países, pois a ausência deles deixa terreno aberto para que “os grupos econômicos e midiáticos” dominem a cena –uma descrição quase literal do processo em curso no Brasil. “Os movimentos populares, o sei, não são partidos políticos e deixem que eu vos diga que, em grande parte, aqui está a vossa riqueza, porque vocês expressam uma forma diversa, dinâmica, e vital de participação social na vida pública. Mas não tenham medo de entrar nas grandes discussões, na Política com maiúscula”.

Também num trecho que pareceu talhado ao contexto brasileiro o Papa alertou os movimentos sociais para “o risco de deixar-se formatar e o risco de deixar-se corromper.” Para Francisco , esta “formatação” significaria os movimentos sociais relegarem-se a agendas assistencialistas nas quais “vocês são tolerados.” Quando os movimentos populares colocam-se “no terreno das grandes decisões que alguns pretendem monopolizar em pequenas castas” deixam de ser tolerados: “Assim a democracia se atrofia, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai desencarnando-se porque deixa fora o povo na sua luta cotidiana pela dignidade, na construção de seu destino.”

O Papa convocou os movimentos sociais “a refundar as democracias que estão passando por uma verdadeira crise” e não se bastarem a “a atores secundários, ou pior, a meros administradores da miséria existente. Nestes tempos de paralisias, desorientação e propostas destrutivas, a participação como protagonistas dos povos que buscam o bem comum pode vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade ou de um bem-estar egoístico e uma segurança ilusória.”

Fonte: Outras Palavras

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Soberania limitada

Meu novo artigo semanal:


Já se disse que o passado é realidade do ser humano. E que negá-lo é absurdo e ilusório, porque ele é o natural do homem ou da mulher que sempre volta a galope, já que ele não se deu ao trabalho de existir para ser negado, mas para ser integrado na História dos indivíduos e da humanidade.

O jornalista norte-americano Edward Bernays é considerado o inventor da propaganda moderna, lá pelos idos da década de 20 do século passado. Sua principal formulação é exatamente a ideia da Engenharia do Consenso, que consiste em articular consensos para efeito de controlar a opinião pública para os objetivos que se deseja, sem que as pessoas saibam que estão sendo dirigidas.

Para ele esse seria o verdadeiro poder governante na sociedade, e o chamou de Governo Invisível. Com certeza esse não é o verdadeiro poder das sociedades mas, seguramente, o tal poder invisível existe a serviço dos processos hegemônicos, a exemplo da atual globalização do capital financeiro em escala planetária, do seu monopólio ideológico e propagandístico.

A correia de transmissão para o exercício dessa poderosa força de persuasão e controle social, em escala mundial, é sem dúvida a grande mídia monopolista que já não mais atua como veículo de informação, mesmo que parcial, ou de classes.

Ela tem sido a força política hegemônica na grande maioria das nações. Não necessariamente um centro de poder legal, mas o que determina os rumos, destrói os pactos políticos, sociais, gestados nas sociedades. Impõe assim a ditadura do pensamento único de acordo com os interesses do Mercado financeiro, que formatou uma espécie de governança mundial a seu serviço.

Assim como há um esforço de desconstrução das referências Históricas na tentativa de promover uma espécie de “presente contínuo”, sem passado ou futuro, em meio às novas gerações que surgiram sob a égide do Mercado financeiro global.

Um dos objetivos do “Mercado” é impor aos povos a ideia da soberania limitada. A abdicação da soberania efetiva das nações, autodeterminação, território e riquezas.

A grave crise em que o País mergulhou tem como uma das suas principais vertentes a geopolítica da soberania limitada. Que precisa ser enfrentada através de uma ampla frente política, em defesa de um projeto de desenvolvimento econômico soberano, de justiça social.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A “primavera” brasileira

Meu novo artigo semanal:


Em seu livro A Desordem Mundial o cientista político, historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira traz reflexões sobre a realidade nacional e o contexto geopolítico mundial.

Lembrando Rui Barbosa na Assembleia internacional de Haia em 1907, Bandeira alerta que a soberania é a grande muralha da pátria. Mais adiante cita Eduardo Prado: não se toma a sério a lei das nações senão entre as potências cujas forças se equilibram.

Tal lição, diz ele, devia pautar a Defesa do Brasil sobretudo quando os Estados Unidos ampliavam e instalavam bases militares na Colômbia, penetrando na Amazônia, e a IV Frota norte-americana navegava no Atlântico Sul à margem das enormes jazidas de petróleo do pré-sal, em águas profundas, entre a costa do Espírito Santo e Santa Catarina. Essas descobertas inseriram definitivamente o País no mapa geopolítico das jazidas mundiais do petróleo.

Assim os violentos conflitos globais que vemos diariamente através da grande mídia tem duas razões primordiais: movimentos estratégicos geomilitares e a disputa energética pelo domínio dessas jazidas de petróleo.

O atual golpe no País, que tem em sua gênese tais motivações, começou com as manifestações de 2013, no modelo desenhado por Gene Sharp divulgado pela CIA, financiadas pelas fundações de George Soros, USAID e National Endowment for Democracy.

Com a crise institucional, agravada nesta semana, insuflada pela grande mídia, o Mercado Financeiro, os interesses geopolíticos globais e nativos agindo na criminalização da vida política, o governo Temer, equilibrando-se sobre labaredas que já o alcançam, revela que é mera conexão de gestão perfilada in totum com a política do capital financeiro mundial.

Constituiu-se igualmente uma fragmentação na sociedade onde todos são contra qualquer um, e qualquer um contra todos, o ódio difuso viralizado, a desinformação geral, a autoestima do brasileiro rebaixada. Nada disso é espontâneo. Trata-se de modelo aplicado em vários Países, como a “Primavera Árabe” etc.

O Brasil, que já sobreviveu a tempestades mais dramáticas, com certeza sairá dessa mais revigorado, com o espírito democrático do seu povo fortalecido, a soberania resguardada, um projeto de desenvolvimento estratégico com suas próprias características, potencialidades de nação continental e solidária.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A desordem mundial

Entrevista à Carta Maior do historiador e cientista político Moniz Bandeira, publicada no blog de Luciano Siqueira:


Geopolítica e Brasil

Falsa democracia é produto de exportação americano

Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Moniz Bandeira fala sobre a geopolítica internacional e suas influências na política interna brasileira.

Léa Maria Aarão Reis, Carta Maior

Há cerca de duas semanas chegou às livrarias o novo livro do professor Luiz Alberto Moniz Bandeira, A Desordem Mundial (Ed. Civilização Brasileira/ 642 páginas), historiador e cientista social e segundo o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães “o mais importante especialista brasileiro e latino-americano em política internacional.” Este trabalho fecha a sua trilogia constituída de Formação do Império Americano e A Segunda Guerra Fria, frutos de exaustiva pesquisa e formidável e incontestável documentação onde o professor aposentado da Universidade de Brasília e universidades da Alemanha, Suécia, Portugal e Argentina aprofunda o “fio condutor que atravessa a sua obra de ponta a ponta: o antiimperialismo ocidental e, em particular, americano,” como a ela se refere o pesquisador Michael Löwy na apresentação do trabalho.

Em A Desordem Mundial, livro de referência onde é narrada a saga dramática da geopolítica atual – e da humanidade -, é aprofundada a descrição dos métodos da exportação de fake democracie pelos Estados Unidos (democracia militar governada pelo poder aninhado em Wall Street, como registra o historiador); o seu objetivo de total dominação num mundo unipolar com as guerras por procuração (as proxy wars); o ressurgimento notável da Rússia como potência militar e diplomática, e os processos de desestabilização de governos mais vulneráveis ou que contrariam frontalmente seus interesses econômicos (o regime change) como é analisado, na Ucrânia e na Síria.

Algumas observações de Moniz Bandeira tais como “a corrupção é inerente à república presidencialista inspirada no modelo americano” ou "quem fala de teoria de conspiração é ignorante” estão na entrevista que ele concedeu a Carta Maior por email, do escritório de sua residência, em Heidelberg, na Alemanha, onde vive há 20 anos com a mulher, Margot, e o filho, Egas.

Nela, ele faz observações também sobre o golpe no Brasil, programado de fora do país: ”Ele ainda está se consumando.”

Carta Maior – Em quanto tempo escreveu A desordem mundial que fecha uma trilogia com Formação do Império Americano e A Segunda Guerra Fria?

Há muitas décadas, desde os meus 20 anos, acompanho e estudo os Estados Unidos, sua formação, política internacional e relações com o Brasil e demais países da América Latina, tais como os da Bacia do Prata, Chile, Cuba etc. Formação do Império Americano, essencialmente uma trilogia com A Segunda Guerra Fria e A Desordem Mundial, comecei a escrever em 2008, quando os embaixadores Jerônimo Moscardo, presidente da Fundação Alexandre de Gusmão, e Carlos Henrique Cardim, diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) me convidaram para escrever um ensaio sobre a geopolítica e a dimensão estratégica dos Estados Unidos a fim de apresentá-lo na III Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional, no Rio de Janeiro em 29 de setembro de 2008. Depois de 2010, com a evolução dos acontecimentos internacionais, econômicos e políticos, conversei com meu querido editor, Sérgio Machado, proprietário da Record/Civilização, e com o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, meu particular amigo, e ambos me estimularam a desenvolver o ensaio e transformá-lo em uma obra com o título A Segunda Guerra Fria. A história é movimento, é um contínuo devenir, a cada instante, como as nuvens no céu, ela toma formato diverso e a partir daí me vi na contingência de escrever outro livro, A Desordem Mundial, lançado agora.

CM – Entre os 24 capítulos de A Desordem Mundial dez deles são dedicados ao golpe na Ucrânia. Terá sido este o primeiro grande evento geopolítico recente a ser identificado, do ponto de vista histórico, como marco de uma ruptura que sinaliza um perigoso mundo do futuro?

A Ucrânia e a Síria são dois teatros de guerra em que os Estados Unidos estão atolados e, virtualmente, derrotados. Apesar do aguçamento das tensões, um cenário que muitos analistas consideram talvez mais grave do que a crise dos mísseis instalado em Cuba em 1962, não creio que elas esquentem ao ponto de levar os Estados Unidos e a Rússia a um confronto armado direto. Não creio que os falcões de Washington se arrisquem a tanto. Seria a destruição mútua de ambas as potências. A guerra fria, no entanto, deve prosseguir de uma forma ou de outra porque constitui uma necessidade econômica dos Estados Unidos. Os lucros e as comissões que a indústria bélica e sua cadeia produtiva proporcionam, os empregos e a receita de que vários Estados do sun-belt(Califórnia e outros) dependem, bem como os orçamentos do Pentágono, da CIA e demais órgãos de segurança, todos necessitam da criação de ameaças tais como a Rússia etc.

CM - Embora imperialistas por um lado, e colonizados, por outro, digam que o ''avesso'' da falsa realidade que o senhor apresenta, é “teoria de conspiração'', começa o acesso massivo a fatos reais - como o célebre ''Fuck EU'' da embaixadora americana Victoria Nuland, que vazou, dois anos atrás, no início do golpe na Ucrânia, quando ela falava ao telefone. Acha que Snowden e Assange, Greenwald, Jeremy Scahill e outros jornalistas independentes como Robert Fisk estão abrindo caminho para contrapor os fatos à propaganda das agências?

Como historiador e cientista político, a fim de reconstituir os acontecimentos, sempre tratei de ouvir a todos, cruzar e confrontar todas as informações de modo a confirmar e ajustar os fatos ao que foi e é plausível, e assim acrescentar e/ou corrigir algumas informações e, outras, aprofundá-las. Decerto temos que conhecer a história em todas as múltiplas dimensões nas quais ela se desenvolve e evolui, e aprender os seus ensinamentos. Falar simplesmente em ‘’teoria da conspiração’’ é manifestação de desconhecimento e ignorância. Nada ocorre, nem um acidente de automóvel, sem causas; seja por falha mecânica, descuido do motorista ou outras. E assim é na história. Quem pode dizer, diante de tantos documentos revelados sobre a Operação Brother Sam, que o golpe contra o governo do presidente João Goulart não foi articulado a partir dos Estados Unidos (CIA, DIA etc.), embora uma parte do exército brasileiro o executasse? Lincoln Gordon, embaixador dos Estados Unidos no Brasil, em 1964, quando me deu uma entrevista em Washington, alguns anos depois, disse-me, com o maior cinismo, que “nenhum americano participou do golpe contra Goulart”. Eu respondi, prontamente: “Claro, não estavam à frente. Com o senhor, os americanos estavam por trás, manejando os cordéis”. A diretriz dos Estados Unidos sempre foi produzir acontecimentos de tal modo que pudessem negar sua responsabilidade: “plausible deniability”.

CM - Com a ameaça cada vez mais agressiva dos EUA de romperem a aliança com a Rússia na guerra da Síria haverá certamente o perigo de uma guerra "total" no Oriente, como advertiu a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores russa há pouco? Ou se trata de mais uma bravata neste complexo jogo de xadrez?

Como já disse, não creio (embora tudo seja possível) que as duas grandes potências – Rússia e Estados Unidos – cheguem a um confronto armado direto. Os Estados Unidos estão chafurdados na Ucrânia e na Síria. Mas não me parece viável que o presidente Obama, os falcões do Pentágono e da CIA, Hillary Clinton et caterva arrisquem uma guerra nuclear para dominar esses dois países e manter a hegemonia dos Estados Unidos. Sabem perfeitamente que, ao fim do conflito, nada dominarão. A Rússia, ainda que devastada, tem igualmente condições de tornar os Estados Unidos a pó de urânio.

CM – Na sua visão, caminhamos na direção de um mundo ainda mais inseguro e caótico?

Não sou pessimista a esse ponto. A evolução recente dos acontecimentos internacionais indica que os Estados Unidos, conquanto ainda possam prevalecer durante várias décadas, durante o século XXI, não conseguirão manter um mundo unipolar. A Rússia interveio na guerra da Ossetia contra a Geórgia, em 2008, e Washington nada pôde fazer senão protestos e ameaças que não podiam nem puderam concretizar. A Rússia, ao intervir na Síria e impedir a derrubada do regime de Bashar al-Assad, mudou o curso da guerra e mais uma vez se impôs como ator global, mostrando que os Estados Unidos não podem impor unilateralmente sua vontade, seus caprichos. A China, por outro lado, fundou o Banco Asiático de Investimento e Infra - estrutura e outras entidades financeiras, confrontando o Banco Mundial, o FMI e o predomínio do dólar como principal moeda de reserva mundial. E os interesses econômicos e geopolíticos da Rússia e da China confluem, convergem e obstaculizam a hegemonia dos Estados Unidos, criando as condições para um mundo multipolar. Como escreveu o grande poeta francês Louis Aragon “Qui vivra verra”.

CM - O Brasil, pela sua posição estratégica, reservas de óleo e dimensão continental, é um key country como a Turquia?

Não se pode afirmar que a tentativa de golpe contra o governo da Turquia foi organizada pelo governo do presidente Obama. Havia condições internas para um levante militar devido a graves contradições políticas e religiosas. Grande parte da população da Turquia, inclusive das Forças Armadas, não aceita uma espécie de califado, um regime islâmico conforme se supõe e se acusa o presidente Recep Tayyip Erdogan de pretender restaurar. De qualquer forma, a história deu uma volta. A Turquia, membro da OTAN, pendeu para uma aliança com Moscou com o qual havia entrado em grave atrito, ao derrubar, dentro da fronteira da Síria, o avião-bombardeiro Suchoi Su-24. Mas o Brasil não é um país chave, um pivot country, por causa do petróleo pré-sal. O Brasil, depois dos Estados Unidos, é a maior massa demográfica, a maior massa geográfica com fronteira com todos os países da América do Sul, exceto Chile e Equador, a maior massa econômica do hemisfério. Não sem razão o presidente Richard Nixon declarou, durante a visita do general Emílio Garrastazu Médici a Washington, que “para onde for o Brasil irá toda a América Latina”. O grande jurista brasileiro Rui Barbosa, ao defender o princípio da igualdade entre os Estados, na Assembléia de Haia, em 1907, combateu firmemente o projeto dos Estados Unidos para a criação de uma Corte Permanente de Arbitragem, que privilegiava as grandes potências em detrimento dos países mais fracos. E ao defender a igualdade dos Estados soberanos, proclamou que “la souveraineté est la grande muraille de la patrie’’. Citei-o no discurso que pronunciei, ao receber em 2009, o título de Dr. h.c. da UFBA, em Salvador. Conforme o próprio Rui Barbosa, observou, reproduzindo Eduardo Prado, não se toma a sério a lei das nações, senão entre as potências cujas forças se equilibram. Esta lição devia pautar a estratégia de segurança e defesa do Brasil, sobretudo quando os Estados Unidos ampliavam e instalavam outras bases militares na Colômbia, penetrando a Amazônia, e a IV Frota navegava no Atlântico Sul, à margem das enormes jazidas de petróleo descobertas nas camadas pré-sal, em águas profundas, entre a costa do Espírito Santo e Santa Catarina. Tais descobertas, ao longo da costa, inseriram o Brasil no mapa geopolítico do petróleo, eu disse na época, acrescentando que as ameaças existiam conquanto pudessem parecer remotas. E adverti que o perigo representado por uma grande potência, tecnologicamente superior, mas com enormes carências, sobretudo de energia, pode ser muito maior quando ela está perdendo a preeminência, e quer mantê-la, do que quando expande o seu império.

CM – Quais as providências que o Brasil deveria ter tomado?

O Brasil devia estar preparado para enfrentar, no mar e em terra, os imensos desafios que se configuram, no século XXI, a “era dos gigantes”, como o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães a denominou, na qual os grandes espaços econômicos e geopolíticos serão os principais atores da política internacional. Si vis pacem, para bellum. Ou seja: Se queres a paz, prepara-te para a guerra.

CM - No livro, o senhor diz que a mídia corporativa "nem sempre é confiável". Quando ela é confiável?

Os jornais, rádios e televisões são confiáveis quando noticiam fatos que podemos comprovar e não informações plantadas por agentes dos serviços de inteligência. Daí é necessário – como faço – verificar todas as fontes, cruzá-las e analisar a sua plausibilidade. Quando jovem, eu trabalhei na imprensa; e como cientista político fui professor de comunicação política na PUC/RJ. Conheço relativamente bem – dado que estudo o tema há muitas décadas - como ocorre o processo de infiltração dos jornais e agências de notícias pela CIA e outros serviços de inteligência, e promovem as psy-ops, a guerra da desinformação e contra-informação, agora também desenvolvida através das mídias sociais.

CM – Sua observação: a "democracia imposta pela força nunca seria democracia, mas uma fake democracie,”se referindo à suposta democracia americana tendo em vista o domínio do capital financeiro e das grandes corporações industriais. Hoje, no Brasil, temos uma falsa democracia com o mesmo objetivo (alcançado). Trata-se do novo modelo exportado pelos EUA?

Sim, esse é o modelo de democracia que os Estados Unidos tratam de exportar, juntamente com o livre mercado, liberdade cambial e comércio multilateral, condições necessárias para o predomínio do grande capital financeiro, mais e mais internacionalizado. Mas os Estados Unidos são um país muito contraditório, devido às suas origens revolucionárias. Segundo as palavras de Karl Marx, “die größerenKapitaleschlagendaher die kleineren” (os grandes capitais esmagam os pequenos), uma vez que a concorrência se acirra em relação direta com o número e em relação inversa à grandeza dos capitais, que rivaliza e termina sempre com a derrota dos pequenos capitalistas cujas empresas ou afundam, quebram ou passam para as mãos dos vencedores, gerando o monopólio. É o bellum omnium contra omnes, de Thomas Hobbes - a lei da selva, o darwinismo econômico, social e político. O mercado, no qual os capitalistas fazem a conversão monetária do excedente econômico, sempre foi o campo de batalha onde somente os mais aptos, os mais fortes, podem sobreviver.

CM- A partir do golpe parlamentar/jurídico/midiático no Brasil, nós vivemos o processo de passar de um regime democrático para outro, oligárquico e sob a ‘’ditadura do capital financeiro’’, segundo o professor Bresser Pereira. O que o senhor diz a respeito?

Em cada país o processo de mutazione dello stato é diferente. O golpe, desfechado via Congresso-judiciário-mídia ainda não se completou. A situação ainda é muito instável e volúvel. Além de fatores internos muito depende como a política internacional vai evoluir com a eleição nos Estados Unidos. De um modo ou de outro, a corrupção é inerente à república presidencialista, inspirada no modelo americano; o governo instituído com a derrubada da presidente Dilma Rousseff está essencialmente apodrecido e a perspectiva econômica, caso sejam implementadas as medidas neoliberais que pretende implantar, é de profunda recessão. Os capitais estrangeiros jamais afluíriam para um país onde não podem obter lucros.

CM - No passado, sempre se tentou baixar medidas ultra recessivas aqui.

O marechal Humberto Castelo Branco, ao assumir o governo após o golpe de 1964, pretendeu também empreender iniciativas neoliberais almejando inclusive a privatização das empresas do Estado, mas teve de recuar e fazer massivos investimentos públicos a fim de recuperar a economia da recessão em que lançara o Brasil. Daí a ascensão ao governo do general Artur da Costa e Silva com uma política de desenvolvimento. A predominância dos interesses do capital financeiro, de um modo ou de outro, nunca deixou de existir, no Brasil.

CM - Mas em décadas recentes esta situação tendeu a mudar.

Sob o presidente Lula, o Brasil deu uma inflexão em sua política exterior no sentido de maior estreitamento das relações com a China e a Rússia e conquista dos mercados da América do Sul e África. Além do mais, reativou a indústria bélica com a construção do submarino atômico e outros convencionais, em conexão com a França, a compra dos helicópteros da Rússia e dos jatos da Suécia, países que aceitaram transferir a tecnologia, o que os Estados Unidos não fazem. Esses e outros fatores, como a exploração do petróleo pré-sal sob o controle da Petrobrás, dentro de um contexto em que os Estados Unidos deflagraram outra guerra fria contra a Rússia, concorrem para que interesses estrangeiros aliados a expressivo setor empresariado brasileiro promovessem, sorrateiramente, um golpe, conjugando a mídia, o judiciário e o Congresso, no estilo das “revoluções coloridas”.

CM – Seguindo a receita do manual de autoria do americano Gene Sharp?

Sim; conforme recomendado pelo professor Gene Sharp. Para ele, a luta não violenta é mais complexa e travada por vários meios, como a guerra psicológica, social, econômica e política, aplicados pela população e pelas instituições da sociedade. Esse processo ocorreu, de uma forma ou de outra, nos países da antiga União Soviética, como a Ucrânia. Nos países do Oriente Médio, não teve maior êxito, dado que a chamada “primavera árabe” resultou em guerras, terror, caos e catástrofes humanitárias. Esse, o panorama internacional que tratei de explicar em A Segunda Guerra Fria, publicado também em alemão (Der ZweiteWeltKrieg) pela editora Springer e, brevemente, em inglês, assim como em A desordem Mundial.

CM- E o suporte do governo americano e das ONGs conexas – de Soros, por exemplo -, proporcionados ao Instituto Millenium, ao grupo MBL etc. no golpe daqui?

Sim, o ataque ao Brasil não veio de fora. Partiu de dentro do seu próprio ventre. Repetiu-se o que o grande presidente Getúlio Vargas denunciou em 1954: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho”. Daí o golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff. A campanha começou com as demonstrações de protesto, em 2013, na modalidade desenhada pelo professor Gene Sharp, no seu manual Da Ditadura à Democracia traduzido para 24 idiomas e distribuído pela CIA e pelas ONGs financiadas ocultamente pelas fundações de George Soros, USAID e National Endowment for Democracy, dos Estados Unidos.

CM -"A mudança de poder no Brasil não podia ser realizada sem uma intervenção externa", disse há pouco, o senador Konstantin Kosachev, presidente do Conselho Internacional da Federação Russa. Para ele, uma das causas do regime change no Brasil foi a política soberana e independente que o país vinha desenvolvendo nos últimos anos e a disputa por recursos energéticos. Palavras ignoradas por Washington e pela velha mídia daqui.

Essa declaração, Washington ignorou. O governo instituído no Brasil, também. A mídia, idem. Porém, ninguém duvida que sem dinheiro de fora e de dentro - de parte do empresariado nacional - escorrendo, sub-repticiamente, por debaixo do pano e da mesa, para contas nos paraísos fiscais, o golpe via parlamentar, impulsionado pela mídia e pelo judiciário, não se efetivaria, não obstante as condições e circunstâncias geradas dentro da república presidencialista, cuja essência, no Brasil como nos demais países da América Latina, bem como nos Estados Unidos, é a corrupção.

CM - Na sua visão, o século XXI será (ou já é) o século chinês?

É possível. Mas não será unipolar. Os Estados Unidos ainda serão por muitas décadas o principal ator. E a Rússia, como Phœnix, ressurgiu dos escombros da União Soviética e demonstrou que continua uma superpotência e pode deter e conter a ditadura global, isto é, a ditadura do capital financeiro que os Estados Unidos intentam implantar com o rótulo de exportação da democracia.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Horizontes

Meu novo artigo semanal:


Um conhecido homem-show da mídia monopolista é transformado, via televisão a cabo, numa espécie de porta-voz dos rumos do pensamento intelectual brasileiro, na literatura, artes, na análise Histórica do País.

O seu papel não é o da investigação cultural sobre o contínuo Histórico nacional, mas o contrário, a sua desconstrução absoluta.

Não é novidade. A linha adotada há algumas décadas, através de uma agenda global, de temas pseudocientíficos, vem sendo aplicada seja no Brasil, na gélida Dinamarca, ou na pachorrenta Suíça dos relógios de precisão, pioneira dos paraísos fiscais, as contas secretas dos bancos suíços.

O Mercado rentista atingiu dimensão de hegemonia absoluta. Tornou-se imperioso para ele contrapor às identidades dos povos, às suas culturas, formação, um conjunto de ideias conhecidas como a ditadura global do pensamento único.

Não foi o proletariado de todo mundo que se uniu, como advogava Marx em sua visão de superação da exploração brutal do capitalismo sobre as sociedades e os indivíduos, mas o seu oposto, o capital que assumiu uma forma superior, demoníaca, violenta, mais destruidora.

A atual revolução tecnológica, a serviço do Mercado global, monitorada pelo império do Norte, e a seu dispor, não tem levado as sociedades ao raciocínio crítico, ao contrário, as conduz a uma espécie de Idade Média digital, onde avultam tempestades difusas de ódio pandêmico.

Mas o legado filosófico, econômico, cultural e humanista de Marx continua, dialeticamente, atual, porque a globalização, a Nova Ordem Mundial, vem conduzindo os povos à catástrofe, ao pântano.

Em pleno século XXI o mundo jamais presenciou tantas guerras de rapina, atrocidades, milhões de refugiados, afogados nos mares que banham a Europa. Uma acumulação de riquezas em ínfimas mãos sem precedentes, miséria galopante, as liberdades conspurcadas.

A perda dos direitos dos assalariados, um retrocesso mundial, inclusive no Brasil, vejam a PEC 241, as nações sob graves ameaças, como é o nosso caso com o petróleo, a Amazônia, e muitas outras riquezas num País continental.

Por isso a centralidade da questão nacional, a defesa do Brasil, do Estado nação, de um projeto estratégico de desenvolvimento soberano que unifique amplas maiorias do povo brasileiro, impõe-se como uma necessidade objetiva, incontornável.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Paraíso rentista

Meu novo artigo semanal:


Alguém já disse, não me lembro do autor, que a direita, a direita mesmo convicta e xenófoba, é e sempre foi minoritária no Brasil. Que só cresce quando uma conjunção de fatores lhe é extremamente favorável aos movimentos conspiratórios que é uma característica dela em nossa História política republicana.

É só ver o exemplo de Carlos Lacerda, um dos maiores articuladores de golpes do País. Procurou derrubar Getúlio Vargas diuturnamente, assim como Juscelino, João Goulart, Brizola etc.

Lacerda tinha um eleitorado cativo, seguidores fiéis, quase fanáticos, mas restrito, nunca conseguiu sequer lançar-se candidato à presidência da República. Terminou sua carreira política cassado junto com, ironia do destino, aqueles que ajudou a perseguir implacavelmente.

Já se disse também que aquele que não procura conhecer os fatos históricos está condenado a repeti-los, principalmente hoje em que a apologia da ideia do “presente contínuo”, propagado através da hegemonia do discurso ideológico da Nova Ordem mundial, passou a ser uma “verdade” conceitual imposta às novas gerações.

O tremendo retrocesso que atinge multilateralmente o Brasil vem sendo conduzido através de algumas forças que podemos afirmar como vanguardas do atraso, ou melhor, vanguardas do Mercado financeiro global, que procura avançar contra o País como um furacão de categoria máxima.

A ofensiva do Mercado financeiro não é recente, vem de décadas. Sempre buscou constituir uma espécie de ditadura do pensamento único seja na política, na cultura, em um arcabouço ideológico maciço.

Para que pudesse atingir tamanha força tem sido decisivo o papel da mídia monopolista nativa, absolutamente associada ao capital financeiro, porta voz dos seus interesses econômicos e políticos.

A ofensiva especulativa assoma na PEC 241 da paralisia nos investimentos públicos. Como disse André Araújo: o que interessa ao Brasil é o investimento produtivo para gerar novos empregos, oportunidades, negócios e não aquele puramente financeiro onde o investidor toma dólar a 1% ao ano em Nova York e aplica aqui a juros reais de 7% ao ano em títulos da dívida pública.

O ajuste fiscal vai produzir mais recessão, menos renda, e o paraíso do rentismo especulativo no País. O rumo do Brasil é outro. É o do desenvolvimento soberano, da justiça social.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Projeto de nação

Meu novo artigo semanal:


Desde o tempo do império há no Brasil, em meio a um caleidoscópio de correntes políticas, duas visões antagônicas sobre como se conduzir a um rumo de superação dos atrasos da sociedade brasileira: uma delas baseia-se no Estado como instrumento e indutor de um projeto de desenvolvimento do País, para reverter nossas distâncias junto à comunidade das nações mais ricas.

A outra visão lastreia-se exatamente no seu oposto: o Estado seria o adversário que sufoca a sociedade civil, o promotor da corrupção nativa, mentor do autoritarismo, que impede o pleno crescimento dos setores do empresariado, da indústria, comércio ou agricultura etc.

Nessa segunda linha de pensamento encontram-se hoje os representantes da fina flor do novo liberalismo brasileiro que rejeitam vigorosamente qualquer projeto de desenvolvimento do País, negam o protagonismo da política como motor da participação dos trabalhadores, e da sociedade em geral, nos rumos da nação.

Para esses a própria sociedade civil é um conceito excludente das grandes maiorias sociais, que a reduz a extratos “designados” das elites, das corporações profissionais, sempre associadas à grande mídia hegemônica que já não informa, mesmo a informação parcial, promove um discurso retrógrado, reacionário, antinacional.

Essa grande mídia, associada à Nova Ordem mundial, advoga abertamente a subordinação do Brasil ao status quo das suas atuais vicissitudes estruturais na economia, no estancamento, ou mesmo regressão do processo de uma industrialização competitiva a nível internacional, do investimento pesado em infraestrutura etc.

Assim como a privatização de setores estratégicos essenciais ao alavancamento do desenvolvimento, perda de conquistas trabalhistas históricas arduamente adquiridas ao longo dos tempos. Para tanto priorizam criminalizar gravemente a própria atividade política em si, restringindo-a ao mínimo possível para mantê-la sob estrito controle.

O Brasil que emergiu recentemente das urnas, já no primeiro turno, expõe todo esse objetivo danoso. Mas aponta igualmente para a necessidade de amplos setores da sociedade promoverem na atividade política uma nova espécie de Estadismo que reúna as grandes maiorias em torno de um caminho de desenvolvimento estratégico, soberano, das conquistas sociais, um projeto de nação.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A política do caos

Meu novo artigo semanal:


O que vemos no Brasil atual é o aprofundamento das políticas de mundialização do capital financeiro sobre os Estados soberanos, contra as históricas conquistas trabalhistas adquiridas através de muita luta, suor, sangue mesmo, desde o final da 2a Grande Guerra Mundial.

Trata-se de um processo demolidor das sociedades erigidas nesses últimos 71 anos, com todas as suas virtudes, e seus inumeráveis defeitos, em vários aspectos: político, cultural, ideológico, econômico etc.

A globalização financeira e parasitária vem se dando em etapas, não de maneira planejada mas via sofreguidão acumulativa do capital fora do processo produtivo, para que não fique pedra sobre pedra da sociedade contemporânea.

Na medida em que as manifestações de resistências sociais, dos povos e nações, são postas na defensiva através de uma hegemonia política totalitária, onde joga papel preponderante a grande mídia globalizada associada ao rentismo, aí a Nova Ordem mundial avança como uma retroescavadeira destruindo o tecido das sociedades.

Sob o falso discurso de uma era sem fronteiras, do cidadão global, de uma única sociedade mundial, destrói-se não só a identidade cultural, antropológica das sociedades, mas a condição das nações serem protagonistas dos seus próprios destinos, submetendo-as a um total desnorteamento.

Em recente artigo os economistas Luís Gonzaga Belluzzo e Galípolo indicam que pela primeira vez a renda dos 1% dos mais abastados do planeta equivale à de 99% da população. Esse é o destino da sociedade a que a globalização da Nova Ordem mundial conduz.

Dizem os economistas: “pretendem a rejeição ao outro, a reputação das causas do mal aos que não são iguais, incitam o ódio de classe, gênero, raça, religião pelos quatro cantos do globo... onde se manejam, através da política e da mídia, a técnica das oposições binárias que se esparramam nas modernas interações das redes sociais, tentam sustar a articulação do movimento de grupos sociais heterogêneos em uma grande coalizão progressista (e patriótica), onde decisões sejam permeadas por instâncias democráticas”.

É uma estratégia do retorno ao poder das forças neoliberais ortodoxas pela via totalitária do pensamento único, a criminalização da política. Cabe-nos a luta em defesa do progresso social e da nação sob graves ameaças.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Encruzilhada

Meu novo artigo semanal:


O viciado processo de impedimento, e a deposição da presidente Dilma Rousseff, incorporam-se na conturbada História da tradição política republicana brasileira, incluindo o período posterior à promulgação da Constituição de 1988.

Após a debacle da União Soviética e a hegemonia unipolar dos Estados Unidos assistimos a uma destruição das conquistas sociais sem precedentes na História contemporânea, uma infinidade de guerras de rapina até os dias atuais e uma brutal tragédia humanitária.

Junto à onipresença imperial norte-americana alavancou-se o domínio global do Mercado financeiro em todas as esferas: política, cultural, ideológica e econômica.

Com tal hegemonia ascendeu uma espécie de Governança mundial apoiada em instituições internacionais que, ou foram capturadas com vistas aos objetivos hegemônicos dos EUA, da globalização financeira, ou foram criadas para tal fim.

Uma das metas da Nova Ordem neoliberal factualmente inaugurada pela ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, o presidente americano Ronald Reagan, um obscuro astro de filmes B de Hollywood, foi a afirmação estratégica anglo-americana, a consolidação da “santa aliança” do capital rentista com os novos centuriões do século XXI.

Incluindo a alienação financeira dos Estados soberanos como questão central aos atuais “donos” do mundo, com enormes resistências sociais dos segmentos agrupados na defesa da soberania dos povos, das nações. Em resumo, é o que está em curso no Brasil.

Mas o surgimento dos BRICS, da China como nova potência econômica, financeira global, da Rússia como protagonista militar, econômica, de recursos naturais decisivos como o petróleo, o gás que abastece a Europa, passa a exigir outra ordem global multilateral, uma tendência irreversível.

Não é possível entender a dramática conjuntura nacional sem ligar os fios que a prendem ao cenário mundial do domínio do capital financeiro, dos interesses geopolíticos dos EUA. Daí o papel da grande mídia que impõe a agenda política do País.

Por isso o Brasil necessita de um projeto de desenvolvimento estratégico, da união de largas correntes da sociedade em torno de outro rumo político, democrático e soberano. Que reafirme a sua integridade e protagonismo, a condição de ser uma nação solidária num cenário global profundamente tormentoso.

Luciano Siqueira: Prevalece a multiplicidade de alianças

Do blog do Luciano Siqueira, seu texto publicado no Vermelho e no blog de Jamildo:

Caleidoscópio partidário



O jornal O Globo publicou um infográfico em que exibe a imensa multiplicidade de alianças partidárias celebradas para o pleito do próximo dia 2.

Embora dois partidos – o PCdoB e o PT – acumulem maior número de alianças entre si, todos os demais integram coligações das quais participam praticamente todas as agremiações legalmente constituídas.

O PCdoB, vacinado contra a rigidez tática e o sectarismo, atento à natureza eminentemente local do pleito, exerce o máximo de amplitude e de flexibilidade, preservando, entretanto, em cada coligação de que participa, sua identidade, suas convicções teóricas e suas opiniões políticas sobre a questão nacional, respeitando as dos aliados.

A convergência se dá em torno de programas para as cidades.

É o óleo na água, como costumam dizer os comunistas: juntos, mas não diluídos entre si, cada um no seu quadrado, plenamente identificáveis.

Mesmo o PT, que anunciou diretiva nacional proibitiva de alianças com partidos cujos parlamentares votaram a favor do impeachment, em inúmeras situações se fez flexível. Caso do Recife e Olinda, onde faz aliança prioritária com o PRB, que votou fechado pelo afastamento da presidenta Dilma; de Salgueiro, onde apóia chapa composta pelo PMDB e pelo DEM e Caruaru, onde apoia o candidato do PSB e assim por diante.

Nada de errado. Diretrizes esquemáticas e rígidas não casam com a realidade. A imensa diversificação política e cultural que marca a sociedade brasileira, que impacta a fisionomia da quase totalidade dos partidos, tem seu ápice nas eleições municipais.

Poderia ser diferente? Certamente sim – desde que uma reforma política de sentido essencialmente democratizante, e não restritivo, viesse a adotar o sistema de listas preordenadas pelos partidos para a disputa das casas legislativas. Esse dispositivo, por si mesmo, contribuiria de modo determinante para a necessária triagem via voto popular, fazendo desaparecer naturalmente legendas que não ultrapassam limites cartoriais.

De outra parte, a sempre reincidente proposta de adoção de cláusula de barreira, restritiva da presença no Parlamento de partidos eventualmente situados como minoritários, faria uma triagem impositiva, antidemocrática.

A questão vem sempre à tona no curso dos episódios eleitorais e permanece hibernada nos interregnos.

Agora que o país atravessa período marcado pela regressão política e institucional, vem sendo abordada em paralelo às campanhas eleitorais, como que preparando o ambiente para mais um golpe nos processos democráticos.

De toda sorte, tão logo se encerrem as eleições municipais, às forças do campo democrático cumpre incluir o tema na agenda da resistência.

Belluzzo e Galípolo: A economia em guerra com a sociedade

Do Vermelho, texto de Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, publicado na Carta Capital:


O absolutismo financeiro encaminha o conflito civil global e orienta todas as suas polarizações.

A ascensão dos investimentos transfronteiriços nas décadas recentes não configura a primeira explosão significativa da globalização financeira. O estudo Financial Globalization: Retreat or reset, do McKinsey Global Institute, publicado em 2013, confirma que a Segunda Revolução Industrial coincide com uma nova era da mobilidade de capitais, que se estendeu, aproximadamente, de 1860 a 1915, quando os ativos de investimentos estrangeiros globais alcançaram 55% do porcentual do Produto Interno Bruto de uma amostra significativa de países.

A participação dos ativos estrangeiros globais sofreu uma queda acentuada no período que compreende as duas grandes guerras mundiais e a Grande Depressão, voltando a atingir seu pico histórico apenas no início dos anos 1990. Recentemente, tais ativos alcançaram 160% do PIB dos países da amostra.

Antes ou agora, a globalização jamais cumpriu as promessas de dependências harmoniosas. A fantasia de capitais abundantes transbordando das economias centrais paras as periféricas, em busca de maior remuneração pelo seu emprego (em decorrência de uma situação “inicial” de escassez), homogeneizando sociedades e taxas de juro ao redor do globo, vive apenas nas mentes herméticas de alguns economistas.

O verdadeiro sentido da globalização é o acirramento da concorrência entre empresas, trabalhadores e nações, inserida em uma estrutura financeira global monetariamente hierarquizada. A convulsão das sociedades ante a falência dos nexos econômicos é o corolário das simbioses e contradições das relações “inter-nacionais”, que elevaram exponencialmente a complexidade da gestão das políticas econômicas nacionais. Os dados sobre concentração de renda corroboram a polarização observada na população.

Conforme o Global Wealth Databook, publicado pelo Credit Suisse, a riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população mundial agora equivale, pela primeira vez, à riqueza dos 99% restantes. A Oxfam afirma que, em 2015, apenas 62 indivíduos detinham a mesma riqueza que 3,6 bilhões de pessoas, a metade mais afetada pela pobreza da humanidade.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico afirma que, entre 1975 e 2012, perto de 47% do crescimento total da renda antes de impostos nos Estados Unidos foi para o 1% no topo. O Fundo Monetário Internacional aponta queda de 11% na participação da população de renda média entre 1970 e 2014 nos Estados Unidos, em razão do “baixo dinamismo do mercado de trabalho”. A tendência de polarização é consistente para diferentes cortes de definição de renda média.

Não é recente a inquietação com o movimento do capitalismo impulsionado pelas contradições entre sociedades com “espaços democráticos” nacionais e mercados globais. Ainda em 1848, o velho Marx, ao observar o desenvolvimento “de um intercâmbio universal e uma universal interdependência das nações”, sentenciou: “Assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar os poderes infernais que invocou”.

Em Guerres et Capital, Éric Alliez e Maurizio Lazzarato afirmam: “O capitalismo e o liberalismo carregam as guerras dentro de si como as nuvens carregam a tempestade. Se a financeirização do fim do século XIX e início do século XX conduziu à guerra total e à Revolução Russa, à crise de 1929 e às guerras civis europeias, a financeirização contemporânea dirige à guerra civil global, ordenando todas as suas polarizações... À era da desterritorialização sem limites de Thatcher e Reagan sucedeu a reterritorialização racista, nacionalista, sexista e xenófoba de Trump, que assumiu a liderança do novo fascismo”.

Ante o nervosismo da insegurança econômica, a polarização política se eleva, fomentada pelo crescimento da massa daqueles que tiveram suas condições de trabalho e vida precarizadas na senda da arbitragem geográfica de salários, impostos e juros pela finança globalizada.

A política e a mídia tornam-se o palco de demagogos que capitalizam essas fontes de preocupação e raiva, manejando com desembaraço a técnica das oposições binárias, método que se esparrama nas modernas ações e interações entre os participantes das redes sociais.

A rejeição ao outro e a reputação das causas do mal aos que não são iguais excitam o ódio de classe, raça, religião e gênero pelos quatro cantos do globo, impossibilitando a articulação do movimento de grupos sociais heterogêneos em uma grande coalizão progressista, reduzindo a esperança de reedição de um ambiente econômico onde decisões sejam permeadas por instâncias democráticas.

O protofascismo de Trump não é um fenômeno isolado. O Brexit foi marcado pelo assassinato da deputada britânica Jo Cox. Antes do ataque, o assassino gritou: “Reino Unido primeiro”, lema da ultradireita britânica.

Ao analisar a vitória nas eleições regionais do Alternativa para a Alemanha, partido de extrema-direita, a revista Der Spiegel afirmou: “A estratégia de apresentar uma solução única e incontestável deve ser reavaliada. Caso contrário, o mundo estará encarando uma era na qual serão cada vez mais fortes aqueles que não oferecem qualquer solução, os que só oferecem rejeição e medo”.

No Brasil, as heranças e sestros da casa-grande aproveitam-se dos desconfortos da crise econômica deflagrada pelos aloprados dos mercados financeiros em contubérnio com um governo aturdido por suas próprias incoerências, para assaltar trabalhadores, aposentados e o orçamento público. A limitação dos gastos com serviços públicos cauciona o rentismo sem limites.

Destroçada pelas exigências da política antidemocrática dos tecnocratas de turno, a economia entrega seu destino às forças do empobrecimento conceitual e da apologética sem limites. O esvaziamento se faz em nome da despolitização e da “limpeza ideológica”.

Políticos e oficiais do governo valem-se de conceitos econômicos para limitar a disponibilidade de políticas que pareçam viáveis para a comunidade. O socorro aos bancos aparece tão inevitável quanto o desamparo aos idosos e trabalhadores.

Por rádio, televisão e jornal as pessoas são “informadas” de que precisam se sacrificar, aceitar cortes nos gastos sociais e menos direitos e benefícios trabalhistas, ou encarar a destruição da economia – tudo em nome da ciência econômica.

Trabalhadores devem cumprir maiores jornadas e por mais tempo em suas vidas. Os impostos e as tarifas públicas serão maiores, mas os serviços públicos serão reduzidos. Já a transferência de recursos públicos ao rentismo, seja pela compra de ativos podres, seja pelo pagamento de juros exorbitantes, não está em discussão, essa é determinada pelo mercado, deus ex machina.

O necrosamento do tecido econômico e o esgarçamento do social empurram os acuados, pelo discurso da inevitabilidade econômica, a abraçarem a conclusão de que “o inferno são os outros”. Se os empregos foram tomados, o Estado onerado e a paz ameaçada por aqueles de nacionalidade, religião, gênero, opção sexual, raça ou ideologia diferentes, a solução passa pela sua exclusão ou eliminação.

Ao explicar a banalidade do mal, Hannah Arendt aponta que as maiores maldades do mundo podem ser perpetradas por homens comuns, sem razões malignas ou intenções demoníacas, mas seres humanos que abdicaram totalmente da característica que mais define o homem como tal, a capacidade de pensar.

Para Arendt, a manifestação do ato de pensar não é o conhecimento, mas a habilidade de distinguir o bem do mal, de fazer juízos morais. Essa incapacidade de pensar permitiu que muitos homens comuns cometessem atos cruéis numa escala monumental jamais vista, como no nazismo. Sua esperança repousa no “pensar”, como poder para as pessoas evitarem catástrofes nesses raros momentos de dificuldade.