domingo, 20 de dezembro de 2020

O relatório Guterres



Eduardo Bomfim

O secretário-geral das Nações Unidas (ONU) António Guterres, apresentou um relatório alertando que o mundo pós pandemia do corona vírus vai estar sob a maior recessão econômica desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Com as inevitáveis consequências, nos planos das economias, sociais, financeiros e políticos dos Países. A pandemia sanitária global se revelou, na verdade, como um reagente químico e biológico, de uma realidade financeira que já se apresentava extremamente grave desde a crise econômica de 2008.

Uma crise sanitária global que, se não poderia ser evitada, ao menos tinha condições de ser minimizada em suas consequências, na saúde e na economia.

Mas a financeirização dos fluxos de capitais a nível mundial, não tem, ou a ela não interessa, vocação para o planejamento sobre os constantes e intensos movimentos de pessoas que existem hoje no planeta, relativos aos perigos de uma pandemia viral já prevista e anunciada. Não é da sua natureza prevenir semelhantes acontecimentos.

Quanto à capacidade de remediação de tragédias, que hoje vivemos, a globalização financeira já está buscando extrair ao máximo os lucros, tanto que os bancos estão obtendo lucros estratosféricos em plena pandemia, especialmente os especuladores financeiros, apesar da debacle da economia internacional.

Recente relatório sobre a economia europeia, feito pelos órgãos de Bruxelas, apontam que em meados dos anos oitenta, a Europa respondia por quase 25% da riqueza produzida no mundo. Hoje, essa riqueza produzida equivale a 12% do total global. Boa parte das economias das nações do velho continente vive de uma grande fatia do turismo.

A indústria, o setor de serviços, especialmente, se espatifaram nessa crise sanitária mundial. O setor aéreo desmoronou quase que completamente. A sua recuperação vai se dar através da concentração ainda maior de empresas e do desemprego massivo. Ou seja, mais do pior veneno possível.

Muitas empresas, de médio e pequeno porte, que mais empregam pessoas, jamais reabrirão as suas portas, em todo o mundo.

A guerra fria, que perdurou, praticamente, durante grande parte do século XX, foi substituída pelo multilateralismo geopolítico e econômico global. Novos atores entraram em cena, e outros lutam para se incorporar a esse novo cenário.

Mas a grande verdade é que sairemos dessa tragédia sanitária com uma concentração das riquezas ainda mais acentuada e uma taxa de desemprego global, praticamente, insuportável. Além da precarização da força de trabalho em escala gigantesca. E as disparidades regionais bem mais agravadas.

Esse não é um saldo da pandemia do corona vírus, mas o que a pandemia sanitária fez agravar, como um reagente químico, na política da governança hegemônica global, do capital financeiro especulativo.

De tal maneira tem sido a concentração, a centralização do capital especulativo em escala mundial, que ele passou a ditar as orientações políticas e ideológicas que circulam em larga escala, especialmente no chamado mundo ocidental.

A mídia ocidental de grande abrangência, transformou-se, como seria inevitável, em propulsora das ideologias difundidas por esse mesmo oligopólio dos megaespeculadores das finanças mundiais, que são, na verdade, um clube privado de reduzido número de sócios internacionais, onde se destacam figuras conhecidas como George Soros, por exemplo.

Como seria de esperar, nesse contexto de supremacia política do governo das finanças global, não se apresentam, às sociedades, as alternativas para as atuais disparidades que não param de crescer, ainda mais com a pandemia sanitária, já que ela se apresenta como uma grande oportunidade de se operar uma maior concentração do capital especulativo.

A Europa, por exemplo, vive uma situação inusitada. Com o declínio gradual, mas persistente, na produção das suas riquezas, como vimos acima, os governos e as cidades mais importantes do velho continente, resolveram investir em grandes infraestruturas para acolher e incentivar o turismo mundial.

Além disso, em virtude do crescente declínio demográfico, onde se destaca uma população geriátrica e uma taxa de natalidade cada vez mais reduzida, os Países europeus passaram a investir em uma força de trabalho imigrante, especialmente no setor de serviços e na agricultura, em menor grau na indústria, escassa.

Agora, as cidades turísticas europeias convivem com duas espécies de movimentos que se confrontam em pichações nas ruas: um que se diz à direita, em campanha aberta contra os imigrantes, e o outro, que se diz à esquerda, contra a presença massiva de turistas, porque afirmam que poluem o meio ambiente, na defesa de cidades sustentáveis.

Ora, com as populações cada vez mais envelhecidas, onde proliferam asilos de idosos, sem a renovação demográfica, porque escasseiam os nascimentos, e o declínio industrial, conforme os próprios relatórios dos órgãos oficiais europeus, o velho continente encontra-se em um paradoxo de narrativas políticas, culturais e ideológicas, sem solução.

Nesse caldo de cultura, não prosperam alternativas econômicas e sociais racionais, mas a xenofobia política, a intolerância e o sectarismo, facilitando o surgimento de organizações políticas extremadas que se digladiam e vão polarizando as sociedades rumo ao impasse em algum momento no futuro. Já assistimos a esse filme antes, na época que antecedeu a Segunda Guerra Mundial.

Nos Estados Unidos, assistimos às recentes eleições presidenciais onde se confrontaram adeptos das teorias das conspirações, terraplanistas, inimigos da ciência, supremacistas brancos, combatentes contra o racismo, a intolerância sexual, ambientalistas, saudosistas do “passado glorioso” etc. etc.

Não prosperou nenhuma discussão relevante sobre como os EUA poderiam recompor a sua imensa capacidade industrial, sustar a crescente chaga social, a retomada da industrialização sob novas bases, com a atual multipolaridade geopolítica e econômica mundial.

É como se o grande País do Norte se negasse a enfrentar a nova realidade. Prevaleceu, assim, uma batalha de “narrativas culturais” distante das soluções fundamentais para o seu destino e o seu povo.

No Brasil, não tem sido diferente. As últimas eleições presidenciais resultaram em uma guerra “cultural” onde se confrontaram forças muito semelhantes às dos Estados Unidos, vencendo o presidente Bolsonaro.

Postado em uma linha cultural do medo contra as mudanças comportamentais, de gênero, misturando a negação contra a ciência, como a vacina, uma guerra ideológica do século passado, requentada, e que já não mais existe, além de um alinhamento aos EUA, e ao presidente Trump, como se os Estados Unidos fossem os Guardiões do Templo do mundo ocidental. Com a eleição de Biden, o governo federal se isolou do próprio Estados Unidos. Somos hoje uma nação sem boas relações geopolíticas e comerciais. É o isolacionismo como diplomacia de Estado.

Tudo isso resultou em um seguidismo unilateral à grande nação do norte, um descaso aos interesses brasileiros, um confronto frente os nossos principais parceiros comerciais. Um nonsense absoluto. A diplomacia brasileira, respeitada em todo o mundo, desde a época do Império, regrediu a patamares jamais existentes em época alguma.

O que não existe mesmo é uma discussão sobre um projeto de nação, sobre a retomada do crescimento econômico com bases em nossas imensas possibilidades e riquezas, na galvanização da sociedade com vistas à solução dos nossos desafios, investimentos pesados na infraestrutura, educação, ciência e tecnologia, superação das nossas trágicas desigualdades sociais. Já diz o ditado popular: em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão.

O Brasil vai sair dessa atual pandemia com indicadores econômicos e sociais bem mais trágicos, com uma desorientação institucional imensa, isolado na diplomacia internacional, sem rumos e à deriva. É o relatório Gutierres à brasileira.

O que temos aqui é uma mistura de neoliberalismo extremado, um falso nacionalismo, associado a um liberalismo autoritário. Uma sociedade desconfiada, inquieta, desarmoniosa, indecisa. E acima de tudo, com um clima social imprevisível, em um futuro imediato, frente à tragédia do desemprego em massa, que ora já vivemos.

Enfim, como afirmou o cientista político e historiador camaronês Achille Mbembe: outro longo e mortal jogo começou. O principal choque na primeira metade do século XXI não será entre religiões e civilizações. Será entre a democracia e o neoliberalismo da especulação financeira. Entre o governo das finanças e o governo do povo. Entre o humanismo e o niilismo. E seria importante acrescentar: entre a soberania dos povos e das nações, contra a nova forma de expansionismo neocolonial, sob a égide do capital especulativo financeiro global.

sábado, 21 de novembro de 2020

Patrice Lumumba: 59 anos da morte de um dos maiores líderes pela independência nacional na África


Não há imperialismo bom e imperialismo mau, há o imperialismo.

Não há especulador financeiro bonzinho e especulador financeiro mau, há o rentismo predador.



Admirado e homenageado em todo o mundo pelos que lutam pela liberdade e soberania de seus povos e de sua pátria, o congolês Patrice Lumumba preso, torturado e assassinado há quase 60 anos, em 17 de janeiro de 1961, aos 35 anos, foi uma das principais lideranças pela libertação de suas nações do colonialismo na África e um dos primeiros chefes de estado pós-independência. Herói ao lado de Kwame Nkrumah, Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane, Samora Machel.

Desde muito jovem participou ativamente das lutas anti-colonialistas de sua terra, o Congo Belga. Depois de haver sido eleito presidente do Sindicato Independente dos Trabalhadores Congoleses, em 1958 fundou o Movimento Nacional Congolês (MNC), o maior partido nacionalista congolês e o único constituído em bases não tribais.

Em dezembro do mesmo ano, ao se pronunciar na primeira Conferência dos Povos Africanos, em Accra, capital da recém-independente Gana, como membro da delegação do MNC, destacou-se pela clareza com que defendeu as ideias pan-africanas de unidade contra o colonizador, juntando-se a outros líderes africanos que se destacavam na torrente com que o conjunto dos movimentos nacionais avançava para romper o jugo a que os países europeus haviam submetido o continente africano. Ao lado de Lumumba, Kwame Nkruma, da recém-liberta Gana, Tom Mboia, líder do Kenia; Sekou Touré, da Guiné; Julius Nyerere, da Tanzania.

Logo após seu retorno ao Congo, acelerou-se a luta pela independência, conquistada dois anos depois. Desde os primeiros passos em seu combate, o dirigente congolês visualizou a questão fundamental para a garantia da libertação nacional do colonialismo: a unidade da nação em formação, acima das disputas tribais. A concepção clara da dignidade nacional, da necessidade de cimentá-la acima das divisões étnicas e tribais, lhe valeu o ódio dos colonialistas e da casta dominante do imperialismo americano, que desejava substituí-lo.

A expressão que adquiriu com rapidez, o estímulo com que conduziu os demais na luta pela independência fez com que, nas negociações em Bruxelas, a delegação congolesa exigisse a sua presença. Lumumba se encontrava preso – acusado de incitar “a desobediência civil” durante as manifestações de massa pela independência em outubro de 1959 - e os belgas tiveram que tirá-lo da cadeia diretamente para o avião de onde ele iria dirigir o processo de libertação na sua fase final: as negociações em Bruxelas até a assinatura dos protocolos que especificavam a data para a entrega do poder a um governo congolês, que viria a ter Lumumba no comando, no posto de primeiro-ministro.

O seu discurso no dia da independência, 30 de junho de 1960, permanecerá nos anais da diplomacia mundial como uma peça oratória magnífica, em que o jovem dirigente africano, na presença do rei Balduíno, da Bélgica, e de outros dignitários estrangeiros, denunciou abertamente os crimes hediondos do colonialismo belga sobre o povo congolês e traçou as perspectivas do futuro Congo, liberto da dominação estrangeira.

Como primeiro-ministro foi um líder de grande estatura. Em seu discurso na abertura da Conferência Pan-africana realizada na capital de seu país, Leopoldville, em 25 de agosto de 1960, Lumumba defendeu a unidade e solidariedade dos países africanos em sua luta pela independência e sua consolidação como nações soberanas.

Em setembro desse mesmo ano Lumumba foi afastado pelo presidente Kasavubu, apoiado pelos Estados Unidos e por militares golpistas comandados por um certo coronel Mobutu. Em novembro é preso e, a 17 de janeiro de 1961, depois de meses de detenção ilegal, é barbaramente torturado e assassinado.

O próprio Senado dos Estados Unidos, que investigou as atividades dos serviços de “inteligência” norte-americanos, descobriu que a CIA organizou em agosto de 1960 - o Congo era independente há apenas dois meses! - uma conspiração com o “objetivo urgente e prioritário” de assassinar o primeiro-ministro congolês. Para Allen Dulles, o então diretor dos serviços secretos norte-americanos, Patrice Lumumba era “um perigo grave” a ser eliminado.

O afastamento de Lumumba da chefia do governo, sua prisão e seu assassinato foram o resultado conjugado dos interesses do colonialismo belga - que, apesar da independência do Congo, pretendia continuar a explorar a seu bel-prazer as riquezas do país - e da intervenção do imperialismo norte-americano, através da CIA - o jovem primeiro-ministro era considerado por Washington um “esquerdista”, simpatizante da União Soviética -, coniventes com setores da burguesia congolesa que não hesitaram em trair o seu povo e aliar-se à dominação estrangeira.

Já preso, poucos dias antes de seu assassinato, Lumumba escreveu uma carta de despedida à sua mulher Pauline, em que reafirma a sua confiança no futuro. São belas e comoventes, mas cheias de esperança, essas breves palavras, publicadas mais tarde pela revista “Jeune Afrique”:

“(…) Não estamos sós. A África, a Ásia e os povos livres e libertados de todos os cantos do mundo estarão sempre ao lado dos milhões de congoleses que não abandonarão a luta senão no dia em que não houver mais colonizadores e seus mercenários no nosso país. Aos meus filhos, a quem talvez não verei mais, quero dizer-lhes que o futuro do Congo é belo e que o país espera deles, como eu espero de cada congolês, que cumpram o objetivo sagrado da reconstrução da nossa independência e da nossa soberania, porque sem justiça não há dignidade e sem independência não há homens livres.

Nem as brutalidades, nem as sevícias, nem as torturas me obrigaram alguma vez a pedir clemência, porque prefiro morrer de cabeça erguida, com fé inquebrantável e confiança profunda no destino do meu país, do que viver na submissão e no desprezo pelos princípios sagrados. A História dirá um dia a sua palavra; não a história que é ensinada nas Nações Unidas, em Washington, Paris ou Bruxelas, mas a que será ensinada nos países libertados do colonialismo e dos seus fantoches. A África escreverá a sua própria história e ela será, no Norte e no Sul do Sahara, uma história de glória e dignidade.

Não chores por mim, minha companheira, eu sei que o meu país, que sofre tanto, saberá defender a sua independência e a sua liberdade.

Viva o Congo! Viva a África!”.

Para os revolucionários do século XXI na África e em todo o mundo, que hoje continuam a lutar em condições diferenciadas contra a dominação imperialista e a exploração capitalista, Patrice Lumumba continua bem presente com o seu exemplo de patriota e combatente pela liberdade. E são de uma enorme atualidade as ideias que defendeu generosamente e pelas quais deu a vida - a urgência da independência nacional e da genuína soberania para todos os países, a unidade africana, a luta intransigente contra o colonialismo e o neocolonialismo, o combate pela emancipação social dos povos.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Rumos e Estadismo



O compositor Gilberto Gil lembrou a frase de dona Canô, mãe de Caetano Veloso, falecida aos 105 anos: quem não morre, envelhece. De fato, não é, como parece, uma dedução simples, mas cheia de lições em tão longa existência.

Numa das polêmicas crônicas que Nelson Rodrigues escreveu à época do “poder jovem” na década de 60 - e o que vinha da rebeldia comportamental juvenil tinha-se como verdade absoluta – “meu conselho aos jovens é, envelheçam por favor”.

O Politicamente Correto, vindo dos laboratórios das finanças globais, arvora-se em sucedâneo das ideias surgidas na França dos anos 60.

A questão não é a ousadia da juventude essencial às grandes transformações, mas quem ainda não possui a experiência acumulada para discernir os caminhos viáveis das armadilhas inevitáveis.

Com o passar dos anos é possível enxergar, mais ou menos, uma coisa e outra, evitar equívocos repetidos ao longo dos tempos.

Existem povos, pela herança adquirida em milhares de anos, que possuem cultura acumulada, capacidade de julgamento aos desafios que a História lhes impõe. Onde é possível juntar a rebeldia dos jovens com a experiência adquirida em milênios.

É o caso do Vietnã, e seu líder histórico Ho Chi Minh, que derrotou três potências, França, Japão e Estados Unidos em apenas um século, conquistando a independência às custas de sacrifícios inenarráveis.

Quando em 2003 tive a oportunidade de conversar com o embaixador do Vietnã, líder guerrilheiro à época da libertação, falei que a minha geração tinha muita admiração pela nação vietnamita.

Ao que ele respondeu: nós é que admiramos os brasileiros que ao longo desses mesmos anos não precisaram travar tantas guerras brutais para libertar a sua pátria, ao custo de milhões de mortos. Não soube o que responder frente à desconcertante sabedoria.

O premiado escritor angolano José Eduardo Agualusa falou em entrevista que a crise no Brasil lembra Angola na guerra civil, logo depois da libertação colonial, quando a sociedade ficou totalmente dividida.

Mas Angola conquistou a independência em 1974 em plena Guerra Fria, já o Brasil em 1822. Um País industrializado com mais de 215 milhões de habitantes, uma sociedade bem mais complexa.

No Brasil de hoje, da pandemia do corona vírus e de Jair Bolsonaro, e em várias outras latitudes políticas e ideológicas, o que existe é desorientação generalizada, onde reinam os ditames do capital financeiro, tanto nos planos ideológico como econômico.

Aqui, estamos mesmo é sob uma Guerra Híbrida cujo objetivo é a fratura do nosso tecido social. E o que faz falta são rumos, visão de estadista e um projeto de nação soberana, economicamente desenvolvida e socialmente mais justa.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Vai passar



Nós vivemos uma época ancorada em um pântano onde o que mais viceja é o sectarismo mais infantil, a intolerância mais irreconciliável, o ódio mais descontrolado.

A pós-verdade dispensa o contínuo Histórico, despreza a cultura, erudita ou popular, e o tal do “novo”, tão apregoado pelos aproveitadores de sempre, transformou-se em relativismo absoluto.

Cada semana surge uma nova interpretação de tudo e qualquer coisa, logo substituída por outras novas interpretações, e assim sucessivamente. De tal maneira que, como disse o escritor, “tudo o que é sólido se desmancha no ar”.

Os pensadores atuais são atores e atrizes da grande mídia, personagens do show business, e os filósofos atuais encontram-se quase que diariamente em programas de TV a cabo a deitar “teses” que são mais de autoajuda que propriamente tentativas de interpretações sobre as contradições profundas do mundo contemporâneo.

No vácuo, proposital, da incontornável vida política, que vive sob contínua chibatada dos seus inimigos, cuja fixação é mesmo o seu assassinato, artistas e cantores transformaram-se em líderes e teóricos dos rumos a serem seguidos por extratos médios.

Sem referências do passado, ausência de reflexões razoavelmente bem sustentadas sobre o presente, vive-se um presente contínuo, como em uma roda gigante dos parques de diversão, subindo e descendo sobre o mesmo eixo, passando sempre pelo caminho inicial.

O ativismo político é substituído, quase sempre, pela histeria política, especialmente nas redes sociais, que faz uma ponte com as notícias da grande mídia hegemônica, e se retroalimentam continuamente.

Ser cristão ou ateu, deixou de se caracterizar como uma opção de fé teológica, ou reflexão sobre a condição humana e sua finitude, transformou-se em uma cruzada radical, coletiva, de uns contra os outros. Cada um carregando a sua fé, ou ausência dela, como se fossem medalhas no peito, conquistadas em batalhas sangrentas contra inimigos mortais.

Pensa-se em tudo, menos nos rumos do Brasil, seus dramas, imensas possibilidades, e superações urgentes.

A pandemia do corona vírus mais parece uma catarse de um mundo em crise, onde as soluções de saúde, médicas, contra o vírus, transformaram-se em uma batalha ideológica, como se houvesse vacinas ou antivirais de esquerda, centro ou direita. O que existe são remédios, eficazes ou não.

Como sabem, não sou, nunca fui, nem serei bolsonarista, mas o problema do Brasil é maior que os descaminhos do governo federal, em quase todos os níveis de governabilidade.

Trata-se da doença “espiritual” de vocação autoritária em quase todos os extratos ideológicos, inclusive em parte da sociedade mais esclarecida, enquanto as grandes maiorias sociais, alheias a tudo isso, perambulam pelas ruas na busca da dura sobrevivência, em meio a uma crise sanitária, econômica, social, carregando, ainda por cima, os males estruturais, históricos do Brasil.

Apesar disso, contornam-se as buscas das soluções concretas, através de uma tempestade de falsos ideologismos, incessantes, discute-se uma realidade paralela. Ou como me escreveu o amigo jornalista Ênio Lins: a pós-verdade é pseudoverdade, talvez sem exceções.

No mesmo rumo, lembro a frase do velho amigo Plínio Lins: a boa mídia, a boa imprensa, é o único respiradouro, ao lado da arte, como forma eficaz de juntar inteligência e beleza. Lutemos por elas portanto.

As soluções para as crises, pequenas ou grandes, como a atual, sempre surgiram através da via política, na concertações de consensos, de amplas unidades.

Até nas guerras, porque como afirmou o grande teórico dessa matéria extrema: a guerra é a continuação da política, por outras vias.

Nesse caldeirão sectário que estamos vivendo, creio fundamental a primazia da vida democrática para a solução dos trágicos problemas nacionais. E nessa vida democrática, as eleições, como a que estamos exercendo na excepcionalidade dessa pandemia sanitária.

Porque sem democracia e eleições quem vai decidir os nossos destinos são os caudilhos, os ditadores, ou os loucos predestinados pela fixação do poder.

O que me lembra dos tristes déspotas latino-americanos, que narrou Gabriel Garcia Márquez, como o paraguaio que cismou de combater uma epidemia de sarampo que assolava o País irmão, cobrindo os postes de rua com papel celofane vermelho.

Ou o caudilho de El Salvador, que após uma sangrenta batalha pelo poder, da qual saiu vitorioso, promoveu uma magnífica e babilônica festa de três dias e três noites, para enterrar a sua própria perna, perdida em combate.

A pandemia do corona vírus vai passar, como tantas outras que viveu a humanidade, assim também esses tempos desorientados, como outros que já se foram.

E a democracia, as eleições, são bem melhores que a insanidade dos ditadores. Portanto, vamos pelejar por elas, para o nosso próprio bem e do País. E quem puder, mantenha o isolamento social, até a vacina, porque o bicho é brabo.

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

O Brasil, algoritmos e fanatismos




Por Eduardo Bomfim

Que ninguém se iluda, pensar o Brasil é tarefa exclusiva dos brasileiros, seja nas questões da indústria, da agricultura, da saúde, educação etc., e acima de tudo em relação aos interesses nacionais.

Vivemos uma época especial em todo mundo, onde prevalecem mecanismos sofisticados de interferências desestabilizadoras nas sociedades, da parte do capital financeiro, megaempresas globais, além das grandes potências internacionais, na medida em que a revolução digital, a internet, alcançou o protagonismo irreversível que todos conhecemos.

Mas as facilidades advindas das novas formas de comunicação entre as pessoas, no consumo, provocaram novas maneiras de interferências na vida política das sociedades. E são esses os fenômenos que estamos vivenciando.

A competição industrial, agrícola, comercial, e geopolítica, se intensificou de forma exponencial, e nenhuma megaempresa global, ou potência internacional, está presente no mundo de hoje para esclarecer as coisas, mas para fazer valer os seus interesses, ou para confundir, se assim for necessário, desestabilizar as sociedades.

A racionalidade tornou-se um produto raro, ou em falta, nas atuais relações humanas. Muitas vezes tem prevalecido o delírio, quase esquizofrênico, na interpretação dos fatos, principalmente quando se trata das questões políticas.

Os algoritmos, no mundo digital, têm feito, com a rapidez, quase, instantânea, o trabalho que interessa ao grande capital financeiro, à luta política, às grandes potências, ou na competição dos produtos no mercado, seja ele qual for.

Se você adquire um aplicativo para ouvir música, por exemplo, esses algoritmos vão lhe direcionar para as músicas que consideram afins com o seu gosto inicial, e daí vão lhe conduzir para uma “bolha” digital que consideram o seu gosto. O que vai exigir muita consciência crítica e lucidez para que você não se torne um consumidor passivo de músicas.

As redes sociais, através dos mesmos mecanismos dos algoritmos, também vão lhe conduzir ao mesmo processo de identificação de opiniões idênticas às suas, promovendo as “bolhas” de ativismo social, reduzindo o horizonte de reflexão e discernimento dos indivíduos.


Assim como facilita a promoção das ações de publicação de notícias falsas, as tais das fake news, alimentando uma cadeia de desinformação sobre a verdade dos fatos, que são instrumentalizadas por grupos políticos, interesses geopolíticos estratégicos, ou mesmo na competição de produtos à venda no mercado.

A grande mídia global tem combatido as fake news, mas ela promove também, à sua maneira, as notícias que considera relevantes ou não. Em sua grande parte, ela se encontra a serviço dos interesses do capital financeiro, e promove as suas agendas cultural, política e ideológica, hoje hegemônicas.

E dita, conduz, as pessoas, para a luta que “deve” ser relevante. E em praticamente vinte quatro horas, em todo o mundo ocidental, grupos de “ativistas” sociais digitais, como as recentes manifestações para destruir estátuas e monumentos Históricos relevantes, saem às ruas movidos por uma fúria emocional.

Sem nenhuma reflexão crítica, mais profunda, sobre o significado das suas ações, com base em uma espécie de um difuso, falso, Internacionalismo militante. Dias depois, essa “causa” arrefece e logo é substituída por outra, igualmente carregada do mesmo conteúdo emocional, quando não sectário.

Na atual luta dos cientistas, na área de saúde, contra o corona vírus, existem algumas vacinas, em pesquisa, em estágio avançado.

Um desses surtos emocionais, ideológicos, foi promovido nas redes sociais, contra a possível vacina chinesa, em convênio com o Instituto Butantã no Brasil, sob a alegação de que essa possível vacina, estaria “infectada” com um nano chip que iria controlar as pessoas, vigiá-las, e aliciá-las ao comunismo internacional. Um delírio, impensável em outras épocas, se não fossem os algoritmos, manipulados por um extremismo sectário.

A atual realidade política brasileira está carregada por frenética Guerra Híbrida, cujo objetivo central tem sido a fratura do tecido social da sociedade nacional, entre grupos com agendas identitárias.

Uns procurando negar o contínuo histórico nacional, as grandes figuras que, em cada época determinada, ergueram o espírito do País, através das ideias e das realizações, que formam a nossa civilização única, mestiça e tropical, como descreveu o grande antropólogo Darcy Ribeiro.

Outros, em um campanha irracional, fundamentalista, inimiga do progresso, pretendem levar o País aos tempos medievais passados.

A continuada polarização dessa “ordem” de coisas não serve aos interesses nacionais, porque é falsa, sem perspectiva estratégica, e conduz a nação à imobilidade, ao atraso, e fratura o nosso tecido social.

Já essa atual guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, eles estão jogando o jogo deles, nós devemos estar é com os nossos interesses. Não podemos estar alinhados em disputas ideológicas de ocasião. Devemos ficar com o que serve ao Brasil e ao povo brasileiro. Promover uma diplomacia ampla, pacífica e de cooperação internacional em todos os níveis.


Quanto à campanha de cerco que atinge a Amazônia, sob o justo pretexto de evitar e combater as queimadas, ela possui, na verdade, o objetivo estratégico da internacionalização de um ativo ambiental, mineral, biológico, geopolítico, inigualável no planeta.

Tudo isso promovido por ONGs suspeitas e potências estrangeiras. É hora de levantar, com serenidade, altivez, uma campanha em defesa da Amazônia, que é nossa, assegurada com muita luta por aqueles que nos deixaram esse extraordinário legado ambiental e patrimônio territorial.

Quando promovem uma campanha contra a agricultura brasileira, isso nada tem a ver com as, falsas, justificativas sobre agrotóxicos e outras coisas mais. Mas é devido ao protagonismo internacional da nossa produção de grãos, carnes etc., que disputa com alta qualidade, tecnologias e cumprimento de todas as normas sanitárias exigidas pelos acordos mundiais. Aliás, é a agricultura que vem salvando o País nessas ultimas décadas.

A luta de ideias nestes tempos de hoje é vital, no empenho por um programa nacional de desenvolvimento estratégico, pela reestruturação do parque industrial nacional, recompor a nossa cadeia produtiva. Pelo investimento maciço em educação em todos os níveis, ciência e tecnologia, infraestrutura, na promoção de políticas públicas com investimentos sociais.

Se o Brasil atingir essas metas, estaremos alcançando o patamar de uma nação verdadeiramente progressista, rumo ao pleno desenvolvimento econômico, combinado com a alta qualidade de vida do povo brasileiro. Território continental, riquezas naturais, matérias primas, uma população de mais de 200 milhões de habitantes, com engenhosidade, vontade de crescer, nós temos. Falta-nos o projeto, a vontade, e a união do povo em torno dos novos desafios.

Em tempos de algoritmos digitais, fanatismos ideológicos, tempestades de ódios difusos, como disse o poeta: falta-nos cumprir o Brasil. E essa obra não cai do céu, ou por geração espontânea. Precisa ser edificada, construída. Talentos, não nos faltam. É fundamental a iniciativa.

terça-feira, 28 de julho de 2020

A soberania limitada e a Guerra Híbrida




De Eduardo Bomfim

A globalização financeira prossegue na sua determinação de, na prática, impor aos povos e às nações a soberania limitada, em uma escala crescente que marcha, especialmente entre as cadeias mais frágeis de vários Países, para uma forma de colonialismo do novo milênio.

Esse processo caminhou por vias sinuosas, desde a instituição do padrão dólar-ouro na conferência de Breton Woods, em 1944, demarcando a hegemonia monetária dos Estados Unidos.

Em 1971 os Estados Unidos tomaram a decisão de acabar com a paridade dólar-ouro, ficando o dólar como moeda hegemônica global, respaldado pelo tesouro norte-americano. Essa decisão foi ratificada pelo FMI em 1973.

Na década de 80 as políticas neoliberais assumiram o protagonismo de uma doutrina econômica hegemônica mundial, sob os governos de Margaret Thatcher, a dama de ferro, na Inglaterra, e do presidente Ronald Reagan nos Estados Unidos.

Todo esse processo levou à desregulamentação dos fluxos financeiros domésticos, vinculados à produção de riquezas. Estava inaugurado o caminho para o extraordinário processo de acumulação financeira especulativa global, através do rentismo predador, que, de crise em crise, segue até os dias atuais.

Nesse mesmo período a hegemonia unipolar econômica, financeira, militar dos Estados Unidos, conquistada após a extinção da União Soviética, foi perdendo a liderança desse processo.

Ao tempo em que todas as formas de controle administrativo, das taxas de juros, do crédito e dos movimentos do capital financeiro foram progressivamente abolidas.

A desregulamentação do capital foi, dessa forma, um dos elementos motores da globalização financeira. Estavam abertas as condições para uma espécie de governança mundial do capital financeiro especulativo.

Uma governança informal, invisível, mas que nem por isso deixa de ser efetiva e de caráter multilateral.

Cifras astronômicas de trilhões de dólares circulam, sem regulação alguma, pelo mundo em poder de megaespeculadores internacionais, desligadas da produção de riquezas. Esse é o mundo em que vivemos hoje.

Como é óbvio, as instituições internacionais “oficiais”, criadas no pós Segunda Guerra mundial, para fins de construção de consensos e administração de conflitos regionais, passaram a seguir o rastro do dinheiro em mãos dos especuladores globais, e as suas diretivas.

De tal forma que tratados internacionais, úteis ao processo hegemônico da livre financeirização dos fluxos de capitais, foram sendo oficializados por essas instituições mundiais e transferidos, como normas, aos Países.

A hegemonia do capital especulativo predador chegou igualmente à grande mídia, transformando-a em sua porta voz oficiosa.

Tratava-se, a partir daí, de constituir uma espécie de ideologia hegemônica, que satisfizesse aos interesses da globalização financeira e substituísse as culturas nacionais, sua raízes, características próprias etc.

Formatou-se, entre outras coisas, uma espécie de anarquismo invertido, visto que não serve aos propósitos com que sonhava o teórico anarquista Bakunin, mas ao anarquismo desregulamentador do capital financeiro.

Assim como surge uma espécie de neotrotskismo internacionalista, mas, ao contrário do que sonhava Leon Trotsky, não um trotskismo das classes trabalhadoras, mas um trotskismo internacionalista sob a égide do capital financeiro.

Com a soberania cada vez mais limitada pelas orientações e tratados do capital financeiro, no plano econômico, administrativo, comportamental, os governantes foram perdendo os seus protagonismos de efetivos dirigentes nacionais. Transformaram-se, em grande parte, em gerentes e administradores das orientações e diretivas vindas do capital financeiro.


A pandemia da crise e a crise da pandemia

O teórico nipo-americano Francis Fukuyama quando previu, falsamente, o Fim da História em seu famoso livro publicado no fim do século XX, não se referia necessariamente à liderança unipolar dos Estados Unidos, mas à celebração da hegemonia superior do capital financeiro como forma de governança mundial.

No entanto, tamanha acumulação desenfreada do capital parasitário e especulativo, desligado da produção dos povos e nações, começou a provocar uma sucessiva desestabilização da Nova Ordem mundial e atingiu o ápice na crise financeira em 2007 e 2008, que iniciou nos Estados Unidos e rapidamente se espalhou pelo mundo.

A catástrofe financeira, que abalou as economias nacionais, não teve como solução o reordenamento da economia global mas o aprofundamento das estratégias do próprio capital financeiro especulativo.

Essa crise acarretou uma debacle das economias nacionais, além de novas diretivas para a desregulamentação dos fluxos financeiros especulativos, a queda do crescimento das economias nacionais, o empobrecimento das sociedades em, praticamente, quase todo o mundo.

O planejamento econômico foi cada vez mais substituído pela anarquia sem freios que rege a globalização do capital especulativo. O cuidado com as atividades básicas de investimentos em educação, saúde pública, ciência e tecnologia em escala global, cedeu cada vez mais à privatização, e a extrema precarização dessas funções essenciais para os povos.

Pode-se afirmar que antes de estourar a pandemia sanitária que hoje vivenciamos, tivemos a pandemia da extrema desregulamentação dos fluxos financeiros, com as suas dramáticas consequências, com a queda do crescimento econômico dos países, de forma sistemática e contínua, o desemprego e a catastrófica crise social que jamais parou de crescer.

Em resumo, a crise financeira, e suas consequências, antecedeu à crise sanitária do corona vírus 19. E será necessário calcular quanto dessa primeira crise possui relação, de causa e efeito, com a pandemia sanitária que vivemos de forma trágica em todo o mundo.

Em algum momento no futuro próximo deve haver algum balanço sobre a insuficiência das medidas da OMS em relação a essa pandemia. Seja para a ela se antecipar, seja para sugerir medidas rápidas e eficazes para minimizar os seus efeitos. E aqui não se encaixam teorias da conspiração, tão em voga nos dias atuais.

Mas a verdade é que os organismos internacionais institucionais se encontram defasados quanto aos seus propósitos intrínsecos. Na maioria das vezes eles adotam medidas, sugestões paliativas e secundárias, ou de marketing, para fins de justificar as suas existências.

A atual crise sanitária global, entre outras coisas, serviu para mostrar a pouca eficiência desses organismos, assim como a guerra do Iraque, entre outros conflitos regionais, demonstrou a pouca eficácia da ONU como autoridade real em administrar conflitos regionais ou globais de grande porte.

A atual pandemia sanitária não foi a responsável pela catástrofe econômica e social que vivemos, mas levou ao seu aprofundamento em nível brutal, como um catalizador, ou reagente químico.

Assim a crise financeira, econômica e social atingiu uma escala formidável. É inacreditável a tendência que se vende, aos incautos, que a pós pandemia vai possibilitar uma sociedade mundial mais harmoniosa, mais limpa e mais solidária, quando na verdade já estamos em uma crise econômica, social e humanitária, sem precedentes na História contemporânea. Na História, muitas vezes, os mitos são mais importantes que a realidade.

Dois meses após o reconhecimento da pandemia sanitária, as discussões nas mídias e redes sociais, desconectaram-se das questões concretas de como enfrentar melhor o corona vírus e passaram ao campo político. Não se abordam as propostas econômicas, sociais, para enfrentar uma realidade dramática de desemprego massivo e a consequente, trágica, crise social.

Assim, como nas ultimas décadas, cria-se uma falsa perspectiva sobre a verdade dos fatos, elabora-se, mais uma vez, uma realidade paralela e fantasiosa sobre o mundo em que vivemos. E, convenhamos, é necessário muito investimento e capital, além de mídia, para se imporem concepções tão dissociadas da vida concreta dos povos.

Não é à toa que vários segmentos intelectuais e acadêmicos vivem, há um bom tempo, em uma torre de marfim de agendas identitárias, descolados das grandes maiorias sociais e das necessidades concretas dos seus Países.

É um fenômeno, a dissociação de setores esclarecidos das sociedades das necessidades objetivas das grandes maiorias do planeta. E ao mesmo tempo é como se uma parcela de classe média, estivesse vivendo em uma sociedade dividida em castas.


Mas na verdade trata-se do “investimento” da globalização financeira em uma elite que encampe as suas agendas culturais e comportamentais. Uma estratégia de cooptação dos de “cima”, e o abandono à própria sorte dos novos deserdados da terra, a grande maioria das populações das nações. O objetivo é constituir uma vanguarda intelectual, de ativistas nas redes sociais, incorporada às perspectivas, doutrinas e agendas do capital financeiro, na tentativa de enfraquecer as possibilidades dos Estados nacionais quanto à formação de uma massa crítica e pensante, relativa aos programas e projetos de desenvolvimento nacionais.

Assim como os identitaristas fundamentalistas religiosos, reacionários, movidos por uma orientação econômica neoliberal ultraortodoxa, representada no Brasil pelos bolsonaristas hoje no poder central do País. Uma verdadeira Guerra Híbrida em curso.

Assim, a centralidade da questão nacional passa a ser a inimiga principal do capital financeiro, da Nova ordem mundial, e o protagonismo do Estado nação, o adversário a ser aniquilado.

Da soberania limitada ao novo neocolonialismo financeiro, a ausência de uma perspectiva Histórica no “presente contínuo”, a divisão internacional das cadeias produtivas, a substituição do protagonismo político das grandes maiorias pelas agendas das corporações.

Mas, quando alguém, como Francis Fukuyama, decreta o fim da História, essa afirmação encontra-se carregada de um fundamentalismo doutrinário, quase fanático. Porque deseja que a sua visão econômica e filosófica seja hegemonicamente imposta aos demais e às sociedades. Tal enunciado não prospera, como de fato aconteceu.

Em 1938 Hitler anunciou o seu império, o Reich de mil anos, um mundo sem fronteiras. E deu no que deu, a terrível carnificina da Segunda Guerra mundial. Hoje temos, de novo, um mundo em que a racionalidade política é um bem escasso. No caso de um propalado mundo sem fronteiras, há que se perguntar quem será o seu gerente, ou os administradores desse consórcio que fará as tratativas de um mundo sem fronteiras.

Vivemos atualmente um momento semelhante ao período de entre guerras, anterior à Segunda Guerra mundial, onde a polarização fanática tem sido a regra e a busca por consensos uma exceção. Nesse estado de espírito atual, tem prosperado o fundamentalismo, e o fanatismo, a evidente ausência de perspectivas históricas.

A busca por consensos, a procura por amplitudes, soa quase como um sonoro palavrão. A globalização financeira já provocou catástrofes econômicas e agora mostra que a tal da internacionalização das cadeias produtivas se mostrou trágica e a pandemia evidenciou a fragilidade das nações, onde não existiam, na maiorias dos Países, nem a produção de máscaras sanitárias ou de ventiladores. A grande maioria das nações tiveram que importar da China.

Qualquer nação que minimamente preze a própria soberania, e pense no seu futuro, precisa se preparar para constituir um novo ciclo para a reconstituição completa da sua cadeia produtiva, inclusive industrial, é o caso do Brasil, ou vai amargar um novo estágio de recolonização financeira, bem mais radical que a atual soberania limitada que vivenciamos.


No Brasil, sob o argumento de irresponsabilidades cometidas, efetivas e reais, a grande ameaça que vivemos é a ofensiva pela internacionalização da Amazônia, um território superior ao da Europa ocidental, com imensas riquezas minerais, aquíferas, biossegurança, potencial de reservas genéticas a ser pesquisado, patrimônio ambiental único no planeta, além de um estratégico ativo geopolítico inigualável no planeta.

Está correto o embaixador Marcos Azambuja, ao alertar para o fato de que com a crescente guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, o País deve se preparar para navegar em águas oceânicas muito turbulentas.

E que uma diplomacia sectária, ideológica, unilateral, alinhada aos Estados Unidos, como a atual, no governo Bolsonaro, nos é extremamente prejudicial.

Devemos propugnar por uma política externa ampla, sempre pautada pelas soluções de conflitos, e acima de tudo com base nos nossos interesses nacionais geopolíticos, comerciais e econômicos.

Enfim, devemos persistir com firmeza por uma política que construa a união das grandes maiorias sociais do povo brasileiro. A polarização extremada, intolerante, irreconciliável que divide a nação não nos convém.

Cabe-nos propugnar pela constituição de uma projeto nacional de desenvolvimento estratégico, reconstruir as nossas plantas científicas e tecnológicas, investir massivamente em educação em todos os níveis, recuperar sob novas bases a nossa cadeia industrial, fortalecer a nossa agricultura.

Porque o mundo atual, e pós pandemia sanitária, não será harmonioso, limpo, ou de solidariedade global. Mas turbulento. Devemos nos preparar, com as nossas tradições pacíficas, e persistência, para navegar em uma realidade geopolítica tempestuosa e cheia de incertezas.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Notícias do Brasil




A grande mídia anuncia o que todos já previam: a crise social no mundo será uma segunda onda, um tsunami decorrente da pandemia do corona vírus 19. O setor de serviços, que mais emprega gente, será o mais afetado no Brasil. Serão milhões de desempregados, isso não contabilizando aqueles que se encontram entre os chamados informais, que representam um número bem maior de pessoas.

Enquanto uma jornalista de economia dessa mesma mídia nos informa, pela TV a cabo, que há trilhões de dólares especulativos voando através das “nuvens” digitais, em busca de “oportunidades” para serem aplicados em algum investimento rentável, em qualquer oportunidade que apareça, como se essa fosse uma grande notícia.

Essa globalização dos fluxos financeiros especulativos, desgarrados de investimentos produtivos, que não geram riquezas, é uma das maiores catástrofes dos tempos contemporâneos, que se consolidou enormemente a partir do novo milênio.

A Bíblia sagrada, não me julgo um dos seus conhecedores, mas que nem por isso deixa de ser um dos maiores livros da humanidade, é, também, em termos literários, uma compilação de grandes narrativas Históricas, em forma de parábolas.

Mas se a Bíblia fosse reescrita nos tempos atuais, a globalização financeira constaria como uma das “sete pragas” da humanidade e excluiria delas a pandemia sanitária do corona vírus, com as suas terríveis consequências, pela razão que as pandemias são recorrentes, de tempos em tempos, na História humana.

No entanto, o ministro Paulo Guedes, em entrevista concedida à Globo News, reafirma os seus postulados neoliberais ortodoxos, anunciando para em breve uma onda de privatizações, com o objetivo de relembrar ao Mercado Financeiro, os compromissos do governo Bolsonaro para com o capital especulativo global.

E ao mesmo tempo demonstra total ausência de preocupação com o caos social e econômico já instalado no País desde antes da pandemia, mas agravado com os efeitos trágicos do corona vírus. Como se sabe, o foco do ministro é para com o capital rentista, e a destruição do patrimônio estatal do Brasil.

Para ele, os investimentos públicos são responsáveis pela corrupção no País e portanto devem ser extirpados, assim como as próprias empresas que são patrimônio do Estado brasileiro. Um argumento delirante, se não fosse um atentado contra os interesses nacionais.


Já o presidente Jair Bolsonaro continua tratando a pandemia sanitária como se fosse mera gripe sazonal, enquanto cálculos aritméticos, razoavelmente primários, indicam que até o fim do ano podemos chegar entre 150 a 200 mil mortos vítimas do corona vírus no Brasil.

E o ex-juiz Sérgio Moro, em entrevista exclusiva na televisão, afirma que a questão estratégica do País é o, óbvio, combate à corrupção.

Não falou, nem foi perguntado, sobre as fartas denúncias do pacto da operação da Lava Jato com o FBI e a NSA, agências de inteligência norte-americanas, para mover ações contra a Petrobrás e outras empresas estratégicas nacionais. Como se isso não caracterizasse graves atentados contra a segurança nacional.

Pacto de colaboração, formal e informal, que, aliás, é vigente desde os governos do Partido dos Trabalhadores. Cujas consequências abriram um vácuo político no País, sendo uma das causas responsáveis pela eleição do atual presidente Bolsonaro.

A pergunta que não quer calar é: qual a nação de grande porte no mundo, como o Brasil, permite, oficialmente, tal ingerência nos seus assuntos internos, venha de onde vier, sem pagar alto preço econômico e em sua soberania?

Enquanto isso, trava-se uma guerra ideológica, do tipo guerra híbrida, entre identitaristas de direita com as suas agendas conservadoras, carregando, para todos os lados, as bandeiras dos Estados Unidos e de Israel, desautorizada pela sua embaixada no País, e identitaristas ditos “progressistas” com as suas agendas racialistas, contra monumentos e personagens históricos. Uma desorientação generalizada.

Já o Brasil real, onde habitam as grandes maiorias sociais, tem outras prioridades: como conseguir sobreviver à pandemia sanitária, à angústia da trágica depressão econômica, ao crescente e inevitável caos social etc. Essa é a dramática realidade em que vive o povo brasileiro.

O Brasil é inevitável. Mas só através de um programa de emergência econômico, social, para livrar o país da crise atual, e da elaboração de um programa nacional de desenvolvimento estratégico e soberano, a nação pode trilhar novos rumos e iniciar uma nova etapa da sua História.

terça-feira, 30 de junho de 2020

A serventia




Com o Brasil caminhando para o número macabro de 60 mil mortos e milhões de infectados pelo corona vírus 19, e nessa batida podemos chegar, desgraçadamente, a 100 mil mortos, ou mais, e milhões de pessoas atingidas por esse vírus maldito, pergunta-se: qual o rumo para a nação?

Mas, parece que essa pergunta, que é fundamental e de enorme serventia para as grandes maiorias sociais, do Brasil real, não se encontra na ordem do dia em setores das elites, econômicas ou políticas, porque se discute de tudo, menos as grandes interrogações, ou angústias, do povo brasileiro.

Assistimos, diariamente, na grande mídia hegemônica a promoção diária, mais que diária, pode ser medida em termos de horas, de uma guerra identitária entre pautas aparentemente de “esquerda” versus os identitaristas de “direita” que, no momento, se encontram encastelados no governo federal, sob a batuta do presidente Bolsonaro.

Essa guerra ideológica, movida por tempestades de emoções, de ansiedades difusas, insuflada pelos noticiários dessa mídia hegemônica, e dos robôs nas redes sociais, vem alimentando a agenda política nacional, ad nauseam, motivando correntes de ativistas digitais.

Enquanto isso, o presidente Bolsonaro, insiste em ignorar a pandemia, e o seu ministro plenipotenciário, Paulo Guedes, continua com a sua política econômica neoliberal ortodoxa, que já não é aplicada em canto nenhum do mundo, uma relíquia chilena macabra do governo ditatorial de Pinochet, e, nessa catástrofe pandêmica, aí é que é impossível mesmo de ser aplicada.

Os segmentos lúcidos de oposição deveriam, com urgência, abordar as grandes questões que precisam de respostas para ontem; como o País vai lidar com esse terremoto provocado pela atual pandemia sanitária.

Como enfrentar a catástrofe social dela decorrente, associada aos indicadores sociais que já vinham se acumulando em anos anteriores.

Como recuperar a economia que afeta milhões de pequenos e médios empresários, os segmentos na área de serviços, restaurantes e bares.

Qual a estratégia econômica para enfrentar o tsunami dos dezenas de milhões de desempregados pela pandemia, que se acumulam com os milhões de desempregados anteriores a ela. Além de dezenas de milhões de informais, também desesperados.

Como soerguer o parque industrial, já bastante debilitado e defasado, mesmo antes da crise sanitária.

Mesmo que o governo Bolsonaro não esteja interessado nessas e outras graves questões, cabe, minimamente, à oposição abordar os problemas candentes que se não forem tratados, vão levar o País ao caos absoluto, total.

Seria entre, outras coisas, uma proposta, uma plataforma, mínima, para tirar o Brasil, e acima de tudo o povo brasileiro, dessa tragédia que vai se acumulando rapidamente como uma bola de neve. Nessa frente ampla, todos entrariam, a nação a abraçaria com vigor e entusiasmo.

É a tarefa maior dos amplos setores oposicionistas ao governo Bolsonaro. Se não for uma estratégia, uma tática, um projeto, um programa, uma plataforma política de emergência, que seja, pelo menos, por razões humanitárias.

Porque mesmo não sendo, hoje, governo, as oposições têm imensas responsabilidades para com o destino do País, em um horizonte próximo. Mais próximo do que se possa imaginar.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Os Estados Unidos e a guerra híbrida





“O espírito é como um paraquedas. Só funciona bem quando está aberto”

Após o final da Segunda Guerra mundial, emergiu o protagonismo dos Estados Unidos como potência global.

Paradoxalmente, a Grã-Bretanha que enfrentou sozinha, com a Europa ocupada, a fúria das armas nazistas, suas cidades bombardeadas diuturnamente pelos aviões alemães, acarretando a morte de dezenas de milhares de civis soterrados nos escombros dos edifícios, essa mesma Grã-Bretanha, que saiu vitoriosa do conflito mundial, perdeu as extensões territoriais do seu vasto império colonial, em decorrência das lutas pela independência anticoloniais que varreram o planeta.

A União Soviética foi outra potência mundial que saiu vitoriosa do terrível confronto da Segunda grande guerra mundial, com um saldo terrível de 25 milhões de mortos, o maior entre as demais nações em beligerância.

Mas a URSS não só venceu a batalha contra o nazifascismo, como manteve e ampliou o seu espaço territorial, expandindo-o aos limites da Europa ocidental com a divisão da Alemanha nazista derrotada.

Estava inaugurada a época da chamada Guerra Fria, que perdurou de 1945 até o início dos anos 90 com a extinção da União Soviética. Mas o protagonismo global da Rússia, centro geopolítico da ex-URSS, depois de um breve período de debacle, ressurgiu a partir da liderança de Putin com a recomposição do seu espaço histórico de séculos e séculos.

Essa bipolarização mundial, entre os Estados Unidos e a URSS, determinou a configuração global em todos os níveis: militar, geopolítico, cultural e ideológico. E as suas consequências deixaram rastros até os dias atuais.

Por muito tempo, as lutas políticas no planeta estiveram carregadas de conteúdos ideológicos que opunham essas duas grandes potências, que praticamente dividiam o mundo em duas partes.

Muitos golpes de Estado deram-se com a justificativa da “ameaça soviética”, e muitas lutas de libertação colonial tiveram o apoio geopolítico, quando não militar, da URSS.

Tratava-se, em última instância, de reforçar o protagonismo global, comercial, econômico, geopolítico, cultural, ideológico, de cada uma das duas gigantes super potências.

Quem melhor definiu o que foi essa época, que ocupou a metade do século XX, foi o presidente francês Charles De Gaulle, herói da luta contra o nazismo, ao afirmar: quem desejar saber exatamente o que é a Guerra Fria, precisa olhar com muita atenção quais são os interesses geopolíticos dos Estados Unidos e da URSS.

De Gaulle foi um dissidente da divisão do mundo em dois grandes campos. Sempre defendeu o protagonismo independente da França, em meio a uma época turbulenta e perigosa.



Renasce o Império do Meio

“Quando a China despertar, o mundo irá tremer” (frase atribuída a Napoleão)

Na geopolítica atual, os Estados Unidos foram o grande beneficiário. Produziu uma formidável indústria militar, cultural, ideológica, midiática, e de diversões, que propagou o estilo norte-americano de vida aos quatro ventos do mundo, como se ele fosse o único, ou mesmo universal.

A extinta União Soviética que em 1917 promoveu uma revolução social contra um sistema opressor, herdou e não se desfez do antigo espaço do velho império czarista de muitos séculos.

Ao contrário, manteve e o ampliou. Falta à Rússia, hoje sob a liderança de Putin, reaver um único território que sempre foi a sua área “natural” de influência: a Ucrânia.

Mas, em 1949 ressurge, sob novas condições Históricas, o milenar Império do Meio chinês, depois de altos e baixos, ascensões e declínios, e uma época de profundas humilhações colonialistas.

A China é um ator de primeira grandeza no cenário geopolítico desde, quase, sempre. Mesmo quando não o quis ser, e voltou-se para si mesma, em uma das suas dinastias.

E hoje, é considerada a segunda maior economia do planeta, em franca ascensão. O seu traço principal é a expansão comercial, através de múltiplas parcerias e trocas comerciais. O Brasil é, hoje, um dos seus principais exportadores agrícolas e de matérias primas, e importador de produtos industrializados chineses.

A tentativa europeia

Já a Europa, séculos atrás o centro do mundo ocidental, perdeu a liderança para a exuberância imperial norte-americana, apesar da sua extraordinária cultura, tesouros arquitetônicos, e busca, através da União Europeia, reconquistar o seu papel na arena internacional.

Mas, o velho continente, composto por antigos e ex-impérios, debate-se internamente em rivalidades mútuas e históricas, além do protagonismo industrial, econômico e financeiro da Alemanha, que se soergueu da derrota na Segunda Guerra mundial e almeja a liderança do continente nessa atual união federativa europeia.

Os Estados Unidos fraturados

“O mundo moderno... tem como principal objetivo simplificar o que quer que seja, destruindo quase tudo”. (G. K. Chesterton, escritor britânico)



Com o extraordinário crescimento econômico da China, que em algumas décadas deixou de ser uma grande nação de quase miseráveis, toda uma população de uniformes azuis, dirigindo bicicletas, e passou a ser a segunda potência global, a caminho acelerado para o pódio superior, a hegemonia unipolar dos EUA, após a debacle da URSS em 1990, desaparece.

Some-se a esse fato, o reaparecimento da Rússia, o grande urso, como sempre foi chamada, com seu enorme espaço de influência recuperado, e poderio atômico-militar, herdado da ex-União Soviética.

Assim, a liderança mundial dos Estados Unidos se encontra abalada. E internamente estão divididos, praticamente ao meio.

De um lado, há o projeto de uma parte das suas elites que aposta na estratégia do isolacionismo, e no “excepcionalismo” de uma nação voltada para guiar a humanidade tal e qual a sua imagem e semelhança.

E frente à crise financeira global, defendem a reagrupação da sua indústria em seu próprio território, como diz o slogan “América First’, primeiro a América. Essas lideranças estão, basicamente, ligadas ao presidente Trump, ao partido Republicano no poder.

De outro lado, encontram-se as elites no partido Democrata, que insistem em reassegurar a hegemonia dos Estados Unidos pelos caminhos da própria globalização financeira e, com ela, definir estratégias para reassegurar o protagonismo norte-americano como nação líder do planeta.

Tanto os Republicanos como os Democratas disputam essa batalha entre os corações, as mentes e os votos nas eleições presidenciais e proporcionais, em novembro próximo.

Nesse confronto político radicalizam-se as linhas ideológicas. Daí é que surgiram as agendas identitárias que se auto intitulam de “direita” e de “esquerda”, em negação radical uma da outra, como se isso fosse possível na construção histórica dos EUA.

Os Democratas perderam as eleições passadas porque teriam abandonado as grandes linhas de administração e de políticas que falavam para o conjunto da nação e assumiram a orientação multiculturalista de parcelas da sociedade que passaram a condenar as grandes maiorias sociais por injustiças às chamadas minorias.

Abandonaram a visão central da nação, do sentimento de solidariedade, do espírito de oportunidade para todos e o dever público, perdendo o sentido do que compartilham como cidadãos e do que os une como nação.

Nos anos 60, a política pelos Direitos Civis significava a batalha das grandes maiorias sociais, ombreadas e junto às lutas das mulheres pelos seus direitos, contra o racismo, pelos direitos das minorias sexuais etc.

Mas a partir dos anos 80, essa política cedeu lugar a uma pseudopolítica de autoestima e autodefinição, cada vez mais autocentrada, estreita e autoexcludente e, por óbvio, condenando as grandes maiorias sociais que não pertencem às especificidades “classificadas” como responsáveis pelas injustiças históricas.

Assim as agendas identitárias passaram a ser vistas como uma doutrina professada basicamente pelas elites urbanas “esclarecidas” sem contato com todo o resto da população. As agendas identitárias reduziriam o espírito nacional ao grupo, ao indivíduo.

Já os identitaristas de “direita” espalham mentiras, promovem teorias da conspiração, consideram que há “uma onda comunista” em qualquer lugar, contexto, filme, livro, peça de teatro, no mundo da política etc. etc. Um verdadeiro caldo tóxico que termina promovendo todos os tipos de delírios e alucinações possíveis e inimagináveis, que se estendeu também ao bolsonarismo no Brasil.

Esses parágrafos acima foram extraídos do livro “O progressista de ontem e o do amanhã”, do cientista político norte-americano Mark Lilla, escrito logo após as últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos.

Perto das próximas eleições presidenciais americanas, as agendas identitárias não apenas continuam, como recrudesceram e adquiriram novas formas mais radicalizadas.

As agendas identitárias se propõem, no momento, destruir toda a História existente até o presente, e reescrevê-la como uma espécie de tábua rasa, em uma folha de papel em branco.

Para tanto, iniciaram pela destruição de monumentos e estátuas que indicam personalidades, como Thomas Jefferson nos EUA e Winston Churchill que, ao lado de Stalin e do presidente Roosevelt, liderou a Grã-Bretanha, absolutamente sozinha na Europa, frente às hordas nazistas de Hitler, poderosamente militarizadas. Em Portugal, o identitarismo atingiu alvos como a estátua do padre Antônio Vieira, e no Brasil, do padre José de Anchieta. Por enquanto.

Essas manifestações identitárias se espalharam pelo mundo ocidental a partir do assassinato, racista, covarde e brutal, de George Floyd, nos Estados Unidos, e chegaram a várias capitais no Ocidente. Em plena pandemia do corona vírus que já ceifou a vida de centenas de milhares de pessoas no mundo e no Brasil, e infectou milhões de pessoas. A cinco meses das eleições nos EUA.

Elas indicam que vivemos uma Guerra Híbrida, uma nova “revolução colorida”, diversionista, como a que atingiu os povos árabes anos atrás, com objetivos econômicos e geopolíticos específicos: fazer assegurar aos Estados Unidos a hegemonia cultural, ideológica, junto ao mundo ocidental, na atual, estratégica disputa comercial e política sino-americana.

Tudo isso em meio ao caos sanitário, à onda gigantesca de desemprego pelo mundo, à queda brutal do PIB em escala global, que assumirá forma dramática.

Mas, revela, igualmente, que os Estados Unidos ainda são uma nação poderosa, com um forte aparato midiático hegemônico, com capacidade de ditar as pautas ideológicas e culturais, pelo menos em grande parte do mundo ocidental.

Está correto o embaixador Marcos Azambuja quando alerta para a atual e errática política externa do governo Bolsonaro: somos um País destinado a encontrar convergências com muitos, e não com poucos. Éramos naturalmente criadores de amplos consensos - e não parte de alianças sectárias. Usávamos a nosso favor as muitas dimensões da nossa identidade. Parecemos esquecidos de tudo isso.

Temo que o agravamento das tensões e disputas entre os Estados Unidos e a China crie condições que devem nos obrigar a navegar com cuidado em águas que ficarão perigosamente agitadas. Temos que cuidar dos nossos imensos interesses em jogo e agir com racionalidade e lucidez.

O falso detetive Charlie Chan famoso em filmes nas décadas de 1930-1940, dizia sempre o seguinte: o espírito é como um paraquedas. Só funciona bem quando está aberto.

Em meio a essa tormenta sanitária, social, ideológica, comercial, geopolítica, o Brasil precisa encontrar os seus objetivos com base na centralidade da questão nacional, em nossos interesses estratégicos fundamentais.

Não podemos ficar à mercê ou alinhados a essa disputa ideológica, de uma guerra híbrida, e sectária, das correntes identitárias de “esquerda” e de “direita”. Uma, desejando vandalizar estátuas e monumentos, “reescrever” a História a partir do zero, e negar as grandes figuras emblemáticas, que são referências da nossa formação como povo, de uma sociedade singular e mestiça que somos.

A outra, querendo nos alinhar a um falso, também sectário, excepcionalismo do “ destino manifesto” ,“divino”, da missão norte-americana no mundo, que não corresponde à verdade, e à própria História.

Ambas as vertentes em confronto não nos servem, não refletem a nossa realidade, interesses, formação histórica, a possibilidade de caminhos ao nosso protagonismo como nação, que construímos até agora, com virtudes e deformações, porque não existe no planeta, nações unicamente virtuosas.

Esse é o rumo a que precisamos dar sequência, honrando o nosso legado de um País continental e promissor, com imensas possibilidades ao seu futuro.

sábado, 20 de junho de 2020

O colapso de um sistema




Não é que tudo ia bem e a pandemia global do corona vírus 19 foi um agente biológico externo que desestabilizou uma ordem mundial que funcionava com razoável eficiência.

O edifício erguido pela globalização financeira já apresentava fadigas de material, anunciadas pelos economistas, políticos e sociólogos, há bastante tempo.

Em primeiro lugar, porque seria impossível manter por tempo indeterminado uma acumulação financeira de centenas de trilhões de dólares, em mãos do capital especulativo parasitário, absolutamente predador, desvinculado dos investimentos nos setores produtivos das nações, que geram as riquezas materiais e impulsionam o desenvolvimento real das sociedades.

A alternativa, fartamente “vendida” como panaceia geral, em substituição à ausência da geração de riquezas materiais, foi, e tem sido, o inchaço fenomenal do setor de serviços, que formaria uma nova sociedade, uma nova classe média, um novo tipo de civilização altamente urbanizada e cosmopolita.

Como já se disse, através da neurociência, a propaganda produz o pensamento, o pensamento conduz aos sentimentos e o sentimento gera a crença. E essa “crença” foi difundida amplamente pelos meios de comunicação globais, as redes sociais, as chamadas “infovias”, sob a hegemonia do mesmo capital especulativo rentista.

Ao ponto que muitos passaram a acreditar que não existe um pensamento hegemônico, nem a mídia hegemônica. Seriam as redes sociais o revolucionário espaço de intercomunicação de uma sociedade mundial, mais democrática que jamais existiu, onde prevalece o protagonismo do indivíduo autocentrado, se comunicando com outros indivíduos, igualmente autocentrados.

Assim, foi constituída uma nova “crença”, uma nova maneira de enxergar o presente, onde já não mais se tratava de se envidar esforços coletivos em prol de uma sociedade próxima de uma cidadania mais igual, socialmente mais justa.

Inaugurava-se a paradoxal sociedade individual, a sociedade do “eu”, da internalização do indivíduo. Para esse objetivo, surgem, bastante municiadas financeiramente, as agendas identitárias, carregadas de toda uma justificativa pretensamente teórica, e de formadores de opinião, “líderes globais” que, aparentemente, surgem “das nuvens”, através das redes sociais.

Apesar dos alertas de Edward Snowden e Julian Assange, de que as redes sociais, o mundo digital, são uma poderosa cadeia de instrumentalização hegemônica, política, espionagem geopolítica, disputa empresarial e robôs direcionando a informação, e a opinião pública, mesmo assim, permanece a “crença” de um admirável mundo novo, onde o que é fundamental são as tratativas dos indivíduos e dos seus grupos afins.


O ressurgimento do protagonismo soberano

A sisuda e conservadora revista inglesa The Economist, voltada para o mundo das finanças, já alertava, em maio, ao seu público privilegiado, para a debacle do modelo econômico da Nova Ordem mundial, instituída pelo capital financeiro, especialmente o especulativo, com a seguinte manchete: Adeus Globalização.

No período anterior à pandemia, a economia global patinava em crescimento pífio, notadamente a partir da crise econômica mundial em 2008, iniciada nos Estados Unidos. Os índices de crescimento dos Países sempre apontavam para números, na média, entre um a dois por cento, no máximo, quando não negativos.

A divisão internacional da produção de riquezas não só debilitou como aumentou a dependência das nações a essa internacionalização das cadeias produtivas. Ao ponto que durante a pandemia atual, nações europeias não tinham ventiladores para os seus hospitais, como tiveram que importar máscaras para os seus cidadãos. Algo impensável em outras épocas.

Essa divisão internacional do trabalho simplesmente esfarelou as cadeias industriais da grande maioria das nações do mundo desenvolvido ou em desenvolvimento.

Mesmo na área agrícola, os agricultores europeus viram-se forçados a alguma divisão, reduzindo a autonomia alimentar da população, assim como a capacidade de exportação de muitos Países.

Porém, não é recente a opinião, no “velho mundo”, de que a comunidade europeia caminha para uma espécie de “germanização”, tendo em vista a força da indústria, complexa em ciência e tecnologia, e o poder concentrado do capital financeiro da Alemanha.

A explosão das grandes cidades, no período mais recente, deve-se ao crescimento descomunal do setor de serviços, tanto como ao desmantelamento da produção agrícola, em muitas nações.

Para uma população “anestesiada” pelo discurso da globalização, a democracia virou sinônimo, quase que exclusivo, de um consumismo desenfreado - refiro-me às elites e setores da classe média - de produtos cujas inúmeras cadeias de serviço disputam, entre elas, esses consumidores, avidamente.

A produção de filmes, séries etc., segue, quase, a mesma linha desse mesmo consumismo, retroalimentando-o.

Trata-se de um círculo contínuo e alienante. A cidadania e o respeito ao seu próprio País tornou-se uma ideia pejorativa, para ser afastada a todo custo.

O futebol, esporte das multidões, pela sua capacidade lúdica e apaixonante, transformou-se, quase, simplesmente, em um espetáculo bilionário e global, enquanto o carinho pelas cores das seleções de cada nação virou algo secundário, muitas vezes confundido como uma espécie de “patriotada”. Com o beneplácito de muitos cronistas esportivos.

Uma realidade perversa

A pandemia sanitária global foi como uma fórmula de reagente químico sobre a realidade já perversa. Aliás, um dia será escrito como essa epidemia transformou-se em uma pandemia, com tantos recursos tecnológicos e de saúde, sofisticados, a serviço da globalização financeira, para evitar essa catástrofe monumental.

Enquanto crescia uma classe média empregada no setor de serviços, a desindustrialização em cada País provocava uma massa formidável de desempregados formais, que se juntava a uma legião bem maior de subempregados.

O anúncio do Banco Mundial, de que a retração do PIB global será de 5,2% com a pandemia, além de ser otimista com a realidade, esconde a crise antes do corona vírus.

A queda do PIB europeu, anunciada pela Comissão da União Europeia, está prevista para 7,5% este ano. Que devem ser somados ao quadro econômico anterior à crise sanitária.

O FMI prevê uma retração econômica de 5,9% para os Estados Unidos com a pandemia. Mas se sabe do seu pífio crescimento econômico antes da tragédia sanitária.

A China, que ao contrário das orientações da globalização financeira em promover a divisão internacional da produção, resolveu fazer o oposto, produzir de tudo e qualquer coisa mais, e importar matérias primas, alimentos, para o seu gigante parque produtivo e população gigantesca. Quer dizer, a China está fazendo o jogo dela, os outros é que abdicaram de seus papeis estratégicos.

Ao ponto em que no começo da pandemia ela se transformou na, quase, única exportadora de ventiladores hospitalares e, incrível, até de máscaras, para o planeta.

O Brasil tem uma previsão de queda do PIB na base de 7,4% neste ano. O desemprego no País tem uma previsão, feita em abril, de crescimento dos 11,9 % em 2019, para 14,7% em 2020. Em suma, são dezenas de milhões de desempregados no setor formal, somados a outras dezenas de milhões na informalidade.

O único setor que cresceu foi a agricultura, seja em alta escala como de médios e pequenos produtores, mesmo com a pandemia. Em resumo, é a agricultura que vem sustentando o País.


Um mundo em transição

Não é de admirar que as nações estejam se rebelando contra a divisão internacional das cadeias produtivas da globalização, muito menos que a insatisfação social comece a atingir altas temperaturas em dimensão mundial. Ou seja, a centralidade da questão nacional adquire nova dimensão em escala global.

Quer dizer, os Países começam a se voltar para a ideia da recomposição completa das suas cadeias produtivas internas, na medida das suas potencialidades e recursos. E aqueles que não o fizerem, podem entrar em um novo ciclo histórico de subcolonização internacional Com as consequências da atual pandemia, associadas ao ciclo estagnado da Nova Ordem mundial, o que poderemos assistir é um período de caos social, profunda crise econômica, e intensa luta, com variados confrontos políticos.

No Brasil, o governo Bolsonaro, intolerante, reacionário, visivelmente esgotado, refém da sua própria narrativa de uma política neoliberal ortodoxa, do ministro Paulo Guedes, chega a um impasse político.

Assim como se encontra na contramão aos rumos de um novo projeto nacional de desenvolvimento estratégico, nestes novos tempos de uma encruzilhada Histórica.

Precisamos encontrar o nosso destino, democrático, com base nessa nova realidade global multilateral em transição, que vai se formando.

Porque somos uma nação com enorme manancial de riquezas, dimensões continentais, capacidade industrial e agrícola, potencial tecnológico, um grande mercado interno e imensa capacidade exportadora. Falta-nos o projeto estratégico, o rumo político. O que, evidentemente, é o que define tudo.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

O progressista de ontem e o do amanhã


Frente ao processo de radicalização política, no auge da pandemia do corona vírus 19, das pautas racialistas, das ofensivas contra estátuas e monumentos históricos, por exemplo, como Tiradentes, Padre Antônio Vieira e Winston Churchill, que liderou a Grã-Bretanha contra o nazismo hitlerista na Segunda Guerra mundial, ao lado de Stalin, do presidente Roosevelt, republico a minha resenha do livro do cientista político norte-americano Mark Lilla, publicada no Portal Bonifácio, um ano atrás. Pela simples razão que ele continua mais atual que nunca. Boa leitura.


Lutas identitárias trocam projeto político geral por evangelização de grupos

Eduardo Bomfim - 18/06/2019

Ao se ler o livro O progressista de ontem e o do amanhã do cientista político Mark Lilla, escrito após a vitória de Donald Trump, tem-se a certeza de que os seus argumentos e análises referem-se igualmente ao recente processo eleitoral realizado no Brasil, quase que literalmente.

Assim é que por aqui também parece existir a polarização entre os partidos Democrata e Republicano dos Estados Unidos, especialmente o confronto das políticas identitárias fomentadas desde os anos 80, sob a hegemonia do clã dos Clintons, apoiadas pelas estratégias dos grandes especuladores financeiros do tipo George Soros e outros, versus uma outra casta de financistas aliada ao presidente Trump.

Os democratas norte-americanos, afirma Mark Lilla, teriam abandonado as grandes linhas de administração e políticas que falavam para o conjunto da nação e assumiram a orientação multiculturalista de parcelas da sociedade, que passaram a condenar as grandes maiorias sociais por injustiças cometidas às chamadas minorias.

Abandonaram “a ideia e a visão central da nação, do sentimento de solidariedade, do espírito de oportunidade para todos e do dever público, perdendo o sentido do que compartilhamos como cidadãos e do que nos une como nação”, afirma Lilla.

Nos anos 60, prossegue, a luta pelos Direitos Civis significava a batalha de grandes grupos de pessoas em defesa dos direitos das mulheres, contra o racismo, pelo reconhecimento efetivo das minorias, que tinha a simpatia e adesão entusiasmada das grandes maiorias sociais.

Mas nos anos 80, continua o cientista político norte-americano, essa política cedeu lugar a uma pseudopolítica de autoestima e de autodefinição cada vez mais estreita, autocentrada e excludente, promovendo sucessivas fragmentações internas, visões tribais, e, por óbvio, a condenação das grandes maiorias que não pertenciam às especificidades classificadas, que seriam responsáveis pelas alegadas injustiças históricas, fazendo voltar-se a juventude para a própria interioridade e praticamente condenando o mundo exterior não pertencente aos grupos identitários.

Assim, o identitarismo passou a ser visto pelas maiorias sociais como uma doutrina professada basicamente por determinados setores das elites urbanas instruídas, sem contato com o resto do país, cujos esforços se resumem em zelar e alimentar movimentos hipersensíveis, que dissipam, em vez de concentrar, as energias da sociedade como um todo.

O identitarismo, ao contrário de negar as agendas do neoliberalismo radical, reforça-o, afirma Lilla, porque reduz o espírito da comunidade nacional ao indivíduo, ao grupo. Em consequência, o identitarismo deixou de ser um projeto político relevante e se metamorfoseou num programa de evangelização.

Espertamente, Donald Trump tirou proveito da crise estrutural, da desindustrialização que vivem os EUA e pôs a culpa nos democratas, sob a orientação do estrategista e marqueteiro Steve Bannon. O mesmo que atuou nas eleições no Brasil.

As políticas identitárias atuais dos democratas e o discurso demagógico, chauvinista da ala direita republicana de Donald Trump representam um dos tempos mais medíocres da história dos Estados Unidos.

De tal forma é a influência dessas duas correntes em disputa nos EUA, aqui no Brasil, que jornalistas e analistas afirmam que os blogs, portais, a grande mídia e o mundo da política nativa encontram-se cada vez mais alinhados e semelhantes à linha dos democratas e republicanos norte-americanos.

Exatamente nas coisas eivadas de uma carga ideologizada fora da realidade, que serve a interesses que promovem a desunião do povo brasileiro tais como uma antropologia binária, que não é a nossa formação histórica policrômica, mestiça, a nossa visão de um Estado laico, a tradição do culto de sincretismos religiosos tradicionais celebrados em muitas manifestações populares como as afro-católicas, por exemplo.

Assim como o alinhamento a um neoliberalismo extremado da Escola de Chicago que já não é praticado nem nos EUA, onde se pauta a independência do Banco Central, mas não o dos EUA, eufemismo para doação do nosso BC às finanças globais, uma reforma da Previdência Social que privilegia o sistema financeiro, penaliza a classe média e os pobres, privatização de empresas estatais estratégicas, etc., etc.

A política externa é alinhada, com as tintas de religiosidade puritana, à visão supremacista do governo Trump.

Desvia-se da tradição multilateralista do Itamaraty na mediação diplomática e dos nossos objetivos nacionais, abrindo mão da liderança regional hemisférica, cujas consequências têm sido a crescente presença geomilitar da Rússia, a comercial da China, na região perigosamente conflituosa como a Venezuela.

Resultado do vácuo que vai sendo deixado pela ausência de uma diplomacia estratégica eficiente, mediadora e propositiva.

Essas potências estão jogando o jogo delas, o Brasil é que está abrindo mão do seu papel histórico.

Já setores de “esquerda” insistem nesse discurso identitário, que a levou a uma derrota eleitoral “acachapante” e plebiscitária, cuja matriz é patrocinada por megaespeculadores como George Soros e ONGs que atuam no mundo visando desestabilizar, fraturar os povos.

É surreal a existência de 800 mil ONGs atuando alegremente no País, muitas delas contrárias à nossa soberania, desenvolvimento econômico, associadas a países que sabotam o nosso protagonismo internacional.

São pertinentes várias observações feitas por Mark Lilla. E diante desse caldo tóxico de ódios, intolerâncias mil, “guerras ideológicas”, da pós-verdade onde o que menos vale é a análise concreta da realidade concreta, a racionalidade, é aconselhável ficar com os princípios indeclináveis em defesa da nação, do espírito progressista, das liberdades democráticas.