sexta-feira, 28 de setembro de 2018

O “mercado” defende os seus, por André Araújo



Nos países centrais do capitalismo, Estados Unidos e Reino Unido, não passa pela cabeça de um jornalista político de primeira linha procurar saber a opinião de um rapaz da bolsa sobre eleições para chefe de governo ou chefe de Estado. O “mercado” "NÃO" é um ator político.

A política se define no mundo político, não na bolsa, o espaço da política é muito mais importante e não se sustenta nos “mercados” e sim em plataformas mais altas.

A pobreza da vida política brasileira, desde o Governo Collor, fez desaparecer o time dos políticos de primeira linha e com isso subiram ao pódio atores secundários, coadjuvantes, simples figurantes, a quem ninguém no passado pedia opinião porque essa não tinha importância alguma, faltava a sabedoria, a qualidade, a legitimidade.

Hoje nos comentários políticos chama-se o “mercado” a opinar, como se fossem deuses.

Mas qual mercado? Há muitos e variados e eles não falam uma só língua. O agronegócio tem sua lógica, os caminhoneiros tem outra e contraria, qual prevalece? Quem é importador tem um tipo de interesse, quem exporta tem outro, quem fabrica quer uma política, quem distribui quer outra, o construtor de imóveis quer crédito barato, o aplicador quer juro alto.

Nos anos Vargas e JK o que hoje se chama “mercados” eram então as CLASSES PRODUTORAS.

Eram os grandes industriais e comerciantes, que se contrapunham à CLASSE TRABALHADORA.

Tratava-se de figuras de peso e consistência, capitães de indústria como se falava, experientes, sofisticados, refinados muitas vezes, suas mulheres eram as mais elegantes, gente traquejada nos negócios e na vida. Eram ouvidos com respeito, mas o mundo da política era outro e não se movia a não ser lateralmente por essas vozes e nem girava em torno delas.

Hoje a mídia econômica trata o mercado pelo que ele não é, o mercado NÃO é a plataforma onde se administram os interesses do País, nem os “investidores” que o mercado representa, o que no Brasil se considera “o mercado” são agentes dos investidores e não os próprios. Esse ente coletivo NÃO tem a compreensão e nem a dimensão de todos os interesses do País, quem vê o País como um todo, como um conjunto de interesses, valores e estratégias é o ESTADO.

Quando Trump, certo ou errado, age contra as exportações chinesas ele está visando o interesse do País como um todo e não apenas o interesse das companhias globalizadas que preferem um mercado americano aberto ao que vem de suas fábricas na China. Não é problemas dessas empresas os desempregos que os produtos chineses geram dentro dos Estados Unidos, mas é problema do Presidente, ele foi eleito por causa desse problema.

Não tem sentido se tentar no Brasil colocar “o mercado” como árbitro de eleição. É uma diminuição, um apequenamento da questão nacional, muito maior que o “mercado”, que nesse contexto é apenas a plataforma de capital volátil que circula pelo mundo e dá uma parada no Brasil. NÃO é definitivamente a estação onde desembarcam as empresas da economia produtiva que interessam ao Brasil e que aqui aportaram mesmo nos momentos de mais alta inflação MAS com crescente demanda de seus produtos no Pais. Algumas empresas como GM, Ford, Siemens, Lever, Goodyear, Abbott, Lilly, Exxon, Shell, estão no Brasil a bem mais de CEM anos, esse é o investidor que interessa ao Brasil e que não é entrevistado pelos comentaristas econômicos da mídia ignorante, esse investidor não está todo dia em eventos frequentados pela mídia, não é disponível para dar entrevistas a qualquer hora.

Então a mídia se encosta nas corretoras, gestoras e bancos de investimento como SE esses personagens fossem a economia do País. ELES NÃO SÃO, é apenas um pedaço visível e nunca o maior da economia, muito mais complexa do que a Av. Faria Lima e o Leblon.

Hoje os comentaristas econômicos alardeiam aos quatro ventos que foram a eventos onde ouviram o que pensa o mercado sobre esse ou aquele candidato, sua opinião pesa enormemente, não é apenas uma cortesia ouvi-los. Que pequenez, que pobreza, que coisa micha, minúscula, medíocre, de pé de chinelo, a política cruzando talheres com cambistas.

QUAL É O MERCADO QUE SE OUVE?

O chamado “mercado” consultado com reverência pela mídia é o MERCADO ESPECULATIVO de ações e câmbio, são os “rapazes da bolsa” cujo ÚNICO interesse é o deles, só eles.

Não estão nem aí para o País, para os desempregados, para os pobres biscateiros, para as periferias, para o futuro dos jovens sem futuro, nem para o País que legarão a seus filhos.

A “meta” (eles adoram metas) deles é ganhar os tubos no mercado aqui e dar o “bye bye Brazil”, mudando eles e suas peruas para Miami, com o dinheiro lavado aqui.

Não lhes passa pela cabeça e não tem o mínimo interesse pela indústria e empregos no Brasil, pela educação no Brasil, pelo sistema de saúde publica no Brasil, pelas carências de saneamento e infra estrutura no Brasil, nada disso interessa, o negócio deles é o “eu mesmo”.

É esse o mercado aloprado, badalado e consultado pelas Veras, Elianes, Andreias, Denises, é a opinião deles sobre os candidatos que elas querem ouvir. Pobre Brasil, um grande País que se encolheu na mão de gente pequena e insignificante, inculta, sem grandeza e sem visão.

Enquanto isso, Rússia, China e Índia crescem como potências porque o Estado deles é respeitado, a visão de Pais e de povo é central na política, a sociedade se orgulha de sua cultura, de seus costumes, de sua língua, de sua música, de seus projetos de Pais. O Brasil está ameaçado de cair na lata do lixo da História, acontecimento que será reportado pela GLOBONEWS com direito a luzes e show de tolices, enquanto o mercado especula com a desgraça do Brasil menor, trilha de passagem dos fundos especulativos globais.

O Brasil está na categoria dos grandes países continentais com projeção de poder estratégico por sua expressão territorial, demográfica, econômica, cultural e ecológica, é preciso que haja consciência de sua dimensão muito acima e além de ser apenas um simples mercado.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

O Manifesto em defesa da nação

Republicamos para uma profunda reflexão o Manifesto à nação de 6 de junho de 2017 escrito pelo ex-ministro e ex-presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, subscrito por milhares de personalidades e segmentos da vida pública brasileira.

A atualidade do Manifesto à nação diante do agravamento da crise política, econômica e institucional é candente.

Da sua publicação inicial aos dias atuais, a crise multilateral que se abate sobre o País agravou-se intensamente.

A união do povo brasileiro em defesa do Brasil, da democracia, da soberania nacional, da justiça social, da sua identidade cultural torna-se ainda mais premente.

O País necessita da união nacional da sociedade, na convivência dos contrários, da tolerância no convívio democrático, ou ao que tudo indica vai marchar para um clima de radicalismos polarizado em posições extremadas e irreconciliáveis, que nos conduzirá ao agravamento dos múltiplos fatores de instabilidades que hoje presenciamos. O manifesto em si mesmo dispensa outras apresentações .





MANIFESTO PELA UNIÃO NACIONAL

“Não precisa o Brasil ser dividido, é melhor união progresso e paz”
(Geraldo Amancio, poeta e repentista)


O Brasil vive grave e profunda crise, que ameaça seu futuro de Nação livre, próspera e soberana. O esforço de nossos antepassados, sem temer sacrifícios nem renúncias para construir a País é posto à prova pela atual desorientação sobre que rumos seguir para ampliar a independência e a autonomia nacionais, elevar o bem-estar material e espiritual da população e proteger o convívio democrático entre os brasileiros. As rupturas operadas na ordem institucional geraram um quadro de aguda polarização, agravado pela recessão econômica, pelos altos níveis de desemprego e subemprego, e pela violência em suas variadas formas. A sociedade brasileira encontra-se dividida, desorientada e desalentada, com sua agenda pautada por atores e interesses minoritários, e mesmo antinacionais, ambiente ideal para a proliferação de várias formas de morbidez social, entre elas a corrupção.

Somente a união de amplas forças políticas, econômicas e sociais, em torno de uma proposta de reconstrução e afirmação nacional, pode abrir caminho para a superação da crise atual. Tal proposta não pode ser apenas uma plataforma de metas econômicas e sociais, mas deve buscar sua inspiração no estado de espírito capaz de mobilizar amplamente os diversos atores da sociedade, com o objetivo comum de ver o País progredir de forma que os benefícios do desenvolvimento sejam percebidos por todos eles, levando-os a se sentirem como seus protagonistas ativos. Este projeto exige como pressuposto que a defesa e o desenvolvimento do Brasil sejam o fundamento para assegurar a efetiva expansão dos direitos sociais e da democracia.

A elaboração e implantação do projeto de construção e afirmação nacional não poderão limitar-se à classe política, mas terão que ser compartilhadas pelos mais diversos segmentos representativos da sociedade. Isto exige o afastamento de toda sorte de preconceitos motivados por ideologias e maniqueísmos, que se mostram insuficientes e limitados para permitir o entendimento da situação. Acima de tudo, é necessário abandonar a enganosa dicotomia entre Estado e Mercado, que tem servido apenas para mascarar a captura das estruturas do primeiro por coalizões de interesses particulares, substituindo-a por uma eficiente cooperação entre o poder público e a iniciativa privada, em prol do bem comum, como ocorreu e ocorre em todos os países que conseguiram enfrentar e remover os desafios no caminho do desenvolvimento duradouro e sustentável.

As gerações que nos antecederam ergueram material e espiritualmente o Brasil, em quatro grandes movimentos, a saber:

1) a formação da base física, a conformação do território, do ano zero de 1500 e da originária Terra de Santa Cruz, ao Tratado de Madrid, em 1750, que configurou de forma aproximada as atuais fronteiras nacionais e iniciou o processo de mestiçagem que caracterizou a formação social brasileira.

2) a epopeia da Independência, consolidada em 1822, representada nas figuras luminares de Tiradentes e José Bonifácio, Patriarca idealizador de um projeto de Nação que ainda guarda grande atualidade.

3) a fase da defesa e manutenção da unidade territorial, com D.Pedro I e D.Pedro II e que se encerra com a libertação dos escravos em 1888;

4) a República proclamada por Deodoro da Fonseca e consolidada por Floriano Peixoto, que tem o apogeu em Getúlio Vargas e seu ambicioso programa de industrialização e modernização do Estado, pondo em prática aspirações anteriores dos movimentos Sanitarista, Tenentista e da Nova Educação. A partir de Vargas o Brasil oscilou ao sabor das correntes varguista e anti-varguista, até os nossos dias.

Hoje, nos marcos da economia globalizada e com o País em condições mais favoráveis que no passado, temos a missão de iniciar um novo projeto nacional, o quinto movimento, em três direções e três objetivos:

1) ampliar a soberania nacional com o pleno desenvolvimento econômico, científico, tecnológico e dos meios de defesa do País;

2) elevar a qualidade de vida do povo brasileiro com a redução das desigualdades sociais; proteção da infância e da maternidade, acesso à educação de qualidade, saúde e saneamento básico; combate sem tréguas ao crime organizado e valorização da segurança pública contra o banditismo em todas as suas formas;

3) fortalecer a democracia e a tolerância na convivência entre os brasileiros, com realização de uma reforma política que liberte nosso sistema político do controle de interesses corporativos e oligárquicos e assegure o predomínio dos grandes debates dos temas nacionais na esfera pública.

A crise nacional acontece em meio a um quadro global de mudança de época, marcado por:

a) agravamento das consequências socioeconômicas negativas da globalização dirigida pelas finanças especulativas internacionais;

b) alteração do eixo geoeconômico mundial para a Eurásia-Pacífico;

c) emergência de um cenário de poder multipolar, em contraposição à unipolaridade do período posterior ao fim da Guerra Fria;

d) novas revoluções científicas e tecnológicas e rápida introdução de tecnologias inovadoras (Quarta Revolução Industrial), com profundos impactos sobre as formas de produção de bens e serviços, níveis de emprego, relações de trabalho, qualificação da força de trabalho e as próprias relações sociais em geral.

Todos esses aspectos terão influência determinante para o necessário projeto nacional brasileiro, que, por sua vez, é condição decisiva para exercer influência sobre a dinâmica global. Por isso o projeto nacional brasileiro precisa contemplar a relevância continental do País, que ocupa metade da América do Sul, representa cerca de 50% da economia da região, faz fronteira com dez outros países e representa a força motriz potencial para a integração física e econômica do subcontinente. O Brasil deve assumir definitivamente o papel de liderança benigna e não hegemônica do bloco sul-americano, dando-lhe “massa crítica” para participar de forma eficaz e positiva na reconstrução da ordem mundial que está em marcha.

É fundamental que o sistema financeiro reoriente seus esforços para estimular e apoiar as atividades produtivas. Os títulos da dívida pública não podem continuar sendo o investimento mais rentável do País, como ocorreu no período de 2001-2016, muito acima de qualquer atividade produtiva. A aspiração ao desenvolvimento não pode ser bloqueada pelos interesses rentistas locais ou estrangeiros.

A reversão da desindustrialização que afeta o País é crucial. O Brasil tem regredido dramaticamente em capacidade industrial, principalmente no segmento de alta tecnologia, impactando as camadas médias da sociedade, com a perda de empregos qualificados e de melhor remuneração. A despeito da rapidez do processo, ainda temos uma das dez maiores e mais diversificadas bases industriais do mundo. Além de recuperar a capacidade produtiva, é determinante requalificar todo o setor industrial para enfrentar o desafio da Quarta Revolução Industrial, baseada em elevados índices de automação e conectividade, e intenso fluxo de inovações tecnológicas de ponta.

A retomada do desenvolvimento brasileiro exige a estruturação de cadeias produtivas de maior valor agregado baseadas em conhecimento nacional. Isto, por sua vez, requer a ampliação dos investimentos públicos e privados em todas as dimensões da educação e geração do conhecimento e de sua aplicação inovadora na economia nacional, incluindo o apoio efetivo e criterioso à capacitação e elevação da produtividade das empresas nacionais. O Estado Nacional deverá passar também por uma profunda reforma que incorpore e internalize no seu sistema de controles o princípio da incerteza que rege a descoberta científica e a dinâmica da inovação, de forma a não travar a atividade de pesquisa ou inibir a criatividade do empreendedor.

Aos alarmantes índices de deficiências educacionais da população matriculada na rede de ensino, soma-se a crescente degradação do ambiente escolar, com o aumento da violência e o abandono das noções de disciplina e hierarquia, sem as quais o esforço de aprendizagem está fadado ao fracasso. A realidade tem demonstrado que além da destinação de recursos é urgente a retomada da questão educacional como prioridade central do Estado, que deve protegê-la dos vícios do corporativismo, enaltecer o papel do professor e restaurar sua autoridade dentro da sala de aula e na sociedade.

A agricultura, a pecuária e a agroindústria constituem ativos econômicos, sociais, culturais e geopolíticos de grande importância para o Brasil. Mesmo enfrentando a forte e subsidiada concorrência dos criadores e agricultores europeus e norte-americanos, nossos, pequenos, médios e grandes produtores abastecem o mercado interno e ganham cada vez mais espaço no comércio mundial de alimentos. O status de grande produtor de grãos e proteína gera para o Brasil, além de divisas, respeito crescente num mundo cada vez mais carente de segurança alimentar. O Brasil deve valorizar social e culturalmente seus trabalhadores, criadores e produtores rurais, protegê-los com financiamento, crédito e seguro; destinar recursos para ciência, tecnologia e inovação para melhorar a produtividade de todas as atividades a eles relacionadas.

As Forças Armadas são instituições fundadoras da nacionalidade e do Estado Nacional e cumprem a dupla missão de defender e construir o País. Do programa nuclear ao nosso primeiro computador, da pesquisa espacial, indústria aeronáutica e defesa cibernética, as instituições armadas têm cumprido papel de vanguarda e pioneirismo. Cumprem missão humanitária socorrendo os índios e ribeirinhos da Amazônia ou as vítimas da seca no sertão nordestino sem perder o etos de organização de combate e de defesa da Pátria.

Portanto, é preciso valorizar e reconhecer as Forças Armadas brasileiras, seus feitos e seus heróis, seus valores, patriotismo e elevado espírito de generosidade e solidariedade para com a comunidade. Tal atitude deve ter sentido educativo para as crianças e para a juventude exposta ao ambiente de corrosão dos valores da nacionalidade com que convivemos no dia a dia.

A política ambiental deve refletir um real compromisso com o desenvolvimento sustentável do País, em vez de simplesmente se enquadrar em agendas formuladas por atores e interesses externos. Entre outras prioridades, deverá enfocar as deficiências em saneamento básico, disposição de lixo, ocupação irregular de áreas de risco, e a ampliação da infraestrutura de previsão e resposta a emergências causadas por fenômenos naturais.

Da mesma forma, é preciso uma urgente redefinição da política para as populações indígenas, compatibilizando-a com o direito de toda a população a uma evolução civilizatória digna, respeitando-se as suas tradições culturais e sua contribuição decisiva para a constituição da identidade nacional. Somente assim será possível assegurar-lhes uma integração gradativa à sociedade nacional, como cidadãos plenos e aptos a dispensar, eventualmente, a tutela permanente do Estado.

Alvo de pressões e cobiça internacional, a Amazônia clama por ações efetivas de controle e afirmação da soberania sobre seu imenso território, e por políticas públicos de estímulo e apoio ao seu desenvolvimento e de proteção de suas populações indígenas e ribeirinhas e da biodiversidade.

Nossa produção artística e cultural, em sintonia com os grandes movimentos da Nação, inventou o Brasil ao longo da sua história. É importante defender e promover o rico e variado patrimônio cultural da Nação brasileira, sua língua, suas tradições e múltiplas manifestações, sua criatividade e seu potencial de desenvolvimento econômico, enfrentando as práticas concentradoras e restritivas dos grandes conglomerados internacionais da mídia e da internet.

O Brasil deve promover e exaltar a participação da mulher na construção do País e reconhecer em nossas antepassadas indígenas, africanas e europeias relevante papel na constituição da Nação e na formação da identidade do povo brasileiro.

A luta sem trégua contra o preconceito racial no Brasil se impõe pela valorização da herança e contribuição africana na formação da cultura e da identidade nacional brasileira e pela celebração da mestiçagem como traço decisivo de nosso legado civilizatório. Devemos repudiar qualquer tentativa de se introduzir no Brasil modelos importados de sociedades que institucionalizaram o racismo em suas relações sociais.

O combate à corrupção deve ser um objetivo permanente da sociedade e do Estado, mas não se pode paralisar o País a pretexto de se eliminar um mal que é endêmico nas economias de todo o mundo.

O Brasil precisa voltar a crescer. Esta é a questão central. Não há como sanear as finanças públicas sem que a economia cresça e a arrecadação tributária aumente. Não há como se negar que o Brasil precisa de reformas que corrijam distorções, eliminem privilégios corporativos, facilitem a empregabilidade e o funcionamento da economia. Mas não haverá equilíbrio da Previdência se não houver emprego e arrecadação. Não haverá reforma que convença o empreendedor privado a investir se não houver perspectiva de demanda. E para o Brasil voltar a crescer, o primeiro consenso a ser alcançado é que todos se convençam disso. Nenhum homem ou mulher de boa vontade irá se opor a algum sacrifício se isso significar esperança para si e futuro para seus filhos. Mas todos precisam abrir mão de alguma coisa. São inaceitáveis reformas que descarreguem o peso do ajuste sobre os ombros dos mais fracos e protejam os interesses de grupos elitistas que concentram o patrimônio nacional.

O Brasil é um País rico, principalmente em recursos humanos. Se todos puderem compartilhar do desenvolvimento dessa riqueza ele será mais próspero e feliz. Ninguém é contra que os mais capazes e talentosos se enriqueçam. Ninguém é contra que quem empreenda tenha a justa recompensa pelo seu esforço. Mas o Brasil não precisa, não deve e não pode ser tão desigual. Esse é o grande acordo que precisa se estabelecer na sociedade brasileira. É em torno desse ideal transcendente de grandeza nacional e de justiça que devem se unir os brasileiros de todas as classes, profissões, origens, condições sociais e credos.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Mares e alfinetes

Meu novo artigo:


O cientista, astrofísico Carl Sagan, 1934-1996, muito popular durante a segunda metade do século XX, âncora de um programa de televisão sobre astronomia, Cosmos, costumava afirmar: eu não sei para onde vou, mas sei que estou a caminho.

Há um provérbio árabe que diz: Quem espalha alfinetes não deve andar descalço.

Essas duas sábias observações, vindas de culturas e épocas distintas expressam, paradoxalmente, situações como o momento que vive o Brasil. Podemos dizer que não é só o País, mas uma tendência mundial.

Isso é verdade, mas não explica as nossas atuais especificidades como nação, e de todas as demais, que possui a sua própria formação cultural e Histórica.

As atuais eleições no País são uma representação objetiva de uma sociedade desorientada que não sabe para onde vai, polarizada em ódios e sectarismos difusos, sem causas relevantes para o bem maior da sociedade, submetida a uma Guerra Híbrida cuja função principal é a fratura do nosso corpo social.

Nessas condições, o fanatismo conduzido através de um primarismo emocional dá a tônica ao Não Debate político e eleitoral, salutar em qualquer sociedade democrática que se preze.

Apesar das evidentes consequências provocadas pela conhecida Guerra Híbrida, que substitui a guerra convencional armada contra outro País, com o potencial de destruí-lo sem a necessidade de se dar um único tiro, muito menos de uma única baixa do exército invasor, há outras razões que também explicam o desnorteamento nacional.

Quando não se sabe que se está a caminho, como disse Carl Sagan, a tendência é o predomínio do pragmatismo absoluto, sem rumos ou projetos que orientem a nação, os indivíduos e as sociedades.

Como um veterano das lutas de esquerda, nacionalista e democrática, vejo, com responsabilidade, essa desorientação que atingiu os principais espectros das forças políticas da nação.

Daí que, sem projetos, assoma o radicalismo estéril, a retórica rasa em campos antagônicos que se retroalimentam um precisando do outro para se afirmar em ideologismos, o que não é igual a Ideologia.

A especulação financeira, de outro lado, impõe para os seus interesses de lucros estratosféricos uma agenda diversionista, do Politicamente Correto, com vistas a fraturar a sociedade.

Esse é em resumo o retrato das eleições presidenciais: a Guerra Híbrida, as ações da agenda global do Mercado rentista, a ausência de amplos caminhos das forças políticas.

Por isso surge com força o ódio, a intolerância, e por trás da retórica da “convicção” que exclui qualquer outro ponto de vista, há na política a prática que espelha o utilitarismo exclusivista e, por mais contraditório que pareça, o Conformismo com a atual sociedade, o País e até mesmo como indivíduo.

Nesse cenário a democracia vem sendo solapada passo a passo, até porque quem ganhar as eleições não será reconhecido pela outra parcela da população, apesar do pronunciamento do presidente do STF, Dias Toffoli, o que contraria as regras básicas de uma sociedade democrática.

O Brasil é inevitável pelo seu papel Histórico, tamanho continental, quinta maior nação do planeta, oitava economia global, população superior a 200 milhões de habitantes, protagonismo geopolítico mundial inarredável. Crises sempre existiram, acontecem e passam.

Mas é fundamental a restauração da convivência social entre os contrários, a defesa da soberania ameaçada abertamente, rumos para a nação, a defesa da democracia. O povo brasileiro bem que pode se inspirar no provérbio, anônimo, do Mar: o marinheiro não reza por ventos favoráveis; ele aprende a navegar.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Ensaio de orquestra

Meu novo artigo:


Artigo recente na mídia remeteu-me ao último filme de Federico Fellini, Ensaio de Orquestra.

Nos anos setenta e oitenta do século passado, a nação italiana vivia um confronto de radicalização que culminou numa escalada de violência e assassinatos promovidos por grupos de extrema esquerda, tipo Brigadas Vermelhas, assim como de vários grupos de extrema direita.

Sobressaltados, os cidadãos assistiam a notícias de sequestros, atentados à bomba em edifícios públicos, empresas privadas, associações sindicais e muitas outras coisas, como o assassinato do primeiro ministro Aldo Moro.

Nesse período, os extremismos fanatizados deram a tônica e os rumos de um País rico em cultura, no Direito, nas artes em geral.

Não mais existia o diálogo, a política iniciou a partir daquele momento uma escala descendente até a sua quase total anulação, culminando com a famosa Operação Mãos Limpas que destruiu as principais organizações políticas, e a ascensão ao poder por longos anos do poderoso magnata da comunicação Silvio Berlusconi, uma espécie de caricatura pós-moderna de Mussolini.

O filme de Fellini retrata o caos vivido pela Itália através de uma orquestra que se rebela contra o maestro, destituindo-o. Mas que em seguida os seus músicos entram em um processo de total desorientação, convulsão anárquica no desespero geral em que ninguém mais se entendia, não haviam mais referências, a situação descambou para as agressões físicas e morte.

Até que surgiu alguém com a mão de ferro para botar ordem na casa cuja semelhança física com Adolf Hitler era real. Fellini fazia uma analogia da Itália, através da orquestra no seu filme cujo desfecho foi uma gigantesca bola de ferro para por abaixo toda a estrutura do edifício onde ensaiava a orquestra.

O incrível nisso tudo é que o genial cineasta italiano foi criticado pelos extremistas de esquerda por não os apoiar e também pela extrema direita pelas mesmas razões, quando na verdade ele denunciava o delírio furibundo e incontrolável que tomava conta da Itália, e alertava para a grande vítima no processo. A democracia.

Evidente que aquela era a época da Guerra Fria, mas o Brasil de hoje não se encontra longe do felliniano Ensaio de Orquestra, através da chamada Guerra Híbrida de Quarta Geração cujos conceitos, estratégias e técnicas o grande diretor jamais chegou a conhecer.

No Brasil a tal da Guerra Híbrida estreou em movimentos de massas em 2013 e de lá para cá não mais parou de ser acionada, conduzindo o País a uma tempestade de ódios que vem atingindo o paroxismo, onde reina absoluta a intolerância, nenhuma base racional. Neste caso quem também pode ser ferida de morte são a democracia e a nação.

Os interesses nacionais e a própria democracia são argumentos laterais, e não centrais, de grande parte dos atores nas eleições.

Na escalada do ódio, a perda da perspectiva da discussão dos problemas nacionais e da sociedade encontra-se em quinto plano, no contaminado e extremamente tóxico ambiente político do País, onde pululam teorias da conspiração e notícias falsas como se fossem capim na pradaria.

Apelos à razão e ao bom senso mais vulgar é fazer o jogo do outro lado. Lideranças políticas, em grande parte, ou foram engolidas por esse clima ou perderam o controle das suas bases.

Mas nada disso é ao acaso, faz parte do processo de desestabilização, da fratura da sociedade brasileira onde a antiga máxima do império romano, dividir para reinar, se impõe com força.

De tal forma que seja qual for o lado que ganhar a eleição, não terá o reconhecimento da outra parte da sociedade, uma característica do jogo, da vida democrática nos Países.

O pragmatismo e a política sempre andaram juntos, mas política sem rumos e projetos nunca deu em boa coisa. Assim a Guerra Híbrida, tudo indica, vai atingir estágios superiores de fragmentação da sociedade brasileira. E sem sociedade não existe sentido de nação. Em nosso caso, de Brasil.

Para usar um jargão no mundo da política: esse é o principal jogo jogado, em paralelo à campanha eleitoral.

Tudo isso é terreno fértil para o veneno do fascismo, para facilitar os interesses forâneos contra a nação, dos especuladores rentistas, dos espertalhões do Mercado financeiro que lucram milhões de dólares a cada publicação das pesquisas eleitorais.

No clima de ódios polarizados apelos à razão parecem chover no molhado e fazem pouco sentido, embora nunca sejam demais. A ação contra o País e a sociedade, que vem de fora, obedece a processos sofisticados, mesmo utilizando-se de ideologismos primários, useiros e vezeiros em outras ocasiões como na primavera árabe, na “revolução rosa”, na “revolução laranja” etc.

A defesa da sociedade, da plena vida democrática, vai se deparar com uma batalha cada vez mais complexa em um País reconfigurado por essa nova realidade.

Será fundamental compreendê-la, estudá-la melhor, para a sobrevivência do Brasil, da sociedade em crise, para a nossa continuidade como nação protagonista, soberana e democrática.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Rebeldia e conformismo

Meu novo artigo:


Iludem-se aqueles que imaginam estar presenciando o ápice da intolerância política e psicossocial no País. Ela vai aumentar substancialmente a escalas exponenciais.

O Brasil possui indiscutível expressão territorial, populacional, econômica, estratégica, que nem o pior governo do mundo poderá destruir, por isso é que ele é inevitável.

No entanto, essas condições excepcionais de um gigante internacional, a quinta maior nação do planeta, com uma população superior a 200 milhões de habitantes, imensas riquezas naturais, uma potência continental, não é antídoto suficiente para o processo contínuo de envenenamento a que a sociedade vem sendo submetida ao longo de umas décadas.

Aliás, não é só o País que vem sendo submetido a essa onda tóxica de ódio, de um contra todos e de todos contra qualquer um, trata-se de fenômeno global.

Mesmo que seja um clichê já usado, o mundo encontra-se submetido a uma agenda dirigida pelo capital financeiro especulativo, da agiotagem internacional.

Os megaespeculadores se tornaram, efetivamente, os donos de, quase, todo o mundo. Interferem nos organismos internacionais, ditam as regras e os comportamentos das sociedades, encontram-se por trás dos principais conflitos globais, comerciais, diplomáticos ou militares, buscam promover ou derrubar lideranças políticas, desde que lhes seja conveniente.

Saímos de uma época em que a máxima era “viva e deixe viver” e passamos ao período do “politicamente correto” onde o cidadão, a cidadã, tornam-se prisioneiros de regras que ditam como, de que forma, e onde é “o seu quadrado”, a “sua caixinha de pensar e agir”. O mundo jamais teve tantas regras: pode isso, não pode aquilo etc. E no entanto as sociedades nunca foram tão caóticas. O extraordinário desenvolvimento científico e tecnológico não se encontra a serviço da lucidez ou da liberdade humana.

Mas é um templo perfeito ao exercício do pragmatismo vulgar como estilo de convivência social e política, de competição sem regras consensuais da mínima solidariedade social e humana.

O que vale é como o indivíduo cria as condições perfeitas para atropelar os demais, para atingir seus objetivos na escala da competição profissional. A chamada Guerra Híbrida no Brasil, e no mundo, utiliza-se, invariavelmente, de dois polos antagônicos, através de grupos midiáticos globais, das redes sociais.

É como dois fios descascados conectados, o positivo e o negativo, provocando ondas de choques emocionais sistemáticos na sociedade. Quanto mais ódios espalhados e fúrias sociais polarizadas, melhor se atinge o objetivo de fraturar o tecido social. É assim, a “criminalização” do próximo. O pensamento conservador liberal e tolerante, de antes, foi induzido a um tipo de extremismo reacionário de direita ao tipo fascista.

Setores ponderáveis da esquerda abdicaram de um projeto de nação com características nacionais, socialmente mais justa, aderiram, paradoxalmente, a uma agenda global patrocinada pelo Mercado que anula as identidades, as especificidades culturais do seu País. Enfim é, como disse Eric Hobsbawm, o presente contínuo, o Alzheimer Histórico.

As eleições no Brasil vêm refletindo, já há algum tempo, um sentimento de perplexidade psicossocial, uma orfandade de projetos reais, onde surgem, pela falta de rumos, confrontos de fanatismos, incapazes de convivência e tolerância.

Diagnósticos concluem: atualmente nunca existiram tantos jovens infelizes caminhando sobre a Terra, exatamente quando o mundo se transformou num “parque temático” de “inteligência”, “direitos”, esbanjando “gente bacana”.

Assim, a rebeldia hoje é a luta constante através do pensamento crítico. Ou você se rebela ou é domado pela agenda do sistema financeiro global. Seria o conformismo pragmático. Cada escolha tem suas consequências. Como sempre, nada é fácil.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

O processo

Meu novo artigo:


O incêndio que devorou o Museu Nacional e consumiu a maior parte do seu acervo valiosíssimo, é descaso gravíssimo que por todas as informações tem responsabilidades acumuladas em décadas.

Tanto como as chamas que destruíram o palácio, da época de D. João VI, que abrigava o próprio Museu, porque ele celebrava, era testemunha, e continua sendo, da existência do contínuo Histórico nacional.

Nenhum País do mundo que se preze, seja qual for o regime ou sistema de governo, comete esse ato contra a sua própria História, ao contrário, faz todos os esforços para manter o seu patrimônio cultural, arquitetônico, a própria memória, em nome do passado, do presente e às futuras gerações, ou que seja por investimento em turismo.

Especialmente o Brasil, que é a sétima economia global, a quinta maior nação do planeta em dimensões territoriais, com mais de 200 milhões de habitantes e um protagonismo geopolítico estratégico.

A tragédia do Museu Nacional além do mais é um sinal dos tempos atuais, um alerta dramático e simbólico aos desdobramentos da realidade nacional que persiste há alguns anos.

Está certo o economista, escritor André Araújo quando afirma: “o processo e prisão do ex-presidente Lula, cuja popularidade e recall no exterior são um vasto capital político ao País, no primeiro momento teve a percepção comprada pelo valor de face, vendida pela mídia brasileira.

Nos últimos meses esta visão está se esvaindo e a ideia que Lula praticou um crime comum se nulifica, porque trata-se de um processo criminal com provas indiciárias e não provas materiais, coroando a fragilidade da condenação com escasso valor monetário do alegado delito, frente à dimensão do cargo de presidente de um dos maiores Países do mundo. A miudeza do fato choca por si próprio".

E continua o economista: “a mídia brasileira se fixou na formalidade do processo do caso Lula, mas a opinião pública internacional não compra mais esse pacote”. Depois de fazer uma alusão aos processos de Moscou em 1938, diz André Araújo:

“Impressionou na avaliação estrangeira a unanimidade das sentenças sem qualquer dissenso normal em casos de julgamentos de políticos, a conclusão foi a de que juízes pertenciam ao mesmo grupo ideológico atuando como força tarefa, portanto as confirmações de sentenças ao invés de provocar convencimento, aumentaram as dúvidas”. Há exceções.

“Graves violações da vontade popular são crises institucionais contratadas” e continua André Araújo “emparedar a democracia pode ganhar uma batalha, mas o custo Histórico pode ser muito alto mais à frente”.

Assim, os fatos vão se sobrepondo às interpretações ideológicas, ao consenso formalista, casuístico, construído inclusive pela grande mídia. E a crise só aumenta em escala galopante por vício de origem.

Na terça-feira, 04/09, noticiou-se que dois dos principais institutos de pesquisas, o Datafolha e o Ibope, suspenderam a divulgação de pesquisas já realizadas, gerando boatos seja sobre o crescimento do candidato Jair Bolsonaro, seja sobre um crescimento ainda maior de Lula, que já é líder disparado em todas as avaliações dos institutos de pesquisa. Ou até sobre a consolidação do nanismo eleitoral de Alckmin.

De toda maneira essa crise não tem como encontrar um sinal de normalidade democrática, como desejam as forças do Mercado financeiro ou os diversos responsáveis pelo cenário em curso.

Ela só tende a aumentar em falta de legitimidade. Já se vem dizendo, faz um bom tempo, que ou as lideranças políticas e econômicas nacionais encontram uma saída que atenda às expectativas das grandes maiorias sociais ou vamos assistir a novos e imprevisíveis desdobramentos institucionais em algum momento.

O Brasil possui “indiscutível expressão territorial, econômica e estratégica que nem o pior governo do mundo pode destruir”. Por isso ele é inevitável. Mas não resolve o imbróglio em que o voluntarismo jogou o País.

Ainda restam escassos espaços para uma legítima, democrática, concertação das forças políticas nacionais, que atenda aos anseios das grandes maiorias sociais, da soberania nacional, cada vez mais aviltada, antes que as chamas da insensatez consumam o que resta do cenário democrático e institucional. E depois, sabe-se lá o que virá, mas não será o que deseja a sociedade e a nação.

domingo, 2 de setembro de 2018

Um vulcão ativo

Meu novo artigo:


Um conhecido veterano militante de esquerda, nos idos de 2006 disse-me com a plena convicção de uma sentença, em contraposição a argumentos de preocupações sobre a realidade brasileira: “não existe isso, o País tem uma democracia consolidada!”. Hoje em dia faz parte dos que denunciam o impeachment contra a presidente Dilma e os seus desdobramentos até os dias atuais.

O grande problema atual, nessas três últimas décadas, é que muita gente acreditou que no Brasil havia, finalmente, um regime democrático totalmente sustentável, a partir da promulgação da Constituição de 1988.

As novas gerações, inclusive de militantes de esquerda e ativistas de redes sociais, foram educadas com essa mesma visão, que lhes passaram “gurus” de várias espécies, na economia, na grande mídia, com seus sociólogos e cientistas políticos engomadinhos, de sotaques indecifráveis.

A discorrerem sobre um País asséptico, globalizado, em que tanto faria analisar os fenômenos surgidos aqui como em New York, Londres ou Paris, como era chamado antes o Circuito Helena Rubinstein da moda. A realidade seria a mesma, os anseios da sociedade idênticos, as características culturais iguais.

Esse sonho, ou pesadelo, foi vendido, e comprado, nas academias, em muitos estratos artísticos, entre os jornalistas, nos chamados “ativistas sociais”, de tal maneira que se tornou o verniz que encobriu os problemas do Brasil real, das grandes maiorias da sociedade.

Quem incentivou, financiou essa visão de País foi o Mercado Financeiro, especialmente o especulativo, com os seus megaespeculadores, a exemplo de George Soros e suas ONGs, cuja finalidade seria a pasteurização do discurso político e cultural por aqui. E funcionou, ainda funciona. A interpretação do Brasil verdadeiro foi chutada para as calendas gregas, salvo os muitos resistentes conhecidos.

Nem os Estados Unidos, a França, a Inglaterra encarnam semelhante idealização na vida prática ou na sua História. A Inglaterra transformou-se em uma nação do primeiro mundo sobre uma imensa pilha de cadáveres de um império colonial “onde o sol nunca se punha”, como eles próprios diziam. Até hoje a sua política externa é bruta e a realidade interna da maioria da população inglesa está distante do “politicamente correto” adotado pelos filhos da classe média inglesa. A realidade para os demais é pesada.

A charmosa cidade de New York que nos é vendida pelo sistema Globo de TV, e a Globo News voltada para a classe média e as elites, é também outra, muito barra pesada, que o digam os imigrantes legais ou ilegais de lá.

A cidade foi edificada sob os violentíssimos e mortais confrontos entre as gangues de New York que representavam grupos antagônicos de colonos, que disputavam o poder entre si, imortalizado pelo diretor de cinema Martin Scorsese.

Os Estados Unidos trazem até hoje consigo dois conflitos cujas feridas ainda estão abertas: o apartheid que vigorou, oficialmente, até os anos 1960 passados, quase como na África do Sul, e a Guerra Civil americana onde morreram mais de 1 milhão de norte-americanos, número de vítimas jamais superado em outras das dezenas de guerras em que se envolveram, inclusive as primeira e segunda guerras mundiais. Algumas causas da atual divisão nos EUA provêm dessa época.

A França, oh a França culta, sua História é um verdadeiro banho de sangue interno com as guilhotinas sobre as cabeças dos adversários rolando dia e noite incessantemente, onde a revolução burguesa não tendo a quem mais, devorou os seus próprios filhos, em um período conhecido como O Terror. Além do mais, o refinamento da cultura francesa repousa sobre os escombros do colonialismo de ontem e o neocolonialismo de hoje. Que o digam os vietnamitas, os argelinos, os africanos hoje etc.

Mas o que procuram passar os intelectuais, objetiva e subjetivamente, mentalmente colonizados? É copiar essas nações porque suas Histórias foram civilizadas. É como uma socióloga paulista disse anos atrás: “por aqui são quinhentos anos de nada”. Por isso, entre outras coisas, o que vale é a agenda do “politicamente correto” que eles, generosamente, inventaram e nós inteligentemente adotamos como solução definitiva aos nossos males de origem.

A História do Brasil também nunca foi tranquila, mas ao contrário, carregada de sérios conflitos, muitas vezes à bala.

Para não retroceder a outras épocas mais remotas da nossa breve trajetória como nação, citamos a revolta dos Tenentes em 1922, a revolução de 1930 que deu início ao processo de modernização do País com Getúlio Vargas. Essa foi uma revolução real de conflitos políticos e militares, com mortos, feridos e tudo mais.

Em 1932 as oligarquias cafeeiras de São Paulo rebelaram-se contra a vitoriosa revolução de 1930. O País todo levantou-se contra as oligarquias paulistas e atacou São Paulo em intenso combate político e militar.

As elites paulistas guardam até hoje mágoas do resto do País pela derrota, inclusive parte da sua elite acadêmica, em todos espectros políticos. Em 1935 houve uma tentativa de rebelião, basicamente militar, nos quarteis, sob a liderança do PCB, Partido Comunista do Brasil. Debelada. O que causou imensa repressão contra intelectuais, militantes progressistas. Os comunistas tinham feito uma análise extremamente equivocada da realidade brasileira, mas a III Internacional em Moscou nela teria acreditado, endossando-a. Alguns analistas contestam que os líderes soviéticos tenham aceito tal informe dos comunistas brasileiros.

Além desse episódio, houve em 1938 a tentativa de insurreição armada dos Integralistas, vertente de massas, no Brasil, do nazifascismo que vivia o seu auge com o avanço da Alemanha nazista e da Itália fascista de Mussolini. Foram igualmente derrotados, e consequente repressão.

Getúlio Vargas, líder e promotor da revolução de 1930, que modernizou o Brasil, inclusive nos direitos trabalhistas, sob pressão, renunciou em 1945, voltou em 1950 ao poder pelo voto popular e, acossado pela reação, suicidou-se em 1954, derrotando com esse gesto seus adversários.

Juscelino que interiorizou o País com a construção de Brasília, só tomou posse quando eleito, porque o Marechal Lott colocou os tanques na rua, fechou um canal de TV que fazia campanha contra a sua posse, prendeu gente, e Juscelino governou, apesar de duas tentativas de golpe, de Jacareacanga e Aragarças, abafadas. Juscelino, estadista e hábil político, anistiou os revoltosos.

O governo nacionalista de João Goulart foi pego em meio a uma escalada da Guerra Fria. Para derrubá-lo armou-se uma conspiração interna e externa. Muitos, pouco estavam ligando para a tal da Guerra Fria. Queriam o poder político e o mando do País. O golpe de 1964 foi mais civil que militar, mas os civis golpistas, que eram a maioria das elites brasileiras, conseguiram passar incólumes no processo recente da revisão do golpe.

Com a exceção do jornal Última Hora de Samuel Wainer, toda a imprensa brasileira da época conspirou e apoiou abertamente para a derrubada de Jango, incluindo religiosos. Era o perigo comunista que batia à porta. A toda poderosa hoje Globo, promotora atual das agendas do politicamente correto, publicou um editorial redimindo-se do “erro em ter apoiado o golpe de 1964”.

Jamais vai se safar desse ato perante a História. Até porque já está metida de novo em uma conspirata à qual, nem ela, dona quase absoluta da opinião midiática nacional, sabe, no momento, para onde vai. O Brasil vive um quadro institucional kafkiano.

A Folha de São Paulo, porta voz do pós-modernismo multicultural, não só apoiou o golpe como ajudou o processo repressivo durante o a vigência do regime. Enfim, o Brasil não é para iniciantes, como disseram.

Após a promulgação da Constituição de 1988 que encerrou o ciclo autoritário o Brasil viu-se diante de duas questões: a ânsia da ressaca do autoritarismo que fez com que a Constituinte centrasse os seus esforços em assegurar todos os diretos civis, e outros mais, que tinham deixado de existir, e a ausência de uma carta magna voltada para um projeto de Estado nacional.

Os governos subsequentes aprofundaram o espírito autônomo das corporações do Estado, criando uma constelação de instituições poderosas que defendem o seus próprios protagonismos e poderes, desvinculados de qualquer rumo nacional, abrindo amplos espaços para a hegemonia do Mercado Financeiro, interesses externos das grandes potências, e a absoluta hegemonia de uma grande mídia associada às estratégias desse Mercado financeiro.

A consequência é a violência institucional que vivemos no presente. Nessas condições, a política e a vida democrática só atrapalham os poderosos grupos e estamentos do aparelho de Estado e midiáticos que controlam o País. Assim, essa crise atual não surgiu do éter. O pior é que as forças políticas partidárias coonestaram com ele ou porque nele acreditaram na resultante ou porque não o entenderam.

Durante a época após a Constituição de 1988 todos os presidentes eleitos sofreram a tentativa de afastamento, dois foram impedidos, sem a participação das forças armadas, através da luta social sob vários argumentos, uma espécie de “fora todo mundo, menos eu”, especialmente a corrupção, que é o principal mote até os dias atuais, nenhum sob a primazia da legalidade democrática, demonstrando vocação autoritária, mesmo sob bases populares, de organizações sociais.

Assim, o Brasil não tem uma democracia consolidada de longo curso. Nunca teve, as forças políticas jogam pesado, as elites não brincam em serviço, a mídia é poderosa e implacável, as corporações do Estado viraram, cada uma delas, protagonistas dos seus próprios interesses. Esse é o quadro da atual crise dramática que vivemos. Mas a única via correta é a democracia através da atividade política em bom senso e respeito à legalidade constitucional, embora o atual ciclo Histórico mostre sinais evidentes de esgotamento.

As recentes gerações não têm a ideia, ou não foram educadas para tanto, de que o País não é uma vasta terra de consolidados hábitos democráticos. O Brasil é um vulcão ativo que, vez em quando, entra em erupção cuspindo lava por todos os lados. Aliás, o planeta é um vulcão em erupção.

A melhor maneira de participar é defender a via democrática, discutindo os caminhos da nação, as suas necessidades fundamentais, sua agenda para o desenvolvimento, o aperfeiçoamento da vida democrática, defendendo os interesses nacionais, diminuindo as abissais desigualdades sociais, ou qualquer outro tipo de injustiças.

A História das outras nações foi e tem sido lavrada em sangue e conflitos tenebrosos. Essa coisa de “noblesse oblige” europeia é produto de exportação para os outros.

A globalização financeira, George Soros e megaespeculadores, “venderam” ao Brasil e ao mundo, especialmente a partir do século XXI, uma interpretação da História, da cultura, da vida real, da geopolítica, das artes, do contínuo Histórico das nações, inteiramente ficcional. E tanta foi a força da grande mídia global, e o investimento, bilhões de dólares, que atingiram os objetivos que pretendiam. Um estágio de descolamento da realidade em parcelas importantes da população. Especialmente em setores médios.

A luta em defesa permanente da democracia, da vida política, dos interesses da nação, dos avanços sociais é, como sempre foi, tremenda, inconstante, difícil, cheia de armadilhas, exige atenção e persistência. Bem vindos, apesar dos pesares, ao Brasil, e ao mundo real.