quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Aquecimento político global

Meu novo artigo:


O Financial Times, conhecido jornal britânico ligado ao capital financeiro mundial, elegeu em dezembro de 2018 o bilionário especulador rentista George Soros personalidade do ano, pelos valores que ele representa. Nada mais coerente para o principal jornal das finanças globais.

De acordo com a matéria, a escolha da personalidade do ano sempre decorre das realizações do eleito, no caso, do bilionário especulador. A seleção ocorre, também, pelos valores que o indicado defende.

Presidente do conselho da Soros Fund Management e da Open Society Foundations, Soros é doador de verbas ao Partido Democrata americano e também às “causas progressistas”, informa o veículo de comunicação das grandes finanças mundiais. Resta saber o que o jornal considera “causas progressistas”.

Na verdade, George Soros ganha fortunas incalculáveis com a especulação financeira mundial a curto prazo, enquanto se agrava a crise econômica das nações e sociedades, e é promotor de um conjunto de ideias programáticas conhecidas como a agenda das Políticas Identitárias.

Cujo mote central tem sido a transmutação das questões nacionais e sociais e portanto dos próprios cidadãos, por uma outra visão, a de que o mundo deve marchar para um conjunto de formulações baseadas nas políticas das afirmações das interioridades dos indivíduos.

Das autoafirmações supremas individuais e de grupos, através de variadas características tais como gênero, raça, sexo, meio ambiente etc., com base nas formulações dos chamados “novos filósofos franceses” que adquiriram notoriedade a partir de Maio de 1968.

Com a desregulamentação radical dos fluxos do capital financeiro e com ele o rentismo predador, Soros transformou-se cada vez mais influente em todos os Países. Tem sido responsabilizado por uma série de desestabilizações em várias nações do planeta.

De uma certa maneira, mesmo que bastante contraditória, existe uma certa semelhança entre a cruzada do megaespeculador financeiro George Soros e as novas concepções neotrotsquistas de uma revolução mundial, só que a de Soros seria através das agendas identitárias, com investimentos bilionários.

A sua fundação Open Society possui sedes em muitas cidades, inclusive em São Paulo, que são visitadas por várias personalidades daquilo que muito cientistas políticos denominam a “Nova Esquerda”, aderente às agendas difundidas por Soros e outros especuladores.

Soros, e vários especuladores rentistas, são adversários implacáveis da questão nacional dos povos e se batem pela mais completa e absoluta liberdade dos fluxos globais do capital financeiro, além de uma cultura mundial que lhes dê sustentação, defesa, e ativismo entusiasta, assim como acadêmico e intelectual. Essas duas questões têm sido a principal cruzada de George Soros.

Com o brutal agravamento das condições de vida das pessoas e sociedades, vítimas das políticas econômicas da globalização financeira, índices pífios de crescimento econômico, quando não negativos, desemprego, aumento da criminalidade, sucateamento dos serviços coletivos, como saúde e educação, salários etc., as populações começaram a se sublevar, como os coletes amarelos em Paris. Insubordinações que possuem caráter reativo, não de plataformas políticas programáticas.

Além disso passaram a votar contra partidos políticos que consideram que não os representam, não importa a matriz ideológica, a cor das suas bandeiras.

Nessa situação, que está em pleno movimento, as Agendas Identitárias que identificam o ideário de várias organizações da Nova Esquerda, mas não exclusivamente delas, passaram a ser referência das políticas econômicas da globalização financeira que as sociedades repudiam.

Emmanuel Macron, presidente da França, eleito por uma coalizão dirigida por banqueiros para por em prática as políticas do capital financeiro, resolveu sobretaxar os combustíveis, que vão finalizar nos preços das mercadorias básicas, sob o argumento que seria um imposto a favor da tese, hegemônica, do aquecimento global.

Respondeu-lhe uma irada senhora dona de casa francesa: não me importa o fim do mundo, quero é saber como chegarei com o meu salário cada vez mais minguado no fim do mês.

A grande mídia hegemônica vem tratando essas manifestações de massas, que devem se estender por grande parte da Europa, como de “extrema direita, fascista ou de nacionalistas populistas” com o objetivo de estigmatizar os levantes sociais.

É óbvio que existam elementos de direita, assim como de esquerda ou anarquistas, nas manifestações.

Porém, negar as causas fundamentais das indignações sociais e não as associar às consequências geradas por décadas às políticas econômicas, financeiras dominantes, e dirigidas ao brutal processo de acumulação do capital financeiro, é um erro fatal de avaliação da realidade.

Esses levantes sociais não estavam no radar das principais organizações políticas, de esquerda, centro ou direita, como queiram se auto intitular. Os repúdios sociais podem acontecer através de manifestações de rua ou pela via eleitoral, como foi o caso do Brasil, caracterizam-se como difusas revoltas contra o sistema. E contra aqueles que estão mais visíveis à sua frente.

O problema é que os partidos políticos, inclusive os ditos representantes das agendas identitárias, da Nova Esquerda, não possuem alternativas políticas ou propostas exequíveis às indignações sociais.

Muitos que se situam no âmbito da Nova Esquerda, tornaram-se por inércia ou incompreensão, em partidos considerados como associados ao sistema repudiado. Ficaram, assim, paradoxalmente, conservadores, identificados ao próprio sistema, mesmo que usem retórica e iconografia de “esquerda”.

Faltam-lhes a compreensão, e buscam justificativas para as suas derrotas fora da realidade objetiva, da irritação social crescente, encontram-se sem perspectivas.

As sociedades não vão consultar os partidos de direita, centro, ou da nova esquerda, ou ao “petit roi” o “reizinho dos financistas” Emmanuel Macron, como diz a mídia francesa, e seja lá quem for, para saber se eles concordam ou não com as suas insubordinações.

Porque é exatamente o contrário, as forças políticas é que devem ter a lucidez de compreender as revoltas das sociedades agoniadas com as suas péssimas condições de vida. E aliás, por que deveria ser mesmo o contrário?

As sociedades estão igualmente defendendo sua cultura, valores, percebem, ao seu jeito, que a nação é para elas um bem valioso que deve ser preservado, em detrimento de qualquer pseudointernacionalismo da globalização financeira, que só lhes tem causado danos e prejuízos. Isso é um fato e uma constatação.

À sua maneira, passam a defender a centralidade da importância da Nação em suas reinvindicações essenciais. Podem inclusive eleger figuras “toscas”, “místicas”, reacionárias, “fascistas” que se apresentem como favoráveis às suas reinvindicações, às causas das suas revoltas.

As sociedades também não podem ser responsabilizadas pelos equívocos políticos táticos dos chamados setores progressistas. E por que deveriam? Nem estão preocupadas com isso.

É evidente que se o “toscos”, os “reacionários”, como dizem no Brasil de Bolsonaro, não corresponderem aos seus reclamos, será repudiado nas urnas ou nas ruas, em algum momento mais adiante. Isso é um comportamento da História social dos povos.

Que o diga Macron: promoveu o Eco Imposto sobre os combustíveis contra o aquecimento global e teve como resposta o aquecimento político enfurecido da sociedade francesa.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

180 milhões de brasileiros fora da política econômica, por André Araújo


O Estado inclui a totalidade daquilo que se considera NAÇÃO, inclui a memória do passado, a História do País, a população presente, as gerações futuras, o Estado não é somente um acerto de contas orçamentárias, é muito mais do que isso.



180 milhões de brasileiros fora da política econômica, por André Araújo

Qual o foco da política econômica de Paulo Guedes? São os trinta milhões de brasileiros que têm renda segura e vida financeira estabilizada, e os demais 180 milhões?

São 60 milhões de desocupados, a soma dos desempregados do mercado formal mais os que desistiram de procurar emprego mais os subempregados mais os autônomos biscateiros. Precisa de confirmação? São 64,3 milhões com ficha suja no SERASA, o pobre só perde o crédito quando NÃO tem mais nenhuma renda. Por qualquer lado que se olhe a imensa massa da população brasileira está mal de vida. Qual a mensagem do plano Paulo Guedes para eles? Virem-se, você não estão no radar, não há nenhuma política para os pobres, ao contrário, vamos cortar o máximo em seguro desemprego, bolsa família, aposentadoria por invalidez.

Ministro da Fazenda precisa ter vasta visão de País, de Estado, de povo, de geopolítica, não pode ser um mero operador de bolsa, câmbio e juros. Essa pequenez que aflige hoje o mundo econômico brasileiro com colocação de empresários com foco micro em funções que exigem visão macro e especialmente uma noção de Estado, que é muito diferente de mercado.

O Estado inclui a totalidade daquilo que se considera NAÇÃO, inclui a memória do passado, a História do País, a população presente, as gerações futuras, o Estado não é somente um acerto de contas orçamentarias, é muito mais do que isso.

A SITUAÇÃO DOS POBRES PARA 2019

É visível a olho nu, não é preciso o trabalho profissional do IBGE, para se notar o avanço da miséria, dos desajustes sociais, da desesperança da população brasileira mais carente, desde a classe C que teve no passado emprego e uma perspectiva de melhora de vida, até os muito pobres ou miseráveis, das classes D e E, não só em um arco geral, mas especialmente nas faixas mais jovens. Um vasto contingente de 20 milhões de indivíduos entre 14 e 24 anos sem escolaridade adequada, sem treinamento profissional, sem apoio mínimo para ter alguma perspectiva de futuro. Essa população tinha esperança entre 1950 e 1980, hoje não.

Na nova política econômica não há ABSOLUTAMENTE NADA para essa população de adultos, velhos, jovens e crianças, é como se ela não existisse, ou pior ainda, um estorvo.

O “dream team” dos “Chicago boys” do projeto Paulo Guedes é muito mais pro-mercado do que os economistas do Real, que apesar de neoliberais tinham uma certa visão de País.

Os “Chicago Boys”, portadores de uma teoria econômica inteiramente superada e desconsiderada nos EUA de hoje, fazem questão de não ter visão social alguma, seu inimigo é exatamente o Estado, um ente que para eles nem deveria existir. São inimigos do Estado, no limite eles pretendem que o País não precise de Estado para existir, tampouco reconhecem diferenças entre os países que desenvolveram um estágio maior de economia de mercado, Inglaterra e EUA e países de outra formação histórica como o Brasil, Índia, Rússia e China, onde o Estado tem uma forte raiz construtiva. O Brasil teve Estado antes de ter povo e o Estado é quem criou o País em 1822. Uma outra trajetória que é muito diferente dos Estados Unidos, onde o povo chegou antes do Estado, são formações diferentes.

A cultura da competição, lastro filosófico do neoliberalismo, tem pés de barro no Brasil. O Plano Real criou toda uma aura de desejada competição no setor bancário, com a vinda de bancos estrangeiros como arautos da concorrência. Nada aconteceu. O mercado bancário nunca foi tão cartelizado como hoje no Brasil, após a liquidação dos bancos estaduais sob o pretexto do “Estado mínimo” e com a esperança de que só com bancos privados haveria mais concorrência. O mesmo aconteceu no mercado de combustíveis, acabou o tabelamento histórico, sob o pretexto de aumento da competição, com o que se cartelizou o mercado pelo qual os preços sobem quando a cotação internacional do barril e do dólar sobe, MAS os preços não caem na contramão. De Setembro a Novembro o preço da gasolina na refinaria caiu 46 centavos e nas bombas cai no máximo 4 centavos. Essa é a competição neoliberal em terreno construído por outra lógica cultural onde a moldura de regência tem peso essencial.

A regulação do Estado é fundamental nas sociedades que têm histórico de berço onde não existe o DNA de competição pura do estilo inglês e americano. Essa realidade é reconhecida na Europa continental e se projeta para a América Latina. Querer impor a ferro e fogo uma cultura neoliberal de corte anglo-americano, sendo outras as bases culturais, jamais dará certo. O risco é a importação do pior dos efeitos do neoliberalismo selvagem sem nenhum de seus benefícios civilizatórios. Importam-se os defeitos e as qualidades não se impõem por falta de ambiente cultural e aceitação social, os atavismos são terríveis instrumentos da realidade.

O PODEROSO ESTADO AMERICANO

A Escola de Chicago foi desmontada duas vezes na história econômica dos EUA. Na sua primeira fase, em 1929, quando seu grande mentor, Irving Fisher, disse duas semanas antes do “crash” de 24 de outubro de 1929 que a “economia americana nunca esteve tão sólida”. Isso dias antes da maior crise econômica do século até aquela semana. Desmoralizado, Fisher desapareceu do mapa. A segunda Escola, a de Milton Friedman, foi desmontada na crise de 2008, causado pelo “livre mercado” e resolvida pelo Estado, desconstruindo a mística.

Mas é bom frisar que a Escola de Chicago e suas vertentes nunca foram unânimes nos EUA, nem no seu apogeu nos anos 70 e muito menos agora. As escolas de economia da costa leste, chamada de “salt water schools”, especialmente MIT e depois Harvard, têm hoje muito maior prestígio intelectual do que a Escola de Chicago. Incensada por saudosistas brasileiros, nos EUA de hoje ninguém mais leva a sério suas derrotadas lições. Até mesmo a eleição de Trump, no conceito brasileiro um nacionalista econômico, é contraponto às ideias neoliberais.

Na verdade a História dos EUA teve sempre um forte e sólido Estado a amparar a economia.

Hoje todo o setor agrícola americano existe pela mão do Estado através de subsídios em larga escala, seguro agrícola suportado pelo Estado, crédito à agricultura dado pelo Estado (Commodity Credit Corp.). O enorme incremento do etanol de milho produzido nos EUA só existiu por causa de um super subsídio do Tesouro americano, sem o que o etanol de milho é inviável economicamente. Mas o Estado americano subsidia por razões estratégicas.

Todo o setor de hipotecas de habitação popular nos EUA é estatal, assim como maior parte da geração de energia hídrica (TVA), os trens de passageiros (Amtrak), os aeroportos, portos, transportes coletivos nas metrópoles, bem como saneamento, água e esgoto, rodovias pedagiadas, são estatais, não sob a forma de empresas, mas sim como “entes públicos” com o nome de “Authority”. A presença estatal na economia americana é ENORME, ao contrário do que inventam os “Chicago boys” brasileiros. Hoje, longe de serem “boys”, são velhotes bem gastos e de mente antiquada, démodés, vivem do passado de glórias dos tempos de Pinochet no Chile dos anos 70, apogeu da Escola de Chicago até a queda do então Ministro da Economia Sergio de Castro. Quando o próprio Pinochet viu o estrago que os Chicago boys causaram, mandou prender o ex-Ministro Castro e reverteu sua política econômica.

A QUESTÃO DO AJUSTE FISCAL

O déficit primário da União e dos Estados no Brasil é causado por dois fatores: o NÃO crescimento que derruba a arrecadação fiscal enquanto as despesas de custeio são constantes e crescentes e os monumentais gastos de vencimentos e de aposentadoria e pensões da elite do funcionalismo dos três poderes, gastos que crescem a taxas muito maiores que os demais custeios do Estado, tomando parcela cada vez maior dos orçamentos.

Nenhuma dessas causas dos déficits fiscais se deve aos pobres. As despesas típicas para essa parte majoritária da população não só não crescem como diminuem na União e nos Estados.

Nas propostas de “ajustes fiscais” os alvos não são as elites do funcionalismo e sim as verbas típicas da pobreza como seguro desemprego, bolsa família, auxílios doença, aposentadoria rural mais as verbas de saúde pública e educação.

Já no conjunto da economia, é a gigantesca despesa de juros da dívida pública o maior dispêndio do custo geral do Estado, seus beneficiários são os bancos e os rentistas, a camada mais alta da população brasileira, que estão nos 30 milhões do grupo de padrão de vida elevado, consolidando a concentração de renda tanto pelos salários e aposentadorias da elite do funcionalismo como pelos rentistas que auferem renda do sistema financeiro.

A AUSÊNCIA DE UM PLANO DE EMERGÊNCIA PARA RECUPERAÇÃO DA RENDA

Sem aumento da renda da massa da população não haverá demanda nova para justificar investimentos na produção de bens e serviços. O novo investimento privado só virá quando a capacidade ociosa, hoje existente na indústria, for ocupada. No setor de cimento, bom para medir a ocupação da indústria, a capacidade não usada é de 60%. As indústrias só investirão quando ocupada toda sua capacidade em um turno e numa segunda fase se partirá pra um segundo ou terceiro turno sem investimento físico. Só quando se esgotar o aproveitamento das linhas usando o mesmo equipamento e instalação e houver indicadores sólidos de maior demanda é que ocorrerão novos investimentos em capital físico e isso hoje está longe de acontecer. Reformas, restabelecimento da confiança e outros indicadores de mercado financeiro não são suficientes como gatilho de crescimento da economia, que irá patinar com pequenas oscilações de índices, comemorados como “início de um novo ciclo”, o que não são. Oscilações milimétricas dentro de uma recessão são a regra, nada é constante em economia, mas isso não indica por si só um novo ciclo de crescimento como a toda hora a mídia econômica faz, com “fake News” sobre novo crescimento inexistente.

UM MODELO ECONÔMICO FRACASSADO

O atual modelo econômico instalado em 1994 com o Plano Real completa 24 anos com um DÉFICIT NOMINAL, isso é o déficit primário mais a conta de juros da dívida pública, de 7,5% do PIB. A dívida pública cresce TODO ANO à razão desse mesmo déficit, já chegando nos 80% do PIB, que por sua vez não cresce há 4 anos. Não há prova maior de fracasso.

Todo o ajuste fiscal apontado, cortando-se o máximo possível de despesas, não resolverá essa equação. Trata-se um modelo inadequado para um País que precisa crescer, não funciona.

O modelo está assentado em um alicerce errado as “metas de inflação” como eixo central de toda a economia, engessando qualquer possibilidade de crescimento natural pelo aumento da demanda. O modelo impede o uso da política monetária para geração de renda que antecede a demanda e esta gera o estímulo ao investimento, sem o aquecimento da demanda não há porque haver crescimento. É a demanda que puxa o investimento e não o contrário.

Para quê construir fábricas se não há demanda porque a população sem renda não tem poder de compra nova. A economia hoje se sustenta pela camada que tem boa situação de emprego e renda, 30 milhões de pessoas, camada que não cresce há anos. A demanda nova teria que vir dos 180 milhões de brasileiros de baixa ou nenhuma renda. Mas não há nenhuma política para esse imenso contingente sair do lodo do desemprego, da desocupação e do desalento.

O ÚNICO CAMINHO DO CRESCIMENTO É A INCLUSÃO DE 180 MILHÕES COMO CONSUMIDORES, FOI ESSE O CAMINHO DO CRESCIMENTO DE 7 e 8% AO ANO DA INDIA E DA CHINA. O PLANO GUEDES NÃO PREVÊ NENHUM PROCESSO NESSA DIREÇÃO.

sábado, 15 de dezembro de 2018

Rumo ao passado

Meu novo artigo:


Antônio Risério, talvez um dos principais antropólogos brasileiros vivos, disse em entrevista que uma autocrítica, coletiva ou individual, é um processo lento, às vezes depressivo, sobretudo muito doloroso, até quando as coisas ficam claras e passamos a compreender os acontecimentos ocorridos e aí tomar novos rumos.

As recentes eleições presidenciais no Brasil foram um desses fenômenos que provocaram uma catarse de ódios e fúrias poucas vezes já vista em nosso País, cujo resultado com a vitória de Jair Bolsonaro, não encerrou o difícil caminho da nação em busca de novos rumos, possivelmente porque ao que tudo indica momentos turbulentos estão por se iniciar.

A eleição do futuro presidente, é bom que se diga, foi legítima. O segundo turno resultou de uma tendência eleitoral que se caracterizou muito mais como plebiscitária.

Cabe aos derrotados reconhecer a vontade da sociedade nas urnas e fazer o que deve ser feito: a oposição determinada e lúcida.

Quando em certos grupos partidários fala-se em “resistência” à vontade das urnas comete-se erro, porque resistência só é legítima contra regimes totalitários que não surgiram da vontade popular sufragada nas urnas.

A oposição deve ser serena, dura ou mesmo implacável, dependendo dos rumos e das ações do futuro governo.

Dentro da absoluta legalidade constitucional, o presidente eleito pode fazer o que acha pertinente, montar a equipe que desejar, indicar as alternativas que melhor lhe aprouver para a sua administração, definir os rumos programáticos do seu governo etc.

Esse é o princípio da Carta Constitucional. Já a Constituição de 1988 é uma sobrevivente, com mutilações, de terremotos políticos de grandes magnitudes desde a sua promulgação.

Não existiu um só presidente da República após 1988 que não tenha sido alvo da tentativa de impedimento. Todos foram. E dois sofreram o impeachment.

Diante desse fato podemos concluir que o Brasil é um vulcão ativo, sempre pronto para entrar em erupção. Portanto, frente a recorrência da exceção no lugar da regra, cabe a investigação da realidade política.

E isso não é nada fácil porque os acontecimentos políticos institucionais deram-se em um espaço de tempo que já percorre trinta anos, desde 1988, e possuem raízes Históricas mais antigas.

A primeira constatação é a de que o País não possui uma noção política constitucional sedimentada, sólida, assentada no espírito do seu próprio destino e interesse nacional. As forças políticas, e quem elas representam, não têm definido em seus propósitos fundamentais, a centralidade da visão nacional.

E as Constituições, ao longo do tempo, revelam essa deficiência, apesar dos reconhecidos e inegáveis méritos dessa última, a de 1988. É a mais grave de todas as nossas vicissitudes.

A segunda constatação decore da primeira, porque se não temos uma sólida cultura política constitucional, sofremos fortes influências de outras culturas políticas, embora o País não possa, em absoluto, se isolar da realidade mundial e suas interfaces em todos os níveis.

Para não recuarmos excessivamente em nossa História como Estado nacional e jovem sociedade, vejamos um período mais recente que moldou a humanidade após a Segunda Guerra Mundial. A chamada Guerra Fria.

Nessa época as forças políticas, as elites, setores acadêmicos, sempre estiveram divididas pelas fraturas impostas na bipolarização mundial, entre o campo socialista, liderado pela União Soviética, e os Estados Unidos.

Tudo que movimentou os conflitos entre nós à essa época, sempre esteve subordinado ao confronto mundial, cuja centralidade residia nos interesses específicos de Estado desses dois gigantes globais da época.

Os interesses internos, a visão de País, a busca efetiva de um projeto nacional encontravam-se em pensadores, economistas, administradores etc., combatidos pelas forças políticas, intelectuais, alinhadas aos dois campos da Guerra Fria.

Em resumo, salvo em períodos excepcionais, o Brasil não pensou estrategicamente o Brasil, moveu-se conforme os projetos geopolíticos das duas grandes potências. Aliás, essa ideia ainda existe entre alguns setores minoritários até hoje.

Com a globalização financeira, a desregulamentação dos fluxos do capital financeiro, especialmente o especulativo, mais uma vez a centralidade da questão dos interesses nacionais está subordinada à nova realidade, no mundo da política, academia, da economia, administração etc., mas os que se movem em busca de um projeto de nação inserido na nova realidade mundial permanecem determinados.

Parte de setores do campo “progressista” assimilaram as chamadas Políticas Identitárias que fraturam e transformam em tribalismo o espírito de coletividade da comunidade nacional. Estão identificados com uma espécie de pensamento ideológico alimentado pelos grandes financistas globais a exemplo de George Soros, e outros.

Enquanto grupos à “direita” alinham-se a uma visão passadista, em nome de um paradoxal nacionalismo associado a um liberalismo econômico financeiro radical.

E uma formulação política, acadêmica, isolacionista que recorre a conceitos quase medievais, de um hipotético passado glorioso, purificado e inexistente, cujos teóricos principais encontram-se, especialmente, nos Estados Unidos.

Temos assim, uma espécie de uma falsa nova Guerra Fria que galvaniza ativistas políticos, acadêmicos, economistas, cuja resultante principal tem sido a ausência de uma visão aprofundada de um projeto do País. Pelo contrário, aumenta a sua distância.

A recente eleição presidencial refletiu esse conflito, que possui dimensão mundial. Trata-se de uma batalha ideológica, teórica, de profundos interesses econômicos, geopolíticos, um diversionismo autoconsciente e uma adesão a subpolíticas que aí estão postas. Invoca a impressão de que ao invés de se caminhar em direção ao futuro, pretende-se mergulhar rumo ao passado. Um evidente escapismo.

Mas os reacionários, diferente de conservadores, são ativistas intrépidos das suas teses quase sempre fundadas no medo apocalíptico do futuro e lutadores das causas purificadoras, nostálgicas, pela volta de um passado que a bem da verdade nunca existiu fora das suas mentes.

Já os outros idealizam, através da análise distorcida da realidade e de um determinismo Histórico, a visão autocentrada nas transformações sociais tal como desejam em suas cabeças.

Tanto uns como outros parecem atualmente empenhados em conduzir as sociedades a um passado glorioso mais que perfeito, que só existe em seus juízos, como se fossem “mentes naufragadas”.

Da crise geral emergiu uma visão nostálgica de tempos já idos, porque é mais fácil fazer um balanço do que já aconteceu, que sobre a complexidade bem mais abrangente do presente.

Melhor seria envidar esforços para compreender e atuar na realidade de um mundo em célere transição.

Onde o papel destacado do Brasil, da sua sociedade, só poderá se concretizar através do esforço, pela vida política democrática, e a união em torno de um projeto factível de desenvolvimento econômico.

Com base na industrialização do País, investimento em ciência e tecnologia, em infraestrutura, educação estratégica em vários níveis, saúde, combate à criminalidade transnacional, defesa das suas riquezas, cultura, possibilitando que o Brasil alcance patamares científicos e civilizacionais à altura dos desafios do século XXI.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Um copo de cólera

Meu novo artigo:


O título do livro Um copo de cólera do escritor brasileiro Raduan Nassar é emblemático para resumir o estado de espírito das sociedades em todo o mundo, com as consequências que sofrem sob os resultados das políticas adotadas pelo establishment.

Ou seja, os repúdios contra governos e partidos políticos que se alternaram sucessivamente durante o período em que predominou, ainda predomina, a globalização financeira, a supremacia absoluta dos grandes especuladores globais que acumularam fortunas de trilhões de dólares em detrimento do crescimento econômico das nações e dos povos.

Pode-se argumentar que alguns partidos fizeram, nessa realidade hegemônica do capital predador, muito mais em favor das maiorias que outros. E é verdade, fizeram sim.

Mas a realidade imposta aos indivíduos tem sido a sistemática queda da qualidade de vida em todos os aspectos que se possa olhar: desemprego, saúde, educação, criminalidade e o que é pior, a perda do sentimento de esperança por dias melhores. E isso acontece a nível global.

Ao invés de se afirmar, a exemplo do Brasil, que forças de conteúdo “obscurantistas”, “profundamente conservadoras”, que ressuscitam velhos fantasmas como a volta do comunismo sob a liderança de uma inexistente internacional marxista, ganharam as eleições, como diria o Conselheiro Acácio, porque a “Direita” avança em todo mundo, seria mais útil fazer um balanço da realidade e dos próprios rumos.

Li um dos livros publicados pelo professor Mark Lilla, ensaísta e titular da Universidade Columbia dos Estados Unidos. Mark é, além do mais, engajado nas causas progressistas, tem posição e lado definido.

Ele faz uma retrospectiva da luta de ideias nas últimas décadas da política norte-americana, e quando se lê o seu livro, a sensação que se tem é que ele poderia ser usado para a situação do Brasil, com as modificações das distintas realidades entre os dois Países.

Sobre hegemonia política Mark lembra a observação de Abraham Lincoln: “o sentimento público é tudo. Com ele, nada fracassa; contra ele, nada dá resultado. Quem molda o sentimento público vai mais fundo do que quem promulga leis ou profere decisões judiciais”.

Mark Lilla diz que a vitória de Trump “é uma mistura de verdades, meias verdades, mentiras, teorias da conspiração, invencionices, num caldo tóxico engolido com vontade pelos crédulos, indignados, e pelos perigosos”.

A crise da economia global promovida pelo capital especulativo é tão brutal que o que nós estamos assistindo pelo mundo é a assertiva da frase emblemática de Lincoln. Quem está moldando a cólera da opinião pública tem sido a fórmula com que o autor define Trump. A pergunta é, por que?

Uma das respostas de Mark é que os partidos ditos progressistas se cercaram, como referência teórica central, das agendas de Políticas Indentitárias desde os anos oitenta nos EUA. E depois, pelo mundo.

Abandonaram a ideia e a visão central da nação, do sentimento de solidariedade, do espírito da oportunidade para todos e do dever público. Envolveram-se nessa Agenda Identitária, perdendo o sentido do que compartilhamos como cidadãos e do que nos une como nação.

Nos anos sessenta e setenta, a luta pelos Direitos significava a batalha de grandes grupos de pessoas em defesa dos direitos das mulheres, contra o racismo, pelo reconhecimento efetivo das minorias, que tinha a simpatia e adesão entusiasmada das grandes maiorias.

Mas nos anos oitenta, nos EUA, essa política cedera lugar a uma pseudopolítica de autoestima e de autodefinição cada vez mais estreita e excludente, promovendo sucessivas fragmentações internas, visões tribais e a condenação das grandes maiorias que não pertenciam a essas especificidades, que seriam responsáveis pelas alegadas injustiças Históricas, fazendo voltar-se a juventude para a própria interioridade e praticamente condenando o mundo exterior não pertencente aos grupos indentitários.

Isso deixou os jovens despreparados para pensar no bem comum, que é fundamental para assegurar todos os direitos, e na tarefa política nada glamorosa de persuadir a todos em participarem de um esforço comum para o bem da coletividade, da nação.

O identitarismo passou a ser visto, pelas grandes maiorias sociais, como uma “doutrina” professada basicamente por determinados setores das elites urbanas instruídas sem contato com o resto do País, cujos esforços se resumem em zelar e alimentar movimentos hipersensíveis, que dissipam em vez de concentrar as energias da sociedade como um todo.

De outro lado, o identitarismo ao contrário de negar as agendas do neoliberalismo econômico radical reforça-o, porque reduz o espírito de comunidade nacional ao indivíduo, ao grupo. Em consequência, afirma Mark, o identitarismo deixou de ter projeto político relevante e se metamorfoseou num programa de evangelização.

Mas a diferença, diz Mark, é que evangelizar é dizer “verdades” ao poder. Fazer política é conquistar o poder para defender as verdades.

Assim, e por várias outras razões, os cidadãos se sentem abandonados por esses partidos políticos que não respondem ou não propõem alternativas básicas, reais, concretas, assimiláveis, às sociedades que naufragam em uma violenta crise econômica, social. Quer dizer, não os representam.

Porém, afirma Mark, não existe antes em política, só o depois. O que nós estamos vendo nos Estados Unidos, nos levantes populares na França, na Itália, no crescimento parlamentar do grupo VOX na Espanha, na recente eleição no Brasil, Grã Bretanha, e tudo indica, vem muito mais por aí, são imensas revoltas sociais contra as consequências das políticas da globalização financeira, a miséria crescente, a insegurança brutal com o amanhã, a criminalidade crescente, o desemprego, a desesperança. Enfim, é o copo de cólera transbordando.

Ou as forças políticas lúcidas substituem a linha das Políticas Indentitárias como eixo central programático, oficial ou oficioso, ou as sociedades vão abraçar “as verdades, meias verdades, mentiras, invencionices, teorias da conspiração, o caldo tóxico que atrai os crédulos, os indignados”. E os “perigosos” vão liderar os clamores das sociedades.

De nada adianta afirmar, como no Brasil, que os “obscurantistas”, os “conservadores” estão vencendo, diria o Conselheiro Acácio, porque há uma onda de “Direita” no mundo. Ou mais grave “o povo não sabe votar”, “é atrasado e conservador”. isso é errático, uma fuga da realidade. E o que é pior, de nada adianta.

“Eles” estão crescendo porque estão dizendo “suas verdades, meias verdades, mentiras, invencionices, teorias da conspiração” e falando à alma, o coração das sociedades.

Enquanto os demais se “refugiam nas cavernas das suas autossatisfações das Políticas Identitárias” proclamando-se “moralmente superiores”, isolando-se das sociedades que clamam por soluções urgentes e abrangentes.

É pertinente acreditar firmemente na capacidade de unir as amplas maiorias em torno do bem comum, das grandes soluções sociais, inclusas todas as minorias, na defesa dos interesses nacionais, no desenvolvimento que abrigue as aspirações da sociedade, na defesa da nação, da sua identidade cultural, na convivência entre os povos.

Mas para isso é fundamental a vontade crítica de reunir um conjunto de propostas que unifique o espírito coletivo, individual, que atinja os corações e as mentes das sociedades e, em nosso caso, do povo brasileiro.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Demônios da carnificina

Meu novo artigo:


As grandes conflagrações de massas que estão acontecendo por várias partes do mundo, como os violentos conflitos sociais atuais na França, indicam o esgotamento da Ordem Mundial vigente, com o agravamento da crise financeira iniciada em 2008, antecedida pela hegemonia unipolar norte-americana, após a extinção da antiga União Soviética, ao final da década de noventa.

A História pode não se repetir, mas os acontecimentos, às vezes, se parecem em muitos aspectos.

As crises geopolíticas, a grande depressão econômica, que antecederam às duas grandes guerras mundiais em 1914 e 1939, mostram que os fatores econômicos e a panela de pressão que tamponam a necessidade de novos rearranjos no teatro das nações, em virtude de realidades emergentes, podem impulsionar os Países e as sociedades no rumo de conflitos perigosos ou até militares de proporções catastróficas.

A atual Ordem Mundial surgiu com base na total desregulamentação dos fluxos dos capitais financeiros, especialmente especulativos e predadores, provocando o estancamento da economia global com as suas consequências, tais como o refluxo das economias produtivas, que passaram a crescer a níveis mínimos ou ridículos, quando não negativos.

Daí cresce a crise social, a queda na produção industrial que aumenta enormemente o desemprego, a informalidade no trabalho. O crime organizado torna-se um setor econômico cada vez mais dinâmico e poderoso, especialmente o narcotráfico.

Ele associa o seu processo de acumulação de fortunas à lavagem do dinheiro em paraísos fiscais e absorve também considerável parcela da mão de obra dos assalariados dispensados, especialmente as populações das periferias, abandonados à própria sorte.

Para a solução dessa monumental crise multilateral, o liberalismo econômico radical indica a redução do papel dos Estados em áreas estratégicas e o famoso ajuste fiscal. E se as medidas tomadas não derem certo, a saída será mais ajustes fiscais e venda de patrimônios estatais, naturais, e assim infinitamente. Essa é a lógica da escola neoliberal de Chicago.

A de que o mercado tudo resolve e o Estado só atrapalha. Mas a verdade é que em canto algum do mundo isso comprovou-se verdadeiro.

O Estado tem papel central como indutor, regulador e promotor do desenvolvimento econômico, inclusive nos Estados Unidos durante a crise de 2008, que salvou os superbancos americanos na época e em consequência, a indústria e a própria economia norte-americana de uma catástrofe generalizada, embora a sua sociedade ainda sofra dos efeitos dessa crise até hoje.

Mais que uma fórmula dogmática, o neoliberalismo, e suas variadas denominações, representam uma ideologia sem bases na análise da realidade, que além de não enfrentar as consequências de uma crise econômica, leva ao seu agravamento.

Por outro lado, e em paralelo, para justificar o novo status gerado pela crise nas sociedades, o capital financeiro invoca novas teses como as Agendas Identitárias e do Politicamente Correto, com o objetivo de fragmentar, tribalizar e atomizar o tecido social, aumentando a desorientação que já é generalizada.

Além do mais, com a crise social atingindo enorme escala, setores da sociedade ficam reféns de alternativas políticas autoritárias internas e isolacionistas na política externa.

Assim, assistimos hoje a uma contenda entre neoliberais multiculturalistas versus neoliberais antimulticulturalistas como falsas alternativas a uma crise global sem precedentes na economia.

Obstaculizam a vida política, essencial aos rumos das nações, por um conflito ideologizado, enrijecido, intolerante, distante das propostas e alternativas às sociedades e aos Países.

Exatamente como no período que antecedeu às duas guerras mundiais, hoje parte das grandes potências do planeta refluem para uma linha econômica e geopolítica isolacionista, vejam os EUA, tratando de, na defensiva, assegurar a hegemonia global.

Essa estratégia levou à sanguinolenta primeira guerra mundial e lançou as bases para a brutal carnificina que foi a segunda guerra mundial.

O outro fator importante é a negativa, da parte das grandes potências, em reconhecer a reconfiguração da geopolítica global com o surgimento de novos atores mundiais a exemplo dos BRICS.

É uma fixação da ideia do domínio incontestável e imutável de uma hegemonia anglo-americana, desconhecendo, portanto, uma realidade em curso e em evolução, que pode beneficiar todos os Países, inclusive a essas mesmas potências atuais.

Para sustentar suas premissas ressuscitam-se velhos fantasmas, buscam atrair para as suas áreas de influências parceiros sob argumentos ideológicos e alguns até místicos.

É preciso que os Países construam alternativas à supremacia do capital especulativo predador, definam novas linhas partilhadas, cooperadas, de desenvolvimento econômico, defendam uma geopolítica global multilateral, o direito à autodeterminação das nações e das suas riquezas. Porque o mundo dá sinais de rápida deterioração das soberanias nacionais, das liberdades democráticas e individuais.

O perigo atual não são os velhos fantasmas que saem das catacumbas, mas os Demônios das Carnificinas que resultaram nas guerras mundiais de 1914 e em 1939 com centenas de milhões de mortos e mutilados. O Brasil precisa defender o seu protagonismo econômico e geopolítico regional. Propositivo, cooperativo e rejeitar qualquer política externa xenófoba, isolacionista.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Rumos de uma política externa, por André Araújo




Política externa parte de sinais indicativos que um novo governo apresenta ao mundo. Nesse sentido, e muito antes que necessário, o novo governo a se instalar em Janeiro aponta rumos que produzirão consequências previsíveis. Quais são elas:

1. Afastamento do Brasil das históricas boas relações com a ARGENTINA, que vem sem maiores tropeços desde os anos 50, culminaram com o Acordo do Mercosul entre os Presidentes Alfonsin e Sarney, tão importante que os passaportes dos quatro participantes têm no topo da capa o nome MERCOSUL.

As economias do Brasil e Argentina estão razoavelmente integradas com montadoras de automóveis no Brasil dimensionadas em função do Mercosul.

2. Congelamento das relações do Brasil com a UNIÃO EUROPEIA pela negação dos acordos climáticos, de transcendental importância no contexto europeu.

Essa movimentação trará evidentes barreiras às exportações brasileiras, especialmente de proteína animal, que já são difíceis para esse grande mercado.

3. Distanciamento que poderá levar ao rompimento da aliança do Brasil com o GRUPO BRICS, constituído pelos grandes países que se contrapõem à política externa dos Estados Unidos. O Brasil é fundador e dá a primeira letra do bloco, um desligamento significará uma diminuição evidente da importância do País.

A adesão incondicional do Brasil à política externa americana é uma negação da própria razão do BRICS e o Brasil perde a lógica de estar no grupo.

4. Uma óbvia ruptura com o MUNDO ÁRABE em função de uma aproximação desnecessária com a política externa israelense, colocando em risco vários interesses do Brasil conquistados na região desde o Governo Geisel, quando o Iraque salvou o Brasil com fornecimento de petróleo a crédito, recebedo em produtos brasileiros e obras executadas pela engenharia brasileira. Um capital político de 40 anos colocado em risco real, as exportações de proteína animal do Brasil para o mundo árabe garantem, por baixo, 160.000 empregos no Brasil. Os árabes são emocionais e costumam reagir ao que consideram ofensas.

5. Finalmente, adesão indiscriminada e incondicional da política externa brasileira à Washington, NÃO COM OS EUA como País e sim com o PRESIDENTE TRUMP, é uma adesão ideológica aos que consideram serem as teses anti-globalistas e fundamentalistas desse Presidente que vêem como companheiro.

Trump já caminha pela segunda metade do mandato e a cada dia suas chances de reeleição diminuem. As investigações do Promotor independente Robert Mueller avançam e agora descobre-se que a Organização Trump, antes da eleição do atual Presidente, propos ao Presidente da Rússia, Putin, a construção de uma Trump Tower de apartamentos de luxo em Moscou. Por tal projeto Trump foi várias vezes a Moscou, assim como o filho, seu genro e filha. Putin deveria fornecer o terreno, as licenças e o financiamento e receberia de presente um apartamento de 50 milhões de dólares na torre.

Este caso está na mídia americana deste o início da semana em grandes matérias de jornais e noticiários de TVs. Mais desgaste para um Trump atacado.

No próprio Partido Republicano, o capital político de Trump está em queda livre, especialmente após a derrota nas eleições para a Câmara.

Atrelar a política externa brasileira gratuitamente a esse personagem significa que haverá um reverso se um Presidente do Partido Democrata for eleito em 2020, quando o Governo Bolsonaro ainda terá 2 anos à frente. A política externa da Presidência Trump é considerada um grave desvio até por grande número de Republicanos, o Brasil está se vinculando a essa política cujo fracasso é apontado pela elite política e empresarial americana. A política externa de Trump tem oposição quase total no Departamento de Estado e no "establishment" de relações exteriores dos Estados Unidos.

Mais ainda, não há segurança alguma de que o Governo Trump dê valor a essa adesão gratuita do Brasil. A Colômbia foi eleita pelo Governo Trump como parceiro preferencial dos EUA na América do Sul. Nenhum gesto do Presidente Trump demonstrou maior crédito a essa adesão, se o Brasil não atender ao que os EUA quer que o Brasil faça na Venezuela, de nada valerá a submissão do Brasil. Americanos são frios e objetivos, não se comovem por amizade.

Uma política externa de um grande País não pode se atrelar ao Presidente de outro País. Isso nunca aconteceu na diplomacia brasileira, que sempre preservou sua capacidade de manobra no complicado contexto da geopolítica mundial porque o interesse de uma semana pode ser outro na semana seguinte. E mesmo entre aliados há divergências em temas, não existe aliança incondicional em política externa, nem em tempos de guerra.

O caminho que se aponta para a política externa brasileira pode ser o caminho do abismo para os interesses geopolíticos brasileiros a longo prazo, levando o Brasil a um inédito isolamento diplomático que trará evidentes reflexos na economia e na visão sobre o País no mundo.