domingo, 15 de setembro de 2019

A velha ordem e o governo Bolsonaro




As conflagrações “culturais” e sociais em várias regiões do mundo, como os violentos conflitos sociais na França, que já duram meses, indicam o esgotamento da Ordem Mundial vigente, pari passu ao agravamento da crise econômica global, provocada pela concentração do capital financeiro especulativo, o capital rentista predador.

O que estamos vendo é a fadiga de material, a exaustão, da ordem global que surgiu após a debacle da extinta União Soviética, da qual a China nunca foi aliada, salvo em curto período, no início da revolução em 1949.

Em consequência emergiu essa “Nova Ordem” mundial, com a total hegemonia política, midiática, cultural, militar, geopolítica dos Estados Unidos, de tal forma que George Bush, o pai, declarou que os EUA passariam a ser os policiais do planeta.

Ao final do século XX, e no novo milênio, a humanidade nunca viu tantas guerras regionais, morticínios, em toda a História contemporânea. Era a expansão dos objetivos econômicos e geomilitares da chamada Pax Americana.

Com tal contundência que levou intelectuais, acadêmicos, como o nipo-americano Francis Fukuyama, a proclamar solenemente em seu livro homônimo, o fim da História.

Ao tempo em que a desregulamentação dos fluxos financeiros, auxiliada pela revolução tecnológica, fazia expandir e concentrar em escalas inimagináveis, a acumulação das riquezas em ínfimas mãos, especialmente através do capital parasitário, predador.

Por certo tempo essa visão, impulsionada, financiada por megaespeculadores financeiros parecia imutável.

A grande mídia, também globalizada e concentrada, fazia as vezes de transformar o jornalismo, mesmo que parcial, em uma formidável máquina ideológica desses conceitos sobre o fim da História, procurando desarmar as reinvindicações dos povos, as agendas pela autodeterminação das nações, consignas que estão, inclusive, inscritas na carta fundadora das Nações Unidas, a ONU.

Adveio, porém, uma brutal crise social, a queda na produção industrial, o estancamento da economia global, à exceção, pela média anual, da China, fazendo crescer a níveis estratosféricos o desemprego, a criminalidade, tornando, inclusive, o narcotráfico um dinâmico e poderoso setor econômico internacional.

As sociedades mergulharam em uma situação catastrófica generalizada, à exceção de minúsculas ilhas de privilegiados, para quem o consumo e as agendas da pós-verdade são dirigidas.

Mas o capital financeiro é insaciável e, para tanto, avocou a tese de que para solucionar tal situação aberrante a saída é vender tudo que pertence ao patrimônio nacional dos Países e abater a pauladas os direitos trabalhistas.

A resultante é óbvia, miséria galopante e precarização da vida dos cidadãos, daí a Reforma da Previdência, uma brutal espoliação no presente e futuro, especialmente para as novas gerações.

Dessa forma, como a História teria chegado ao fim, dizia Fukuyama e outros, seria necessário por no lugar da luta por um mundo melhor, uma nova agenda que tivesse em sua gênese questões também pertinentes, como a defesa das minorias, contra o racismo etc.

Associada a essa agenda “identitária” introduziu-se uma outra: o combate à corrupção, que também é justa, mas que na verdade vem servindo aos propósitos de criminalizar a vida política democrática e substituí-la por corporações estatais messiânicas, como falsos guardiões da ética, com olhos que não enxergam e ouvidos surdos para a venda das riquezas estatais do País, o assalto aos direitos trabalhistas.

Nada disso é específico ao País. Trata-se de um discurso global e que também serve aos propósitos da hegemonia absoluta do capital financeiro especulativo.

O objetivo é que essa agenda contorne a realidade de um abismo profundo, cada vez maior, separando as grandes maiorias sociais e um seleto clube de bilionários favorecidos pela globalização financeira. No Brasil de hoje essa política vem sendo aplicada há, mais ou menos, vinte anos, e de forma extremamente radicalizada no governo Bolsonaro.

Trata-se de um governo raso com traços reacionários, estapafúrdios. Sua marca central é um falso nacionalismo, já que é entreguista, associado a uma política econômica baseada em um neoliberalismo radical, extremado, cujas metas são a venda de todas riquezas nacionais, a privatização, o desmantelamento dos direitos trabalhistas, conquistas que datam, inclusive, da Revolução de 1930, sob a liderança de Getúlio Vargas.

Hoje vivemos sob um processo de desorientação generalizada no campo das forças democráticas, progressistas, já que parte delas assimilou acriticamente as chamadas pautas identitárias, utilizadas por Bolsonaro com fins de polarização midiática e nas redes sociais, para que seus propósitos antinacionais e antissociais passem ao largo das polêmicas centrais. O capital financeiro rentista também agradece.

É fundamental que forças democráticas e progressistas olhem para além dos “horizontes identitários”, que as mantêm ilhadas e distantes das maiorias sociais, e passem a construir um projeto em defesa do Brasil brutalmente espoliado, pela geração de empregos, a retomada do desenvolvimento econômico. Que possibilite unir as grandes maiorias nacionais em torno do bem comum, da plena cidadania para todos.

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Brasil deve ampliar presença militar e cooperação internacional na Amazônia, por Aldo Rebelo

Texto de Aldo Rebelo, publicado no portal Bonifácio.


O mal-estar diplomático em torno da Amazônia envolvendo o Brasil, a França, a Alemanha, a Noruega e outros países europeus não surpreende quem conhece um pouco da história do nosso País e das ambições coloniais europeias.

A Amazônia brasileira foi colhida no epicentro da sensível agenda mundial do aquecimento global e da questão climática. O problema é que legítimas preocupações ambientais estão entrelaçadas com ambições geopolíticas, interesses comerciais e graves deficiências do Estado brasileiro em administrar o desafio diplomático, ambiental, econômico e social da Amazônia.

Rigorosamente, a disputa pela Amazônia antecede o próprio conhecimento de sua existência. Quando em 1494 Portugal e Espanha celebraram o Tratado de Tordesilhas, dividindo o mundo conhecido e ainda a conhecer em áreas de influência das duas potências coloniais, deram início à corrida pelo domínio da grande bacia hidrográfica.

Portugal empenhou-se em jornada penosa e heroica para conquistar território que seria naturalmente espanhol. Sucessivas epopeias de notáveis varões lusitanos consolidaram o domínio Português.

Pedro Teixeira, em 1637, liderou a expedição de 70 soldados portugueses e 1200 índios flecheiros a bordo de uma verdadeira esquadra de canoas, que saindo de Gurupá, próximo a Belém, varou as águas do Amazonas e chegou a Quito, para espanto dos governantes espanhóis. Aí Pedro Teixeira estabeleceu os marcos da presença portuguesa ao longo da calha do grande rio.

Pouco depois, entre 1648 e 1651, provavelmente cumprindo missão em caráter secreto de Portugal, Antônio Raposo Tavares liderou a chamada Bandeira dos Limites, que saindo de São Paulo desbravou os sertões desconhecidos do Mato Grosso até o Peru, descendo pelo rio Amazonas até Manaus e Belém, de onde retornou a São Paulo. Em sua celebre biografia do grande bandeirante, o historiador português Jaime Cortesão qualifica a bandeira de Raposo Tavares como o maior feito na construção do Brasil.

Quem contempla antigo mapa pátrio e se depara com a presença das três guianas na nossa fronteira setentrional, defronta ali a memória da cobiça de três grandes impérios coloniais sobre a bacia amazônica.

As pretensões territoriais arrastaram-se até o Século XX. Em 1907, na questão do Pirara, o Brasil perdeu 20 mil quilômetros quadrados para a Inglaterra no que hoje é o estado de Roraima. Um pouco antes, em 1903, o Tratado de Petrópolis encerrava a questão do Acre com a aquisição desse antigo território boliviano, que passou perto de tornar-se um enclave norte-americano em pleno coração da Amazônia.

A questão é que o Brasil precisa ir além de confrontar interferências e ameaças como a do presidente francês Emmanuel Macron. O desafio é combinar ações de desenvolvimento econômico e social da Amazônia e de sua população, com iniciativas militares de dissuasão, ao lado de medidas de proteção do vasto patrimônio natural da região.

O Estado brasileiro e a sociedade não podem simplesmente condenar a economia existente na Amazônia como predatória sem oferecer alternativa de vida aos milhões de brasileiros que ali vivem, muitos dos quais ali chegaram incentivados pelo próprio Estado, quando o lema era “integrar para não entregar” ou “terra sem homens para homens sem-terra”. A questão é que governos nacionais e estrangeiros e ONGs resolveram tornar absoluta a proteção ambiental e criminalizar a população da Amazônia. Sem alternativa de sobrevivência para os habitantes locais as políticas ambientais têm gerado ilegalidades e conflitos.

Observando o conselho latino si vis pacem, parabélum, o Brasil deveria iniciar imediatamente a construção da base naval para a Segunda Esquadra no norte do Brasil. O lugar já foi escolhido pelo Comando da Marinha e visitado por mim e pelos comandantes da Marinha e do Exército na época em que fui ministro da Defesa.

O terreno junto ao porto de Itaqui, no Maranhão, seria transferido pelo Exército para a Marinha que ali localizaria a sua Segunda Esquadra, antiga aspiração da Força Naval.

O almirante Leal Ferreira e o general Eduardo Villas Boas concertaram durante a visita promover a transferência da titularidade da área. O então governador do Maranhão, Flávio Dino, acompanhou a visita e pôs o estado do Maranhão à disposição do Ministério da Defesa e do Comando da Marinha para apoiar o empreendimento.

Outra iniciativa seria transformar a Base Aérea de Boa Vista na principal Base Aeroespacial do País. Além de acompanhar a tendência mundial de conversão das forças aéreas em forças aeroespaciais, a mudança de status da Base de Roraima sinalizaria a reafirmação da centralidade da Amazônia na política de defesa do Brasil.

O Exército deveria ampliar a oferta de vagas para militares no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) e estender a voluntários civis da Amazônia e de outras regiões do Brasil a possibilidade de frequentar os cursos de formação.

Para as populações indígenas da Amazônia, o Exército deveria ampliar a oferta de vagas para conscritos e engajados e criar em áreas de densidade populacional indígena acentuada Núcleos de Preparação de Oficiais da Reserva (NPORs) voltados para a guerra na selva e dirigido para formar oficiais de origem indígena.

Combinando a ampliação da presença econômica, social e militar na região, o Estado brasileiro teria condições de abrir a possibilidade de cooperação com o mundo no provimento de meios para a pesquisa da rica biodiversidade local em benefício do Brasil e da humanidade.

Poderíamos integrar centros de pesquisa e universidades do Brasil e do mundo com os centros de pesquisa e as universidades da Amazônia e dos países vizinhos, deixando claro que a indiscutível soberania do Brasil sobre o território não exclui a cooperação internacional em torno de objetivos comuns.

domingo, 1 de setembro de 2019

Economia brasileira, terra arrasada, por Andre Motta Araujo


No caminho que hoje segue, sem uma política econômica, o Brasil está rumando para o desastre social e financeiro, com ou sem recessão mundial.


Economia brasileira, terra arrasada
por Andre Motta Araujo

Antes das eleições de 2018 o programa CENTRAL DAS ELEIÇÕES da GLOBONEWS entrevistou o então banqueiro de investimentos Paulo Guedes como pré-ministro do candidato Bolsonaro. O “Posto Ipiranga” disse, aos berros e não aceitando questionamentos, que “nos primeiros seis meses de governo vou privatizar empresas e vender bens da União, arrecadando 2 TRILHÕES DE REAIS”. A afirmação era completamente estapafúrdia, alucinada, maluca, mas Guedes rispidamente NÃO ACEITOU ponderações e questionamentos da equipe de jornalistas do programa, era essa sua verdade impositiva.

MACROECONOMIA

Para gerir a política econômica de um País, especialmente de um País grande e complexo, requer-se um profissional experiente em QUESTÕES DE ESTADO. Se for economista, tem que ser versado em MACROECONOMA, o que é muito diferente de conhecer bolsa, ações, compra e venda de empresas.

No mundo dos “economistas de mercado”, aqueles que seguem o hoje desmoralizado neoliberalismo de Hayek, Thatcher e Reagan, que provocou o empobrecimento do Reino Unido e a mega crise financeira de 2008 nos EUA, mesmo entre o clube da “Casa das Garças”, o fechado círculo do neoliberalismo carioca, há nomes muito mais preparados que Paulo Guedes, elemento do baixo clero do neoliberalismo do Leblon, de pouco ou nenhum prestígio nesse círculo. Nomes como Armínio Fraga e Gustavo Franco são infinitamente mais experientes que Guedes para pilotar a economia de um País, abstraindo a minha completa discordância com o pensamento neoliberal esgotado da PUC-Rio, escrevi até um livro crítico sobre isso.

A relação entre MACRO E MICROECONOMIA é a mesma que existe entre veterinário, enfermeiro e cardiologista. Todos lidam com sangue, agulhas e termômetros, mas suas funções são completamente diferentes. O MACROECONOMISTA tem a visão do todo, dos conjuntos, dos problemas da produção, é um profundo conhecedor de POLÍTICAS PÚBLICAS, daquelas que dependem das funções de Estado e não de mercado. Este é parte, e não o fim, de uma política econômica, onde há conflito de interesses permanente, e cabe ao Ministro arbitrar o conflito distributivo, com atenção ao social.

Já o MICROECONOMISTA tem um campo bem mais restrito que não serve para dirigir a política econômica de um grande País. É o caso de Guedes.

A AUSÊNCIA DE POLÍTICA ECONÔMICA

Pela primeira vez, desde 1930, o governo brasileiro não tem nenhuma política econômica para o semestre, para o ano, para o mandato até 2022.

Não há nenhum plano coerente, com medidas que se inter-relacionam, com providências coordenadas, com uma visão de conjunto que tenha um objetivo definido, com meios e metas. Cortar gastos, e muito mal cortados, apenas no lado dos mais fracos e desassistidos, vender todos os bens da União, isso não é um plano econômico, não chega a nenhum lugar que faça alguma lógica para um País com um terço da população desocupada e sem renda.

Reformas por si só não são um plano econômico, mesmo porque seus resultados só emergem no longo prazo e não tem o condão de, isoladamente, promover crescimento. Reformas são, ao fim, reajustes e redistribuição de renda produzida, e não geram renda nova, falta o motor do crescimento.

Acreditar que o mercado, por si só, resolva o problema do desemprego e do crescimento é uma fantasia. TODOS os grandes emergentes têm planos governamentais macroeconômicos através de políticas públicas e a política monetária é parte desse plano macro. Nenhum grande País, mesmo rico, confia cegamente no mercado para puxar a economia, nem os EUA e nem a União Europeia, muito menos China, Índia e Russia.

As políticas monetárias de quantitative easing na Europa, Japão e EUA são a fórmula proativa que se pratica para estimular o crescimento e evitar a recessão.

AUTOMÓVEL NÃO SAI DO LUGAR SEM COMBUSTÍVEL, ECONOMIA NÃO SAI DO LUGAR SEM DINHEIRO

Criar DEMANDA, algo que Keynes já sabia há 100 anos, é o único caminho para sair da recessão. Reformas não têm essa função.

Há espaço no Brasil para um plano de infraestrutura financiado pela emissão de R$2 trilhões de moeda, sem causar inflação, desde que espaçado em 4 anos, com gestão dia a dia. Há capacidade ociosa em ativos de produção e mão de obra para absorver demanda nova criada por moeda nova.

Mas para operar uma política de estímulos monetários é fundamental o MAESTRO para calibrar gota a gota o estímulo, um processo de ajuste diário entre a moeda estimulante, câmbio, produção e inflação, aquilo que Alan Greenspan fez no FED por duas décadas, não é por acaso que sua maior biografia tem o título de MAESTRO, é o controle do ajuste fino hora a hora entre moeda, produção e emprego, política fiscal e câmbio.

A FORMAÇÃO DO CONSENSO

Nos anos do regime militar de 1964, com poderosos Ministros da área economia, NUNCA UM SÓ, havia um mecanismo para gerar consenso e minimizar erros, o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, com representação da produção, do sistema financeiro e do Governo, para se ter um olhar múltiplo sobre a política econômica, para evitar que um comandante sozinho afunde o navio porque ninguém lhe contesta. Nos EUA, igualmente, há um COUNCIL OF ECONOMIC ADVISERS, o Conselho dos Assessores Econômicos da Presidência para ter uma visão ALÉM do Secretário do Tesouro e do banco central, são economistas independentes de primeira linha que não fazem parte do Governo. Mesmo no Sistema da Reserva Federal, seu Conselho (Board) é composto por sete professores de economia de escolas diversas, para um só não errar sozinho, todos sistemas para evitar o comandante maluco afundando o navio por falta de contraponto, exatamente o erro que hoje estamos cometendo no Brasil com APOIO DO MERCADO e da MÍDIA.

Não há nessa não política um fiapo de olhar para os 180 milhões de pobres, miseráveis, desempregados. Ao contrário, todas as medidas levam a deles exigir mais sacrifícios do que já suportam, poupando os 30 milhões que estão razoavelmente bem no rentismo estatal de juros ou supersalários.

Na CRISE FISCAL HÁ UM MAR DE DESPERDÍCIOS, título de meu próximo artigo, corta-se para baixo e não para cima.

TERRA ARRASADA

No caminho que hoje segue, sem uma política econômica, o Brasil está rumando para o desastre social e financeiro, com ou sem recessão mundial. O debate econômico está suspenso pelos “economistas de mercado”, cuja bíblia, o BOLETIM FOCUS, é campeão mundial de erros de previsão, sempre erram para cima, na semana seguinte a realidade corrige o erro sem fim, gente correndo às cegas sem achar a porta de saída.