domingo, 24 de março de 2019

As memórias do mundo

Meu novo artigo, publicado também na Gazeta de Alagoas, Tribuna do Sertão e Tribuna do Agreste:


Quando assistia, esta semana, um programa de esportes sobre a seleção brasileira de futebol vi que os cronistas de futebol, razoavelmente jovens, nunca tinham visto Pelé jogar, a não ser pelos vídeos da época, e lamentavam muito isso.

E nem Garrincha, Didi, Amarildo, Zagalo, Nilton Santos, Djalma Santos, Vavá, Orlando, Zito, Coutinho, Pepe etc., embora todos soubessem por zelo profissional ou paixão pelo futebol, de seus protagonismos na conquista dos três primeiros campeonatos do mundo da nossa seleção nacional: 1958, 1962, alguns até em 1970 como Pelé.

Em 1958, com sete anos, morava em Salvador, para onde o velho fora transferido nos Correios e Telégrafos. Eu não assisti, ao vivo, pela TV, os jogos da seleção, mas pelo rádio nas ondas curtas da rádio Nacional.

No entanto, esses comentaristas esportivos não apenas não viram esses jogos como deixaram de ser testemunhas da lisérgica alegria que tomou conta do povo brasileiro na época. Vi extasiado baianos pularem das janelas de suas casas, esquecidos das portas, correndo pelas calçadas, pelas ruas, sem saberem para onde iam, alucinados de alegria.

Eu me revezava, no jogo final contra a Suécia, entre a mercearia do espanhol e a casa de dois amigos brasileiros de ascendência africana. Salvador tem além da maciça presença de descendentes africanos, a colônia espanhola, a portuguesa e a libanesa. Há um hospital na Barra, onde hoje passam os Trios elétricos no carnaval, o Real Hospital Espanhol. E o tradicional time do Galícia.

Todos, inclusive o espanhol expatriado, não sabiam o que fazer tal a alegria, daí a loucura coletiva que testemunhei.

Em 1962 esse fenômeno de catarse coletiva presenciei em Maceió quando assisti adultos virarem crianças. Isso me alegrava, erámos, assim, todos crianças.

Antes havia acompanhado admirado a inauguração de Brasília.

O fenômeno do futebol se repetiu, com a TV cobrindo os jogos ao vivo em 1970, já tinha 18 anos, de molho, passando temporada no Rio. Ali vi nas ruas a chegada da seleção tricampeã mundial. Com milhões de pessoas delirantes, em plena ditadura civil-militar.

Também assisti, pela precocidade política não engajada, a chegada em Maceió dos presidenciáveis Jânio Quadros e do nacionalista Marechal Lott. Dizem que se Lott fosse eleito não haveria o golpe de 1964. Não tenho essa certeza.

Lembro em 1954 de um adulto me contando às lagrimas que Vargas tinha se suicidado com um tiro no peito. Anos depois veio o exílio de Jango, a dor dos exilados.

Participei da resistência ao regime de 1964, fui deputado estadual, e ao lado de muitos na campanha pela anistia, as Diretas já, a eleição de Tancredo Neves. E na redemocratização, eleito pelos alagoanos deputado Constituinte em 1986.

Acompanhei o assassinato de Kennedy, o russo Gagarin, primeiro homem no espaço falar: A terra é azul. Os astronautas americanos pisarem na Lua, ao vivo na TV. E uma confiança no progresso científico e humano, apesar da Guerra Fria.

Vi momentos de alegrias e angústias do brasileiro. Hoje, mais que nunca. O genial Nelson Rodrigues, o reacionário-revolucionário em uma única só pessoa, falou que o brasileiro precisa acabar com a mania de derrotista atávico.

Chaim Potok disse que as histórias são as memórias do mundo, apesar do atual presente contínuo lúgubre nas redes sociais.

Não sou moço, não me sinto velho. O fato é que os da minha geração são privilegiados por verem tantas coisas em tão curto tempo Histórico, suficientes para concordar com Tom Jobim: o Brasil não é para iniciantes. Nem o mundo.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Cavalo de Troia

Meu novo artigo, publicado também na Gazeta de Alagoas, Tribuna do Sertão e Tribuna do Agreste:


O portal de notícias da BBC de Londres para o Brasil publicou nesta quarta-feira 20 de março uma notícia reveladora: o IBOVESPA, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, bateu 100 mil pontos pela primeira vez na História.

Ainda segundo a BBC a economia real brasileira, no entanto, vem reduzindo as projeções de crescimento em 2019 para 2,01%, pelos relatórios do Banco Central do País. Como dizia o lendário detetive Sherlock Holmes, criado pelo escritor inglês Arthur Conan Doyle: para solucionar o caso siga a pista do dinheiro.

O capital financeiro, o rentista, está bombando como nunca no Brasil, enquanto os investimentos na produção continuam a níveis pífios, mas, por incrível que pareça, ainda é superior à previsão do crescimento econômico para a Comunidade Europeia, na marca de 1% para 2019.

Quer dizer, a economia, a produção de riquezas vai mal, mas a agiotagem legal vai muito bem obrigado, dizem eles.

Por que investir na produção industrial, comercial ou outra qualquer, se o dinheiro rápido na Bolsa de Valores do Mercado financeiro especulativo está subindo como um míssil balístico? Essa é a visão do super Ministro Paulo Guedes no governo do presidente Bolsonaro.

Mas a verdade é que esse também foi o rumo nos últimos 25 anos. O que variou, a mais ou a menos, foi a conjuntura econômica de cada época.

O que o senhor Paulo Guedes está fazendo é um aceno mais radical à especulação financeira.

Nesse período, os investimentos em ciência e tecnologia, em infraestrutura, transportes, na produção industrial, em educação tendo em vista a preparação de uma mão de obra qualificada, foram diminuindo substancialmente, à exceção de poucas áreas estratégicas como a nuclear, a aeronáutica via EMBRAER, na prospecção do petróleo através da PETROBRÁS.

Assim como a EMBRAPA, que alavancou a agroindústria como campo altamente competitivo, líder mundial de exportação na área. O setor industrial agrícola é o principal responsável pelos níveis de crescimento da economia brasileira.

O resultado dessas políticas desastrosas é que a taxa de desemprego em 2018 indicou mais de 12 milhões de pessoas sem trabalho. Mas esses números enganam porque aí devem ser incluídos o trabalho precário, o subemprego e aqueles que desistiram de procurar trabalho. No geral, deve atingir mais de 20 milhões de pessoas sem empregos estáveis.

O Brasil precisa de estratégias de crescimento econômico, investimento pesado em ciência e tecnologia de ponta, em infraestrutura geral, educação fundamental e especializada, fomentar a retomada de unidades industriais e criar outras mais, para que a nação entre de forma competitiva na economia global e consiga produzir elevados níveis de emprego e renda, atingir novos patamares de civilização.

Frente a essa encruzilhada dramática, setores políticos encontram-se envolvidos numa interminável, manipulada, Guerra Híbrida, fanatizada, inflada pela grande mídia, nas redes sociais, envolvendo Políticas Identitárias, autocentradas, narcisistas versus Conservadoras, regressivas e intolerantes com as minorias, mobilizando faixas da classe média e suas energias mentais.

Enquanto que quase 195 milhões de brasileiros, num total de 210 milhões, lutam pela sobrevivência em um País que precisa de um salto ao futuro. Um verdadeiro Cavalo de Troia para a nação e o povo brasileiro.

terça-feira, 12 de março de 2019

Pós-visão

Meu novo artigo, publicado também na Gazeta de Alagoas, Tribuna do Sertão e Tribuna do Agreste:


Com a hegemonia da globalização financeira, especialmente do capital especulativo, houve uma radical transformação não apenas da economia mundial, mas nas relações pertinentes à vida política, seja a nível regional ou internacional.

Porque o mando das finanças em escala global impôs aos povos novos paradigmas, quase sempre negativos, e uma realidade indubitavelmente trágica, implicando num declínio do progresso humano, na medida em que a acumulação capitalista rentista vem provocando óbvia queda do crescimento econômico mundial. Como se diz, quando há problemas, siga a pista do dinheiro.

Por exemplo, a projeção do crescimento da economia europeia para 2019 será, em média, de um por cento. Em média, porque há nações que vão ter índices negativos em seu PIB. Quando se comenta sobre as explosões sociais que ocorrem no velho continente, é impossível fazê-lo abdicando de uma análise dessa crise econômica generalizada.

Do ponto de vista político, a imposição dos ditames dos especuladores financeiros alteraram radicalmente a autonomia das lideranças regionais em quase todo o planeta submetendo-as às suas diretivas ou restringindo as suas capacidades de comando.

Os presidentes das nações, na maioria delas, possuem autonomias limitadas, são reféns de políticas econômicas internacionais, da vigilância da grande mídia global, hoje associada ao capital financeiro mundializado.

De tal forma que as principais diretrizes internacionais que devem ser obedecidas pelos Estados nacionais são exigências absolutamente favoráveis ao capital financeiro global, restando aos líderes regionais pequenas margens de manobras soberanas.

A capacidade de realização de um presidente de República, ou de outro cargo similar, é hoje muito menor que em décadas anteriores, especialmente se considerarmos o novo milênio.

A financeririzacão especulativa reina, quase absoluta, nas linhas políticas globais. Como disse o Historiador camaronês Achille Mbembe: o grande choque na primeira metade do século XXI não será entre religiões e civilizações, como tentam nos fazer crer, mas de um longo e mortal jogo entre a via democrática e o capitalismo financeiro.

Não é sem razão que hoje há em voga duas ideologias absolutamente antípodas que se digladiam em escala global: a Identitária, individualista autocentrada, excludente e narcisista, versus a conservadora, regressiva e intolerante com as minorias.

Atualmente não existe uma proposta ou uma visão de mundo por parte das principais forças políticas em ação. Trata-se de uma época da pós-visão, sem perspectivas de projetos no presente ou para o futuro.

De certa forma o nipo-americano Francis Fukuyama, profeta do Fim da História ao final do século XX, surgida com a debacle da URSS e a hegemonia unipolar dos Estados Unidos, foi precursor desse atual discurso niilista, sem rumos e sem luzes.

Mas assim como Fukuyama foi desautorizado pela História com o surgimento de uma nova era multipolar em turbulenta transição, com novos protagonistas globais em ascensão, também assistiremos à construção de novos cenários nessa queda de braço entre o governo das finanças globais e o governo das nações, o governo dos povos. Entre a democracia versus o obscurantismo e as trevas. Esse será o grande confronto do novo milênio.

sábado, 2 de março de 2019

Fanatismo

Meu novo artigo:


O Brasil continua a viver sob uma intensa Guerra Híbrida cujo objetivo tem sido a fragmentação do tecido que compõe a sociedade nacional e assim possibilitar aos grandes grupos de financistas internacionais, especialmente os especuladores rentistas, auferir lucros estratosféricos provenientes das riquezas nacionais.

A polarização política, extremamente carregada de simbologia ideológica, tem dado a tônica ao discurso da intolerância seja no mundo institucional ou entre grupos de ativistas nas redes sociais, de tal forma que tem sido impossível qualquer convivência e diálogo entre segmentos opostos.

Poucos percebem que, apesar de reais, existe uma extrema artificialidade, que nos tem sido imposta, os conflitos de ódios irracionais que pululam online sejam nos diversos aplicativos usados pelos indivíduos, ou através dos veículos da grande mídia hegemônica presentes na internet.

Qualquer diferença de opiniões tem sido a gota d’água para posturas irracionais, o termo é esse, que descambam para verdadeiros pugilatos verbais, ou até físicos. Esse fenômeno assumiu proporção cavalar a partir, mais ou menos, de 2013 e de lá para cá só tem aumentado.

É possível que setores das novas gerações, agora chamada de Geração Z, não tenham ideia ou memória de outras formas de convivência democrática entre opiniões distintas. E muitos outros se tinham alguma lembrança a perderam ou foram engolidos por essa onda de irracionalidade que se faz presente nos dias atuais.

Como também ressurge com vigor o tal do patrulhamento ideológico, peça vital na guerra híbrida atual, viral na grande mídia e nas redes sociais, que se desdobra em dois níveis: entre os dois polos visceralmente antagônicos e em meio aos próprios polos.

Provocando a falta de oxigênio que asfixia as ideias em geral, a pobreza de opiniões e de reflexão sobre os fenômenos, sejam eles sociológicos ou de qualquer outro tipo.

Como disse o escritor, Historiador, filólogo italiano Umberto Eco: as redes sociais deram voz à idiotia, e o pior é que ela lidera as linhas de pensamento e opiniões em voga.

Assim a incontestável revolução tecnológica digital dos dias atuais está promovendo, pelo menos até o momento, o empobrecimento das relações sociais, o apequenamento das discussões políticas, a incapacidade, por isso mesmo, da boa análise sobre os acontecimentos em curso.

Por exemplo, se você citar Gabriel Garcia Márquez ou Mário Vargas Llosa dois latino-americanos gigantes da literatura universal, prêmios Nobel de literatura, autores, dentre outros livros, de Cem anos de solidão e Conversa na Catedral, respectivamente, a tendência é que não se discuta o enorme valor literário de sua obras mas que você seja chamado de esquerdista ou conservador, dependendo do lado que seja atacado.

Na verdade esses tempos não deram voz apenas à idiotia a que se refere Umberto Eco, mas igualmente ao oportunista e ao burocrata.

Todos proliferam sempre onde haja a pobreza de espírito, enquadramento ideológico e rígido. Isso porque são espécies anaeróbicas, ou seja, não proliferam onde exista oxigênio, ar para respirar.

Enfim, é como já se disse: quem pensa unicamente por slogans, não pensa, reproduz o mesmo.

Quem cria poesia através de chavões ideológicos e palavras de ordem, não cria, os reproduz. O puro ativismo, sem a devida reflexão e o estudo crítico, é endogâmico. Todos são, paradoxalmente, conservadores. Não importa a linha política ou mesmo a ideologia que se professe.