terça-feira, 8 de novembro de 2011

O Crepúsculo do Império e a Aurora da China

Publicado no Carta Maior o prólogo do professor, cientista político e historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira ao livro de Durval de Noronha Goyos, "O Crepúsculo do Império e a Aurora da China", que será lançado dia 10 de novembro, em São Paulo.

Publicaremos aqui em duas partes o prólogo de Moniz Bandeira. Aqui vai a primeira:


O crepúsculo do Império e a aurora da China é uma excelente imagem que Durval de Noronha Goyos escolheu para intitular a série de artigos sobre o declínio dos Estados Unidos, como potência econômica hegemônica, e o advento da China, que se tornará a maior economia mundial, em 2016.

Trata-se de um conjunto de artigos muito importantes e oportuno, porquanto apresenta uma lúcida percepção das mudanças na correlação mundial de forças, demonstrando a erosão que corrói o Império Americano, à beira da recessão e cuja segurança depende cada mais do poder militar, a um custo insustentável, em contraste com o alvorecer da China, a crescer 9.5%, em 2011, segundo estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI), não obstante a profunda crise econômica e financeira na qual os Estados Unidos e a União Europeia estão submersos.

Há alguns acadêmicos que tentam negar o declínio, com o argumento de que os EUA ainda são a maior potência militar do planeta, havendo conquistado a hegemonia com a 2ª Guerra Mundial e consolidado ao fim da Guerra Fria. Realmente os Estados Unidos possuem um poderio militar incomparável, com um poder de destruição sem paralelo na história e dispõem de meios para intervir imediata e efetivamente em qualquer região do mundo.

Desde as bombas nucleares lançadas contra Hiroshima e Nagasaki, matando um total de cerca de 199.000 pessoas, em 1945, os Estados Unidos produziram cerca de 70.000 armas nucleares de 72 tipos. Ao fim da Guerra Fria, em 1991, possuíam um arsenal ativo da ordem de 23.000 artefatos nucleares dos 26 tipos principais. E nunca cessaram completamente de produzi-los. Um estudo realizado no Brooking Institute, de Washington, estimou que os custos em armamentos nucleares, desde a II Guerra Mundial até 2007, foram da ordem de US$ 7,2 trilhões, e o total dos gastos militares, no mesmo período de meio século, alcançou o montante de US$ 22,8 trilhões.

De acordo com o Annual Report of Implementation of the Moscow Treaty, os Estados Unidos mantinham, em 31 de dezembro de 2007, cerca de 2.871 ogivas nucleares estratégicas em condições operativas, isto é, prontas para lançamento, mais 2.500 como reserva (ativas e inativas), e outras 4.200 retiradas para seu desmantelamento. O total do estoque era de 9.400 armas nucleares, de todas as categorias.

Após a II Guerra Mundial, os Estados Unidos instalaram bases militares nos mais diversos países da Europa, tais como Alemanha, França, Grã-Bretanha, Espanha e Itália, a pretexto de conter a União Soviética e a expansão do comunismo. E, durante a Guerra Fria, estacionaram armamentos nucleares em 27 países estrangeiros e territórios, entre os quais Japão, Alemanha, Groenlândia e Turquia. O Bloco Socialista e a União Soviética implodiram entre 1989 e 1991. Os partidos comunistas virtualmente desapareceram na Europa. Entretanto, em 2006, os Estados Unidos ainda possuíam um arsenal de 9.960 ogivas intactas, das quais 5.735 eram consideradas ativas e operacionais. E, de acordo com o Department of Defense’s 2010 Base Structure Report, o Pentágono ainda mantém um total de 4.999 instalações militares em 50 Estados americanos, sete territórios e em outros 38 países estrangeiros. No exterior, a maioria das instalações, que incluem bases do Exército, Marinha, Força Aérea, Marine Corps, Washington Headquarters Services (WHS), está na Alemanha (218), Japão (115) e Coréia do Sul (86).

Segundo as estimativas, o total, em todo o mundo, ultrapassa 1.000 bases militares. Alguns calculam 1.077, outros 1.088, outros 1.160 ou mesmo 1.180. Realmente o número pode ser mais alto, porém ninguém está certo quanto ao total. E desde os atentados terroristas de 11 de setembro o número ainda mais recresceu, com a instalação de bases no Quirguistão, Paquistão, Afeganistão, Uzbequistão, Iraque, Djibouti e em diversos outros países da Ásia e da África, bem como da América Latina. O que realmente conta é a obsessão do Pentágono por controlar o mapa do gás e do petróleo.

Contudo, desde a derrota das potências do Eixo, em 1945, os Estados Unidos não venceram nenhuma outra guerra. A guerra na Coreia (1950-1953) demonstrou que não eram onipotentes. Henry Kissinger qualificou como “inconclusive” essa guerra, que deixou um saldo de 150.000 americanos mortos, feridos e desaparecidos. A guerra no Vietnã (1959-1975) resultou em um dramático fiasco. Comprovou que a força militar dos Estados Unidos, por maior que fosse, não lhes podia assegurar o triunfo.

Os Estados Unidos possuíam (e possuem) ilimitada capacidade de destruição, inclusive armas nucleares, mas não tinham condições políticas e morais para usá-las. As consequências seriam imprevisíveis. Porém todo o seu poderio militar não bastava para dar-lhes a vitória sobre forças que viviam no seu próprio habitat, na mais perfeita simbiose com a natureza e sobreviviam nas condições mais primitivas, combatiam extremamente bem, com eficiência e recebiam o mais amplo suporte da população, em todos os lugarejos do Vietnã do Sul. E, desde 2001-2003, os Estados Unidos estão chafurdados nas guerras no Afeganistão e no Iraque, onde os ataques e atentados se intensificaram, países dos quais não conseguem retirar totalmente suas tropas.

O relatório Costs of War, preparado por acadêmicos, participantes do Eisenhower Research Project do Watson Institute for International Studies, da Brown University, informa que os custos financeiros das Operations Enduring Freedom, Iraqi Freedom, New Dawn, situam-se entre US$ 3,2 e US$ 4 trilhões. Há muitos outros custos que não puderam ser quantificados, mas as guerras contra o terror, empreendidas pelos Estados Unidos, foram quase totalmente financiadas por empréstimos, juros de US$ 185 bilhões já pagos ou a pagar, e outro US$ 1 trilhão pode aumentar até 2020. Somente o complexo industrial-militar recebeu os benefícios.

O poderio militar dos Estados Unidos, no entanto, tem limites econômicos e financeiros. O crescimento das despesas militares no exterior, subindo US$ 800 milhões, em 1967, e mais US$ 600 milhões, em 1968, produziu forte impacto sobre o balanço de pagamento dos Estados Unidos, que teve um déficit de US$ 9,8 bilhões em 1970. O saldo comercial entre 1970 e 1971 desapareceu, em consequência do declínio das exportações, desde 1968. A inflação, da ordem de 1,5% em 1961, saltou para 4,7%, em 1968/69. O PIB dos Estados Unidos, que se duplicara durante a Segunda Guerra Mundial e representara 34% da produção mundial até 1970, baixou para menos de 30%, em 1971. O dólar enfraqueceu-se. E a vulnerabilidade econômica dos Estados Unidos abalou a estabilidade do sistema monetário internacional, que passara a depender de sua política monetária, manejada unilateralmente, desde o Acordo de Bretton Woods (Bretton Woods Agreement), de 1944, estabelecendo que cada país devia manter a taxa de câmbio de suas moedas, indexada de certo modo ao dólar, cujo valor estaria baseado no padrão-ouro, numa base fixa de 35 dólares por onça Troy (31,103478 gramas de ouro).

Os presidentes Lyndon Johnson (1963-1969) e Richard Nixon (1969-1974) não cumpriram, entretanto, as regras para as relações comerciais e financeiras acordadas em Bretton Woods. Emitiram e lançaram em circulação mais dólares do que podiam lastrear com o ouro existente no Fort Knox, conforme o acordo de Bretton Woods, a fim de financiar as importações dos Estados Unidos e os custos da Guerra Fria e da guerra no Vietnã, Camboja e Laos. Todas as reservas de ouro estocadas no Fort Knox já estavam virtualmente esgotadas em 1970. Só restavam 1.000 das 8.500 toneladas que supostamente lá estavam depositadas. E as reservas em dólar, em posse dos bancos estrangeiros, haviam saltado de US$ 23,8 bilhões para US$ 36 bilhões, em julho de 1971 e, no mês seguinte, para US$ 40 bilhões, três vezes mais do que os Estados Unidos necessitavam para honrar as obrigações contraídas em Bretton Woods.

Daí que, naquele ano, sem, consultar os demais países, o presidente Nixon aboliu, unilateralmente, a conversibilidade direta do dólar em ouro. A ordem monetária e o Sistema Bretton Woods de coordenação econômica internacional sofreram um colapso. E, dois anos depois, em 1973, o presidente Nixon, ante o agravamento da crise, teve de desvalorizar o dólar, em 10%, rompendo tanto o Smithsonian Agreement quanto o European Joint Float, e pavimentando o caminho para a livre flutuação das moedas. O dólar, que só os Estados Unidos podiam produzir, transformou-se na divisa fiduciária internacional. O presidente da França, general Charles de Gaulle, acusou então os Estados Unidos, de assumirem um “privilégio exorbitante”, na medida em que podiam continuar financiando seus déficits com a emissão de mais dólares e colocá-los em circulação.

A ruptura definitiva do padrão-ouro, a contundente derrota no Vietnam, o escândalo de Watergate e o apoio aos golpes militares e às ditaduras na América Latina e em outras regiões, entre outros fatores, começaram a assinalar o declínio econômico, político e moral dos Estados Unidos. O complexo industrial-militar já havia capturado e mantinha como refém todos os governos, fossem do Partido Republicano ou Democrata. E seus gastos militares continuaram a crescer, para a sustentação da indústria bélica e de sua cadeia produtiva, gerando a necessidade de permanente guerra e de reais ou supostas ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos, a fim de consumir os armamentos produzidos e reproduzir o capital.

De 1940-1996, os Estados Unidos gastaram, no mínimo, US$ 5,5 trilhões em seu programa de armamentos nucleares, sem contar as cifras da produção de armamentos convencionais. E esse valor não incluía US$ 320 bilhões estimados para os futuros custos anuais de armazenamento e remoção do valor acumulado do lixo radioativo e tóxico, em mais de cinco décadas, US$ 20 bilhões para o desmantelamento do sistema de armas nucleares e remoção dos excedentes materiais atômicos. Com todos esses elementos contabilizados, o total dos custos do programa de armamentos nucleares dos Estados Unidos, até 1996, ultrapassou o montante US$ 5,8 trilhões. E nenhum governo podia converter realmente a indústria bélica para fins civis, sem acarretar profundas implicações políticas, na medida em que aumentaria o número de desempregados e abalaria as atividades econômicas de diversas regiões (Texas, Missouri, Florida, Maryland e Virginia), onde estão as indústrias especializadas em armamentos com tecnologia intensiva de capital, cujo interesse é experimentá-los em guerras reais, a fim de que o Pentágono possa esvaziar os arsenais, promover os armamentos, vendê-los a outros países e fazer novas encomendas, que geram polpudas comissões e dividendos.

Muitas outras regiões dos Estados Unidos são beneficiadas pela produção, deslocamento, operações e manutenção das forças nucleares. Conforme avaliou de William J. Weida, do Brooking Institute, a Califórnia, a partir de 1980, passou a depender mais do que qualquer outro Estado das despesas militares do Pentágono, a maioria das quais nos programas dos bombardeiros B-1 e B-2, os mísseis Trident I e Trident II, os mísseis MX, bem como do projeto Strategic Defense Initiative e do programa de satélites Military Strategic and Tactical Relay (MILSTAR). Em 1986, as corporações empreiteiras (contractors) do Pentágono, na Califórnia, receberam 20% do orçamento de Departamento de Defesa, enquanto Nova York, Texas e Massachusets apropriaram-se de 21%. Os imensos custos dos Estados Unidos com a produção de armamentos não decorrem tanto de fatores de segurança quanto de incoercíveis necessidades econômicas.

O Império Americano necessita de guerras para manter sua economia em funcionamento, evitar o colapso da indústria bélica e de sua cadeia produtiva e evitar o aumento do número de desempregados e a bancarrota de muitos Estados americanos, cuja receita depende da produção de armamentos.

Embora os Estados Unidos ainda sejam o pólo do sistema capitalista mundial, sua hegemonia cada vez mais se desvanece. Como bem salientou Durval de Noronha Goyos, o Império Americano está falido. Com um PIB da ordem de $14,66 trilhões (2010 est.), sua dívida pública, em 9 de setembro de 2011, já estava em cerca de US$ 14,71 trilhões, dos quais US$ 10,07 trilhões em poder do público e US$ 4,64 trilhões administrados pelo governo federal. Em fim de junho de 2011 seu PIB era estimado em cerca de US$ 15,00 trilhões, porém com uma dívida pública equivalente a 98% desse montante. E seu déficit comercial, em junho deste mesmo ano, 2011, aumentou para US$ 53,1 bilhões contra US$ 50,8 bilhões, em maio.

Os Estados Unidos estão chafurdados em dívidas, por diversos fatores, sobretudo porque produzem menos do que consomem. Dependem de tudo, inclusive de capitais e financiamentos. Como bem observaram Bill Bonner e Addison Wigging, “a nação mais rica, mais poderosa do mundo, depende das poupanças dos países mais pobres”.

Em 2007, David M. Walker, Comptroller General of the United States (1998- 2008), advertiu que o governo americano estava sobre uma “burning platform” de insustentáveis políticas e práticas, com déficits fiscais, crônica insuficiência de recursos para a assistência à saúde, imigração e comprometimentos militares além-mar, ameaçando uma crise, se não fosse logo tomada uma atitude. E apontou “striking similarities” entre a situação do Império Americano e os fatores que produziram a queda de Roma, inclusive o “declining moral values and political civility at home, an over-confident and over-extended military in foreign lands and fiscal irresponsibility by the central government”.

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