domingo, 6 de novembro de 2011

“Etnonacionalismo Frankenstein” golpeia Bolívia e integração sul-americana

Na publicação Solidariedade Ibero-Americana, da 2ª quinzena de setembro de 2011, o texto de Silvia Palacios, transcrito aqui em parte:



A Bolívia se encontra às voltas com um dilema crucial. De um lado o país carece de infraestrutura física, que permita a sua modernização econômica e a interligação eficiente com os países vizinhos, no contexto do processo de integração da América do Sul, que vendo sendo encabeçado pelo Brasil. Um projeto fundamental para tais planos é o do corredor rodoviário bioceânico, que ligará o porto brasileiro de Santos aos chilenos de Arica e Iquique, passando pelo centro econômico boliviano de Santa Cruz de la Sierra, o qual está sendo implementado com forte apoio do governo brasileiro.

Do outro, o governo do presidente Evo Morales e seu braço executivo, o vice-presidente Álvaro Linera, transformou o país no primeiro Estado plurinacional da Ibero-América. Com isto, os diversos grupos étnicos que integram majoritariamente a população boliviana adquiriram direitos autônomos, entre os quais legislações próprias para exercer a justiça e a capacidade de deliberar sobre os recursos naturais existentes em seus territórios.

A iniciativa converteu um Estado nacional histórico em uma aberração institucional, em favor de um “etnonacionalismo” articulado no exterior por uma constelação de associações de antropólogos, sociólogos e outros militantes do chamado “terceiro setor”, que, literalmente, doutrinaram os indígenas nos cânones do ambientalismo-indigenismo e na aversão ao progresso socioeconômico.

Essa contradição é a causa subjacente aos protestos e às graves confrontações ocorridos no país nas últimas semanas, por grupos de indígenas que se opõem à construção do trecho da rodovia que liga os departamentos de Beni e Cochabamba, atravessando o Território Indígena e o Parque Nacional Isidoro Secure (TIPNIS). O traçado tem uma extensão de 306 km e um custo estimado em 415 milhões de dólares, dos quais 332 milhões serão financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)...

A construção da rodovia com o traçado previsto possibilitaria reduzir de 16 para 4 horas o trajeto entre San Ignácio de Moxos, no Beni, e Villa Tunari, em Cochabamba.

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Manipulações externas

O caldo de cultura criado pelo “etnonacionalismo” facilita as condições para todo tipo de intervenção externa, de que o movimento ambientalista-indigenista internacional tem uma vasta folha corrida.

... o governo de Morales, antes mesmo do confronto de 25 de setembro, já havia denunciado a participação de agências governamentais e organizações não-governamentais (ONGs) estrangeiras por detrás do movimento de protesto. O próprio presidente afirmou que as mobilizações estavam sendo fomentadas “nacional e internacionalmente” em “uma estratégia do imperialismo e dos EUA, através de suas agências, para impedir a integração nacional e provocar um enfrentamento entre os povos”.

Ele afirmou ter provas de que dirigentes da Confederação dos Povos Indígenas da Bolívia (CIDOB) e da Confederação Nacional de Mallikus e Ayllus do Qollasuyu (CONAMAQ) mantêm contatos com o funcionário responsável por assuntos indígenas da embaixada dos EUA.

Por sua vez, o diretor da Agência para o Desenvolvimento das Macrorregiões e Zonas Fronteiriças (ADEMAF), Juan Ramón Quintana, responsabilizou diretamente a Agência para o Desenvolvimento Internacional dos EUA (USAID) de mobilizar os indígenas contra o governo.

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Brasil e BNDES na alça de mira

Uma ONG que representa um dos enlaces com o aparato ambientalista externo é o Foro Boliviano sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (FOBOMADE), uma das mais atuantes na mobilização internacional de apoio ao movimento. No final de agosto, a ONG divulgou uma “Carta ao BNDES”, exigindo a imediata suspensão do financiamento do banco à rodovia contestada. O documento deixa explícito que a rodovia não é o único alvo da ação coordenada da pletora de ONGs bolivianas, brasileiras, peruanas e estadunidenses que o assinam: “A luta dos indígenas bolivianos é a mesma das populações que, no Brasil, se opõem às represas que estão sendo construídas no rio Madeira, em Rondônia, e contra Belo Monte, no Pará; contra um modelo de desenvolvimento que ameaça à vida. Portanto, insistimos em que o BNDES suspenda imediatamente o financiamento deste projeto na região do TIPNIS”.

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Entre os financiadores da FOBOMADE, que também encabeçou a campanha do lado boliviano contra os projetos das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, destacam-se: a ONG holandesa Novib, a Fundação Heinrich Boll (Partido Verde Alemão), Canadian Lutheran World Relief (ONG ligada ao Conselho Mundial de Igrejas), Fundação C. S. Mott (EUA), Gaia/Grain e Oxfam (Reino Unido).

O fato de que a integração regional – ou a obstaculização dela – ocupa alta prioridade na agenda desses grupos se mostra na chamada Plataforma BNDES, ONG virtual criada em 2007 para monitorar e fustigar os grandes projetos de infraestrutura financiados pelo banco.

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Embora a campanha contra a rodovia não seja novidade para os brasileiros, o episódio demonstra uma vez mais que o aparato ambientalista-indigenista internacional está disposto a levar às últimas consequências a sua agenda intervencionista para obstaculizar a integração física e o desenvolvimento da América do Sul. Não é por acaso que os contenciosos envolvendo comunidades indígenas também se encontram em alta no País.

Ademais, há um sério risco de que a expansão desse tipo de protestos crie pretextos para pintar o papel do Brasil como força motriz da integração regional como uma iniciativa colonialista, em particular a vital política de crédito do BNDES, que há algum tempo se encontra na alça de mira desse aparato intervencionista.

Por isso, principalmente em função da realização da Conferência Rio +20, em junho de 2012, aproxima-se o momento em que as lideranças brasileiras de todos os setores da sociedade precisarão decidir se continuarão fazendo acenos a tais forças de guerra irregular, ou se passarão a encarar com a seriedade devida os requisitos de desenvolvimento do País e seu papel como líder da integração regional.

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