Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas e no Tribuna do Agreste:
Há três meses Auriceia, mãe de família, moradora de um bairro popular da capital levou um tiro na cabeça, entrou em coma e faleceu nessa terça-feira passada. Sábado o médico José Alfredo foi assassinado quando passeava com a sua bicicleta pelo corredor Vera Arruda na orla marítima, região nobre de Maceió.
Esses são dois exemplos trágicos, mas há um rosário imenso de ocorrências criminosas que se estendem por todo o Estado cujas vítimas principais são os cidadãos, atingindo também bancos, repartições públicas e estabelecimentos comerciais.
O veredicto consensual da população é que o Estado vem perdendo vertiginosamente a batalha contra a violência, a criminalidade desenfreada e o sentimento é o do terror coletivo, a certeza que todos somos vítimas ou porque já fazemos parte das frias estatísticas ou estamos sob perigo iminente.
Assim, ficamos submetidos à banalização da criminalidade e se instaura um forte temor na coletividade fruto do clima de insegurança que atinge a sociedade alagoana quase sem distinção de classes.
Por outro lado estudos demonstram que entre as principais causas da escalada da criminalidade em Alagoas, além das graves e históricas distorções sociais, desenvolvimento econômico insuficiente dificultando a modernização da estrutura produtiva por anos a fio, há um novo ingrediente extremamente maligno.
Esse catalisador da barbárie tem sido o crack, movimentando fortunas, fabricando dependentes químicos induzidos à paranoia, que cresce em escala geométrica, multiplicando criminosos, semeando a morte.
É um cenário que também cobre todo o território brasileiro que vive um processo de crescimento econômico estabanado, sem a construção de valores culturais, ideológicos, espirituais, onde se alastra o individualismo absoluto, a competição louca e propaga-se a ideia do "sucesso na vida" através do dinheiro fácil.
É um tecido social sem defesas morais, o que facilita a apologia do bizarro e da violência cujas vítimas têm sido a maioria da população, encontrando em Alagoas um elo débil, propiciando o avanço galopante do narco-crack.
Caso o governo do Estado não adote medidas severas resgatando os espaços perdidos para a droga, a criminalidade, a tendência será o surgimento em Alagoas de fenômenos típicos de uma sociedade encolerizada buscando outras formas de segurança e até de justiça paralela.
sexta-feira, 1 de junho de 2012
sexta-feira, 25 de maio de 2012
O novo pensamento autoritário
Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas e no Tribuna do Agreste:
O recente artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre livro do sociólogo francês Alain Touraine é um sinal de novas tendências no campo doutrinário do chamado novo liberalismo.
Ao lançarem as bases do que propõem como paradigmas da política e da moral pública, FHC e Touraine indicam os caminhos que o pensamento hegemônico da nova ordem mundial deve tomar e as premissas ideológicas hasteadas pelo capital financeiro internacional.
Fernando Henrique afirma em primeiro lugar que daqui para frente o confronto central da civilização será entre o mundo do lucro e a defesa dos direitos humanos, do individualismo com responsabilidade social.
Mas isso aponta para a tentativa de se rebaixar, teoricamente, ou esconder os fatores econômicos nos destinos das sociedades e dos indivíduos.
O ex-presidente-sociólogo argumenta que os partidos políticos teriam perdido a sua lógica e razão de existir e deveriam ser substituídos por outras formas de organização que seriam consagradas por uma suposta Nova Era das sociedades onde os conceitos da "pós-política" e da "pós-economia" devem conduzir o futuro da humanidade.
É importante frisar que essas ideias não são originais tanto no âmbito da História quanto no pensamento político e estão em moda nesses últimos vinte anos via complexo midiático hegemônico internacional como propaganda ideológica de desestímulo à participação popular nos destinos políticos das nações.
Que também promove intensamente o engajamento das pessoas em causas fragmentárias, tópicas, atomizadas, especialmente através das ONGs, que são em última instância um sub-produto do neoliberalismo, cujas origem e essência residem na ideia da fragilização do caráter estratégico do Estado nacional.
O que aparece na verdade como novo é a negação explícita à existência dos partidos políticos, além da tentativa de criminalização da ciência econômica como instrumento fundamental para compreensão dos mecanismos das sociedades e por conseguinte dos caminhos para a sua transformação.
Assim é que surge agora a apologia de uma espécie de Nova Inquisição contra o pensamento científico. E com a falência generalizada da nova ordem mundial, das agremiações neoliberais ortodoxas mundo afora, já se pensa abertamente em doutrinas que justifiquem o retorno dos regimes autoritários como freio ao crescimento das nações e às lutas dos povos.
O recente artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre livro do sociólogo francês Alain Touraine é um sinal de novas tendências no campo doutrinário do chamado novo liberalismo.
Ao lançarem as bases do que propõem como paradigmas da política e da moral pública, FHC e Touraine indicam os caminhos que o pensamento hegemônico da nova ordem mundial deve tomar e as premissas ideológicas hasteadas pelo capital financeiro internacional.
Fernando Henrique afirma em primeiro lugar que daqui para frente o confronto central da civilização será entre o mundo do lucro e a defesa dos direitos humanos, do individualismo com responsabilidade social.
Mas isso aponta para a tentativa de se rebaixar, teoricamente, ou esconder os fatores econômicos nos destinos das sociedades e dos indivíduos.
O ex-presidente-sociólogo argumenta que os partidos políticos teriam perdido a sua lógica e razão de existir e deveriam ser substituídos por outras formas de organização que seriam consagradas por uma suposta Nova Era das sociedades onde os conceitos da "pós-política" e da "pós-economia" devem conduzir o futuro da humanidade.
É importante frisar que essas ideias não são originais tanto no âmbito da História quanto no pensamento político e estão em moda nesses últimos vinte anos via complexo midiático hegemônico internacional como propaganda ideológica de desestímulo à participação popular nos destinos políticos das nações.
Que também promove intensamente o engajamento das pessoas em causas fragmentárias, tópicas, atomizadas, especialmente através das ONGs, que são em última instância um sub-produto do neoliberalismo, cujas origem e essência residem na ideia da fragilização do caráter estratégico do Estado nacional.
O que aparece na verdade como novo é a negação explícita à existência dos partidos políticos, além da tentativa de criminalização da ciência econômica como instrumento fundamental para compreensão dos mecanismos das sociedades e por conseguinte dos caminhos para a sua transformação.
Assim é que surge agora a apologia de uma espécie de Nova Inquisição contra o pensamento científico. E com a falência generalizada da nova ordem mundial, das agremiações neoliberais ortodoxas mundo afora, já se pensa abertamente em doutrinas que justifiquem o retorno dos regimes autoritários como freio ao crescimento das nações e às lutas dos povos.
sexta-feira, 18 de maio de 2012
Sinal vermelho
Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas e no Tribuna do Agreste:
A débâcle, nessa semana, de vários grandes bancos espanhóis acelera a crise financeira do país sacudido por imensas manifestações de trabalhadores, estudantes, pequenos, médios empresários, que se espalham de Madri à Catalunha.
Na verdade a Europa caminha a passos largos rumo a um sério impasse econômico, social, com desdobramentos políticos que já se manifestaram nas eleições francesa, grega e recentemente na Alemanha.
Mas o que está em cheque mesmo é a atual configuração da União Europeia e a suposição de que suas políticas fiscais são equânimes para todos os seus membros.
O que é uma verdadeira falácia porque essa pretensa igualdade nos direitos e deveres de cada nação associada ao Euro revelou-se na prática uma equação de dominação por parte das duas grandes potências econômicas, Alemanha e França, associada a uma profunda subordinação das demais sejam elas médias ou pequenas.
Ao insistir na estratégia da austeridade fiscal em detrimento das políticas de retomada do crescimento contra a crise, o governo Merkel secundado pela França do então presidente Sarkozy, ajudou a empurrar a Europa para o abismo, resultante das relações servis do Banco Central Europeu para com as poderosas instituições financeiras do velho continente.
O que se encontra em curso por lá é a aplicação do mesmo veneno que vitimou a América Latina e o Brasil, provocando a estagnação econômica, verticalizando os históricos abismos sociais existentes, sustando o crescimento por décadas.
Os desdobramentos da atual situação crítica que passa a Europa serão observados e medidos em questão de meses, tal é a sua gravidade. Deverá mergulhar no caos inicialmente Grécia, Portugal, Espanha, Itália, com grandes possibilidades, em cenário mais agudo, de por em cheque a existência do Euro.
O que pode suscitar uma nova onda de abalo na economia mundial já em crise desde 2008 com a explosão da "bolha imobiliária" nos Estados Unidos quando os governos Bush e Obama livraram a cara dos banqueiros e massacraram a população norte-americana.
Assim, o Brasil precisa ficar atento ao sinal vermelho que acendeu na economia mundial. O governo necessita intensificar novas estratégias de crescimento econômico, blindar o País contra as tentativas de assalto do capital especulativo e mover-se com cuidado em uma crise política global poucas vezes vista.
A débâcle, nessa semana, de vários grandes bancos espanhóis acelera a crise financeira do país sacudido por imensas manifestações de trabalhadores, estudantes, pequenos, médios empresários, que se espalham de Madri à Catalunha.
Na verdade a Europa caminha a passos largos rumo a um sério impasse econômico, social, com desdobramentos políticos que já se manifestaram nas eleições francesa, grega e recentemente na Alemanha.
Mas o que está em cheque mesmo é a atual configuração da União Europeia e a suposição de que suas políticas fiscais são equânimes para todos os seus membros.
O que é uma verdadeira falácia porque essa pretensa igualdade nos direitos e deveres de cada nação associada ao Euro revelou-se na prática uma equação de dominação por parte das duas grandes potências econômicas, Alemanha e França, associada a uma profunda subordinação das demais sejam elas médias ou pequenas.
Ao insistir na estratégia da austeridade fiscal em detrimento das políticas de retomada do crescimento contra a crise, o governo Merkel secundado pela França do então presidente Sarkozy, ajudou a empurrar a Europa para o abismo, resultante das relações servis do Banco Central Europeu para com as poderosas instituições financeiras do velho continente.
O que se encontra em curso por lá é a aplicação do mesmo veneno que vitimou a América Latina e o Brasil, provocando a estagnação econômica, verticalizando os históricos abismos sociais existentes, sustando o crescimento por décadas.
Os desdobramentos da atual situação crítica que passa a Europa serão observados e medidos em questão de meses, tal é a sua gravidade. Deverá mergulhar no caos inicialmente Grécia, Portugal, Espanha, Itália, com grandes possibilidades, em cenário mais agudo, de por em cheque a existência do Euro.
O que pode suscitar uma nova onda de abalo na economia mundial já em crise desde 2008 com a explosão da "bolha imobiliária" nos Estados Unidos quando os governos Bush e Obama livraram a cara dos banqueiros e massacraram a população norte-americana.
Assim, o Brasil precisa ficar atento ao sinal vermelho que acendeu na economia mundial. O governo necessita intensificar novas estratégias de crescimento econômico, blindar o País contra as tentativas de assalto do capital especulativo e mover-se com cuidado em uma crise política global poucas vezes vista.
Quem nos salvará dos super-heróis?
Na revista Carta Capital, "Blog do Eisenstein", de Vitor Knijnik, em seus “Blogs do Além”:
Nos seus primeiros anos de vida, logo após os irmãos Lumière o parirem, o cinema não passava de uma atração de feira e exposições. Ninguém via grande futuro naquela invenção. Porém, era uma curiosidade que fazia as pessoas literalmente caírem da cadeira. O olhar virgem da plateia não demandava que os protocineastas contassem histórias. Para causar sensação, bastava apenas registrar as coisas em movimento e depois exibir a película. Mais ou menos como são os filmes pornôs.
Mas o ser humano é um bicho enjoado e logo boceja quando não lhe apresentam novidades. Alguns pioneiros, então, decidiram contar histórias através do cinematógrafo para assim manter o interesse da audiência. Outros investiram no ramo da pipoca, apostando que no futuro ninguém conseguiria ficar duas horas sentado fazendo uma única coisa.
Uma das primeiras experiências narrativas relevantes aconteceu nos Estados Unidos, através das mãos de D.W Griffith. Ele introduziu novas formas de fazer cinema. Foi o primeiro a usar dramaticamente a montagem, alternando closes e movimentos de câmera. Por isso é conhecido como pai da linguagem cinematográfica. Da mãe sabe-se apenas que fugiu com um rico produtor de Hollywood.
Minha contribuição para a consolidação do cinema como expressão artística foi decisiva. Eu percebi que a montagem poderia ir além de uma mera ligação de imagens relacionadas. Acreditei que uma terceira ideia poderia ser gerada na cabeça do espectador com a justaposição de duas imagens independentes. Essas colisões de imagens permitiram manipular as emoções da audiência e libertaram a linguagem cinematográfica para a criação de metáforas, coisa que Stalin adorou.
Mas por que estou aqui a contar a história do cinema e a sublinhar minha importância? Ora, a intenção é justamente contrária. Sinto-me derrotado ao ver que o meu legado foi transformado. Imaginei que, com minhas descobertas, as narrativas se sofisticariam e a linguagem cinematográfica se expandiria sem limites. Nada disso. O cinema se desinteressou pelo mundo adulto. Virou uma indústria dedicada apenas a adular adolescentes ou a infantilizar os maiores. Veja o que está em cartaz neste momento (não importa qual). Cerca de 70% das salas estão tomadas por personagens que precisam salvar o mundo de uma grande ameaça. Das 30 maiores bilheterias de todos os tempos, 28 são dedicadas aos menores de 18 anos. Isso se você considerar que Avatar e Titanic têm temática adulta.
Há os que alegam que os filmes não precisam ser mais do que divertimento. Pode até ser. Mas, da mesma maneira que as primeiras plateias exigiram ver mais do que movimentos, as atuais pedem cada vez mais adrenalina. E os estúdios respondem fazendo filmes caricatos que se parecem com uma montanha-russa, só que sem aquela parte tranquila da primeira subida. As montagens estão tão frenéticas que, numa cena de luta ou perseguição, não sabemos quem é quem. Só sabemos que o herói vai sobreviver. É por isso que o balde de pipoca não para de aumentar.
Me despeço coerente com meus princípios. Deixo aqui três frases. Monte-as como quiser:
Heróis assassinos.
O cinema morreu.
Socorro, o 3D quer furar meu olho.
Nos seus primeiros anos de vida, logo após os irmãos Lumière o parirem, o cinema não passava de uma atração de feira e exposições. Ninguém via grande futuro naquela invenção. Porém, era uma curiosidade que fazia as pessoas literalmente caírem da cadeira. O olhar virgem da plateia não demandava que os protocineastas contassem histórias. Para causar sensação, bastava apenas registrar as coisas em movimento e depois exibir a película. Mais ou menos como são os filmes pornôs.
Mas o ser humano é um bicho enjoado e logo boceja quando não lhe apresentam novidades. Alguns pioneiros, então, decidiram contar histórias através do cinematógrafo para assim manter o interesse da audiência. Outros investiram no ramo da pipoca, apostando que no futuro ninguém conseguiria ficar duas horas sentado fazendo uma única coisa.
Uma das primeiras experiências narrativas relevantes aconteceu nos Estados Unidos, através das mãos de D.W Griffith. Ele introduziu novas formas de fazer cinema. Foi o primeiro a usar dramaticamente a montagem, alternando closes e movimentos de câmera. Por isso é conhecido como pai da linguagem cinematográfica. Da mãe sabe-se apenas que fugiu com um rico produtor de Hollywood.
Minha contribuição para a consolidação do cinema como expressão artística foi decisiva. Eu percebi que a montagem poderia ir além de uma mera ligação de imagens relacionadas. Acreditei que uma terceira ideia poderia ser gerada na cabeça do espectador com a justaposição de duas imagens independentes. Essas colisões de imagens permitiram manipular as emoções da audiência e libertaram a linguagem cinematográfica para a criação de metáforas, coisa que Stalin adorou.
Mas por que estou aqui a contar a história do cinema e a sublinhar minha importância? Ora, a intenção é justamente contrária. Sinto-me derrotado ao ver que o meu legado foi transformado. Imaginei que, com minhas descobertas, as narrativas se sofisticariam e a linguagem cinematográfica se expandiria sem limites. Nada disso. O cinema se desinteressou pelo mundo adulto. Virou uma indústria dedicada apenas a adular adolescentes ou a infantilizar os maiores. Veja o que está em cartaz neste momento (não importa qual). Cerca de 70% das salas estão tomadas por personagens que precisam salvar o mundo de uma grande ameaça. Das 30 maiores bilheterias de todos os tempos, 28 são dedicadas aos menores de 18 anos. Isso se você considerar que Avatar e Titanic têm temática adulta.
Há os que alegam que os filmes não precisam ser mais do que divertimento. Pode até ser. Mas, da mesma maneira que as primeiras plateias exigiram ver mais do que movimentos, as atuais pedem cada vez mais adrenalina. E os estúdios respondem fazendo filmes caricatos que se parecem com uma montanha-russa, só que sem aquela parte tranquila da primeira subida. As montagens estão tão frenéticas que, numa cena de luta ou perseguição, não sabemos quem é quem. Só sabemos que o herói vai sobreviver. É por isso que o balde de pipoca não para de aumentar.
Me despeço coerente com meus princípios. Deixo aqui três frases. Monte-as como quiser:
Heróis assassinos.
O cinema morreu.
Socorro, o 3D quer furar meu olho.
sexta-feira, 11 de maio de 2012
Um mundo melhor
Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas e no Tribuna do Agreste:
Durante o século XX muitos das gerações que sucederam umas às outras tinham como pressuposto ético de vida pensar o mundo para melhor. Uns lutavam por transformações econômicas, sociais, radicais, outros desejavam reformá-lo, vários pensavam que ele já estava de boa medida, tratava-se apenas de ajustá-lo no que fosse possível.
Em uma visão simplista poderíamos definir essas tendências como revolucionárias, reformistas ou conservadoras, apesar do surgimento de fenômenos como o nazi-fascismo, durante os anos vinte aos quarenta, subproduto dos conflitos pela hegemonia capitalista-imperialista, ensejando a Segunda Guerra Mundial.
Mas no geral os confrontos políticos, filosóficos, ideológicos, teológicos, giravam sempre sobre a questão: como poderia ser esse mundo menos injusto, qual a maneira para aperfeiçoá-lo ou transformá-lo ?
No final do século vinte, com a débâcle do campo socialista ocidental, especialmente a URSS e o leste da Europa, pari passu ao movimento de centralização, concentração do capital financeiro mundial em escala mais agressiva, acontece uma inflexão profunda na geopolítica, na economia, nos conceitos gerais das sociedades como decorrência desse processo.
Pensadores marxistas definiram esse período da História surgido ao final do século como um "tempo inicial de sombras e trevas" que transcendia o aspecto da luta pela emancipação dos trabalhadores, estendia-se ao conjunto da atividade humana em todos os seus aspectos.
A vida mostrou que se tinha razão, nasce o pensamento único hegemônico imposto à base de um paradoxo, uma sociedade totalitária governada sob regras discricionárias, combinada com um individualismo sem fronteiras como princípio e fim da vida moral.
Entroniza-se assim outro conceito para as gerações, já não se trata de construir um mundo melhor como espírito ético da civilização, mas como, nessa ânsia hedonista infinita, o indivíduo realiza o melhor dos mundos para si próprio.
E se há novas vocações políticas, então que elas se realizem através de uma agenda social global unificada, pré-definida, nos marcos do sistema.
Mas as contradições estruturais do capital reaparecem em meio à brutal crise demonstrando a face totalitária, a exaustão econômica, um enorme cansaço social à ordem e à ideologia "globalizada", indicando que a alternativa a esse modelo de sociedade é mesmo a luta por um mundo melhor.
Durante o século XX muitos das gerações que sucederam umas às outras tinham como pressuposto ético de vida pensar o mundo para melhor. Uns lutavam por transformações econômicas, sociais, radicais, outros desejavam reformá-lo, vários pensavam que ele já estava de boa medida, tratava-se apenas de ajustá-lo no que fosse possível.
Em uma visão simplista poderíamos definir essas tendências como revolucionárias, reformistas ou conservadoras, apesar do surgimento de fenômenos como o nazi-fascismo, durante os anos vinte aos quarenta, subproduto dos conflitos pela hegemonia capitalista-imperialista, ensejando a Segunda Guerra Mundial.
Mas no geral os confrontos políticos, filosóficos, ideológicos, teológicos, giravam sempre sobre a questão: como poderia ser esse mundo menos injusto, qual a maneira para aperfeiçoá-lo ou transformá-lo ?
No final do século vinte, com a débâcle do campo socialista ocidental, especialmente a URSS e o leste da Europa, pari passu ao movimento de centralização, concentração do capital financeiro mundial em escala mais agressiva, acontece uma inflexão profunda na geopolítica, na economia, nos conceitos gerais das sociedades como decorrência desse processo.
Pensadores marxistas definiram esse período da História surgido ao final do século como um "tempo inicial de sombras e trevas" que transcendia o aspecto da luta pela emancipação dos trabalhadores, estendia-se ao conjunto da atividade humana em todos os seus aspectos.
A vida mostrou que se tinha razão, nasce o pensamento único hegemônico imposto à base de um paradoxo, uma sociedade totalitária governada sob regras discricionárias, combinada com um individualismo sem fronteiras como princípio e fim da vida moral.
Entroniza-se assim outro conceito para as gerações, já não se trata de construir um mundo melhor como espírito ético da civilização, mas como, nessa ânsia hedonista infinita, o indivíduo realiza o melhor dos mundos para si próprio.
E se há novas vocações políticas, então que elas se realizem através de uma agenda social global unificada, pré-definida, nos marcos do sistema.
Mas as contradições estruturais do capital reaparecem em meio à brutal crise demonstrando a face totalitária, a exaustão econômica, um enorme cansaço social à ordem e à ideologia "globalizada", indicando que a alternativa a esse modelo de sociedade é mesmo a luta por um mundo melhor.
domingo, 6 de maio de 2012
Aquecimento global: as previsões furadas de Lovelock
Texto de José Carlos Ruy, publicado no Vermelho:
James Lovelock é um dos gurus da tese segundo a qual o aquecimento global, provocado pelo homem, vai esturricar a Terra. Agora, diz que estava errado. Um erro de consequências políticas monumentais.
James Lovelock é um dos principais ideólogos do catastrofismo ambiental em nossos dias e um dos gurus do movimento ambientalista. Autor de inúmeros livros, formulador da hipótese Gaia, que vê a Terra como se fosse um enorme organismo, ele é um cientista influente que chegou a prever a morte de bilhões de pessoas devido às mudanças climáticas que, em sua opinião, iriam esturricar o planeta. Foi um dos formuladores da tese de que a mudança climática decorre da ação humana sobre o ambiente.
Ele chegou a propor, em 2004, que o que restasse da humanidade só conseguiria viver no Ártico, onde o clima continuaria “tolerável”. E pregava, na linha do mais radical ambientalismo, a necessidade de um “melhor uso dos recursos” da Terra e isto significava, desde as reuniões do Clube de Roma, em 1968, e da ONU em Estocolmo, 1972, a contenção do desenvolvimento da economia. Isto é, contenção do desenvolvimento econômico dos países pobres, para, usando palavras de Lovelock, “sustentar a civilização o máximo de tempo” possível. A palavra “civilização” esconde, nesta frase, aquilo que realmente seu autor quer dizer: os países ricos e o modo de produção capitalista.
Lovelock é, assim, um dos principais - se não o principal - defensores da tese de que o aquecimento global decorre da ação humana. Na verdade, era. Numa entrevista ao site da rede americana MSNBC, em 23 de abril passado, o cientista britânico, de 92 anos de idade, na qual renegou o catastrofismo climático e ambiental e admitiu que exagerou. Reconheceu, sem rodeios: "Tudo bem, cometi um erro."
Naquela entrevista ele disse que o comportamento do clima da Terra desde o ano 2000 contrariou suas previsões mais pessimistas; admitiu que os estudos a respeito são insuficientes, faltando mais pesquisas para entender o futuro do planeta. Reconheceu ter ido “longe demais na extrapolação” sobre o aquecimento global, quando deveria ter sido mais cauteloso. "O problema é que não sabemos como o clima atua, embora achássemos que sabíamos 20 anos atrás. Isso levou à publicação de livros alarmistas, inclusive os meus", disse.
Além de sua própria postura catastrofista, Lovelock acusa também o ex-vice-presidente americano Al Gore e seu filme "Uma Verdade Inconveniente" como exemplo do alarmismo ambientalista.
"O clima continua fazendo os seus truques de sempre. Não tem nada de muito emocionante acontecendo agora. Deveríamos estar a meio caminho de fritarmos", mas não é isso que está acontecendo, disse. Ele estranha o fato de que a temperatura global da Terra não tenha aumentado nos últimos doze anos, embora os níveis de gás carbônico (ou dióxido de carbono) na atmosfera, demonizado como o principal gás do efeito estufa, continuam subindo e batendo recordes. O aquecimento previsto para os doze anos seguintes a 2000 não ocorreu. "Doze anos é um tempo razoável”, e a temperatura tem permanecido constante.
Embora sem abrir mão da tese de que as emissões humanas de dióxido de carbono possam levar a um aumento global na temperatura, ele concorda agora que faltaram estudos a respeito do efeito dos oceanos sobre o clima. O oceano pode ter um papel fundamental, admite. "Ele poderia fazer toda a diferença entre uma idade quente e uma idade do gelo", disse.
Há uma pergunta no ar: foi um erro? Lovelock foi um dos principais formuladores do ambientalismo como ideologia, baseado num “santuarismo” paralisante do desenvolvimento particularmente de países pobres, entre eles a China, a Índia e o Brasil. Entre a ciência e a política, sua ação abandonou a primeira para reforçar o conservadorismo capitalista dominante e a defesa da manutenção da distribuição do poder político e econômico no mundo a favor das potências industriais capitalistas.
Ele foi um dos principais esteios da condenação dos cientistas que não aceitavam a tese dos adeptos da corrente principal do pensamento ambiental segundo a qual a mudança climática seria resultado da ação humana. E que tentaram desqualificar esses críticos impondo-lhes o rótulo de “céticos”.
O rolo compressor de um autointitulado “consenso científico” simplesmente desconsiderou as críticas científicas solidamente fundamentadas que recusavam as “verdades” dogmáticas deste verdadeiro evangelho do santuarismo ambientalista que é o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o organismo da ONU dedicado ao problema) onde os questionamentos feitos pelos cientistas foram simplesmente ignorados. Lovelock foi um dos pilotos desse rolo compressor do conservadorismo ambientalista. Neste sentido, falar em “erro” pode ser simplório pois, na verdade, tratava-se de um dogma político que precisava ser impingido a países que defendiam seu direito ao desenvolvimento combinado com a defesa do meio ambiente. No mundo posterior à crise econômica de 2007/2008 e do rearranjo do quadro geopolítico internacional que veio na esteira dela, os dogmas do rolo compressor do aquecimento global simplesmente perderam o sentido e não colam mais. Qual será, agora, o próximo erro?
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E a Terra não esquentou... |
James Lovelock é um dos gurus da tese segundo a qual o aquecimento global, provocado pelo homem, vai esturricar a Terra. Agora, diz que estava errado. Um erro de consequências políticas monumentais.
James Lovelock é um dos principais ideólogos do catastrofismo ambiental em nossos dias e um dos gurus do movimento ambientalista. Autor de inúmeros livros, formulador da hipótese Gaia, que vê a Terra como se fosse um enorme organismo, ele é um cientista influente que chegou a prever a morte de bilhões de pessoas devido às mudanças climáticas que, em sua opinião, iriam esturricar o planeta. Foi um dos formuladores da tese de que a mudança climática decorre da ação humana sobre o ambiente.
Ele chegou a propor, em 2004, que o que restasse da humanidade só conseguiria viver no Ártico, onde o clima continuaria “tolerável”. E pregava, na linha do mais radical ambientalismo, a necessidade de um “melhor uso dos recursos” da Terra e isto significava, desde as reuniões do Clube de Roma, em 1968, e da ONU em Estocolmo, 1972, a contenção do desenvolvimento da economia. Isto é, contenção do desenvolvimento econômico dos países pobres, para, usando palavras de Lovelock, “sustentar a civilização o máximo de tempo” possível. A palavra “civilização” esconde, nesta frase, aquilo que realmente seu autor quer dizer: os países ricos e o modo de produção capitalista.
Lovelock é, assim, um dos principais - se não o principal - defensores da tese de que o aquecimento global decorre da ação humana. Na verdade, era. Numa entrevista ao site da rede americana MSNBC, em 23 de abril passado, o cientista britânico, de 92 anos de idade, na qual renegou o catastrofismo climático e ambiental e admitiu que exagerou. Reconheceu, sem rodeios: "Tudo bem, cometi um erro."
Naquela entrevista ele disse que o comportamento do clima da Terra desde o ano 2000 contrariou suas previsões mais pessimistas; admitiu que os estudos a respeito são insuficientes, faltando mais pesquisas para entender o futuro do planeta. Reconheceu ter ido “longe demais na extrapolação” sobre o aquecimento global, quando deveria ter sido mais cauteloso. "O problema é que não sabemos como o clima atua, embora achássemos que sabíamos 20 anos atrás. Isso levou à publicação de livros alarmistas, inclusive os meus", disse.
Além de sua própria postura catastrofista, Lovelock acusa também o ex-vice-presidente americano Al Gore e seu filme "Uma Verdade Inconveniente" como exemplo do alarmismo ambientalista.
"O clima continua fazendo os seus truques de sempre. Não tem nada de muito emocionante acontecendo agora. Deveríamos estar a meio caminho de fritarmos", mas não é isso que está acontecendo, disse. Ele estranha o fato de que a temperatura global da Terra não tenha aumentado nos últimos doze anos, embora os níveis de gás carbônico (ou dióxido de carbono) na atmosfera, demonizado como o principal gás do efeito estufa, continuam subindo e batendo recordes. O aquecimento previsto para os doze anos seguintes a 2000 não ocorreu. "Doze anos é um tempo razoável”, e a temperatura tem permanecido constante.
Embora sem abrir mão da tese de que as emissões humanas de dióxido de carbono possam levar a um aumento global na temperatura, ele concorda agora que faltaram estudos a respeito do efeito dos oceanos sobre o clima. O oceano pode ter um papel fundamental, admite. "Ele poderia fazer toda a diferença entre uma idade quente e uma idade do gelo", disse.
Há uma pergunta no ar: foi um erro? Lovelock foi um dos principais formuladores do ambientalismo como ideologia, baseado num “santuarismo” paralisante do desenvolvimento particularmente de países pobres, entre eles a China, a Índia e o Brasil. Entre a ciência e a política, sua ação abandonou a primeira para reforçar o conservadorismo capitalista dominante e a defesa da manutenção da distribuição do poder político e econômico no mundo a favor das potências industriais capitalistas.
Ele foi um dos principais esteios da condenação dos cientistas que não aceitavam a tese dos adeptos da corrente principal do pensamento ambiental segundo a qual a mudança climática seria resultado da ação humana. E que tentaram desqualificar esses críticos impondo-lhes o rótulo de “céticos”.
O rolo compressor de um autointitulado “consenso científico” simplesmente desconsiderou as críticas científicas solidamente fundamentadas que recusavam as “verdades” dogmáticas deste verdadeiro evangelho do santuarismo ambientalista que é o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o organismo da ONU dedicado ao problema) onde os questionamentos feitos pelos cientistas foram simplesmente ignorados. Lovelock foi um dos pilotos desse rolo compressor do conservadorismo ambientalista. Neste sentido, falar em “erro” pode ser simplório pois, na verdade, tratava-se de um dogma político que precisava ser impingido a países que defendiam seu direito ao desenvolvimento combinado com a defesa do meio ambiente. No mundo posterior à crise econômica de 2007/2008 e do rearranjo do quadro geopolítico internacional que veio na esteira dela, os dogmas do rolo compressor do aquecimento global simplesmente perderam o sentido e não colam mais. Qual será, agora, o próximo erro?
sexta-feira, 4 de maio de 2012
Uma rara oportunidade
Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas e no Tribuna do Agreste:
O primeiro de maio no mundo mostrou, pelas gigantescas manifestações acontecidas, a extensão e profundidade da crise do projeto neoliberal ortodoxo em vigência por quase todo o planeta, expõe os gargalos de natureza estrutural tanto do próprio sistema quanto desse modelo econômico imposto às sociedades pelo menos nos últimos vinte e cinco anos.
O primeiro de maio no mundo mostrou, pelas gigantescas manifestações acontecidas, a extensão e profundidade da crise do projeto neoliberal ortodoxo em vigência por quase todo o planeta, expõe os gargalos de natureza estrutural tanto do próprio sistema quanto desse modelo econômico imposto às sociedades pelo menos nos últimos vinte e cinco anos.
Um período caracterizado pela hegemonia absoluta do
neoliberalismo que alcançou uma abrangência multilateral permeando os espaços
da economia mas se estendeu também aos campos da cultura, comunicação,
diplomacia, política, além do inquestionável predomínio militar.
Uma época em que foram mutilados vários princípios
fundamentais da Carta das Nações Unidas, elaborada após a vitória dos aliados
contra o nazi-fascismo.
E tem sido tamanha a força política, militar, do
capital financeiro internacional e dos Estados Unidos, guardiões da nova ordem
mundial, que essa Carta foi reescrita na prática, adequando-a aos novos movimentos
de expansão, centralização do capital em nível global.
Produziu-se também um discurso teórico, ideológico
cujo objetivo central tem sido a manutenção da supremacia absoluta das
estratégias políticas e financeiras do capital, implementadas através dos organismos
que compõem a nova ordem mundial onde o complexo midiático internacional
hegemônico exerce papel determinante.
Esse centro de poder mundial, fenômeno que surgiu após
a débâcle da URSS, sustentado militarmente, elaborou uma "nova agenda
social" como falsa e fragmentada alternativa às fundamentais plataformas
universais das lutas dos trabalhadores e nações, partindo da problematização de
temas pertinentes e generosos, mas que passaram a ser ditados como a quinta-essência
da chamada "questão social".
Mas as consequências da atual crise sistêmica do
capital repõem na ordem do dia, de maneira objetiva, as principais bandeiras de
lutas relativas à emancipação dos povos, assim como o combate pela soberania
nacional, como elementos incontornáveis ao progresso social de qualquer País.
O Brasil na contramão da crise global precisa adotar estratégias
com vistas à construção de um projeto de nação (e de civilização) alternativos a
esses impostos pela nova ordem mundial que se encontra visivelmente esgotada. Em
um mundo que se encaminha para uma transição histórica, é uma rara oportunidade
que não pode ser desperdiçada.
sexta-feira, 27 de abril de 2012
Europa na encruzilhada
Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas e no Tribuna do Agreste:
Todos nós sabemos que a política é um permanente jogo de movimentos. O que diferencia um partido situacionista de outro com objetivo transformador é a perspectiva. Um, atua tendo em vista o permanente movimento, o outro, peleja observando sempre o horizonte mais largo estabelecido em seu programa estratégico.
As atuais eleições na França são uma dessas batalhas em que se está decidindo algo mais que uma mera rotina institucional porque acontece em meio a uma crise econômica estrutural do capitalismo onde a busca por novos rumos para a Europa vem se defrontando com uma forte resistência de natureza conservadora.
Esse confronto se desenvolve por toda a União Europeia, mas atinge a sua dramaticidade em Países que são polos econômicos capitalistas mais desenvolvidos mesmo que a luta social esteja atingindo estágios radicais em elos mais débeis como são os casos de Portugal, Grécia, Espanha etc.
É fato inquestionável que os trabalhadores e demais segmentos sociais que compõem a Comunidade Europeia estão demonstrando sinais de que não estão mais suportando o peso da crise que estão jogando sobre as suas costas, um fardo resultante do intenso processo de concentração e centralização do capital financeiro internacional.
Mas os partidos no poder que sustentam as políticas neoliberais ortodoxas na Europa estão exaurindo as suas forças em consequência dos resultados econômicos e sociais negativos que atingem as mais variadas camadas assalariadas levando as nações a uma grave recessão.
Caso persistam as atuais orientações econômicas e institucionais as elites políticas francesas estarão investindo em um tremendo incêndio social e é óbvio que vai se esgotando, mesmo para o sistema, o papel de lideranças como Sarkozy.
Por outro lado a sociedade ainda não vislumbrou uma alternativa real e concreta aos atuais grupos dominantes mesmo com o soerguimento de uma esquerda mais aguerrida.
Já o Partido Socialista pelos seus antecedentes e o candidato Hollande representam infelizmente uma alternativa centrista, previsível e requentada possibilitando com isso alguma chance ao atual e medíocre presidente francês.
De qualquer maneira crescerá o voto útil contra Sarkozy no segundo turno das eleições e haverá um grande aumento da insubordinação social ao projeto neoliberal que vem sendo aplicado na França, com desdobramentos políticos para o resto do continente.
Todos nós sabemos que a política é um permanente jogo de movimentos. O que diferencia um partido situacionista de outro com objetivo transformador é a perspectiva. Um, atua tendo em vista o permanente movimento, o outro, peleja observando sempre o horizonte mais largo estabelecido em seu programa estratégico.
As atuais eleições na França são uma dessas batalhas em que se está decidindo algo mais que uma mera rotina institucional porque acontece em meio a uma crise econômica estrutural do capitalismo onde a busca por novos rumos para a Europa vem se defrontando com uma forte resistência de natureza conservadora.
Esse confronto se desenvolve por toda a União Europeia, mas atinge a sua dramaticidade em Países que são polos econômicos capitalistas mais desenvolvidos mesmo que a luta social esteja atingindo estágios radicais em elos mais débeis como são os casos de Portugal, Grécia, Espanha etc.
É fato inquestionável que os trabalhadores e demais segmentos sociais que compõem a Comunidade Europeia estão demonstrando sinais de que não estão mais suportando o peso da crise que estão jogando sobre as suas costas, um fardo resultante do intenso processo de concentração e centralização do capital financeiro internacional.
Mas os partidos no poder que sustentam as políticas neoliberais ortodoxas na Europa estão exaurindo as suas forças em consequência dos resultados econômicos e sociais negativos que atingem as mais variadas camadas assalariadas levando as nações a uma grave recessão.
Caso persistam as atuais orientações econômicas e institucionais as elites políticas francesas estarão investindo em um tremendo incêndio social e é óbvio que vai se esgotando, mesmo para o sistema, o papel de lideranças como Sarkozy.
Por outro lado a sociedade ainda não vislumbrou uma alternativa real e concreta aos atuais grupos dominantes mesmo com o soerguimento de uma esquerda mais aguerrida.
Já o Partido Socialista pelos seus antecedentes e o candidato Hollande representam infelizmente uma alternativa centrista, previsível e requentada possibilitando com isso alguma chance ao atual e medíocre presidente francês.
De qualquer maneira crescerá o voto útil contra Sarkozy no segundo turno das eleições e haverá um grande aumento da insubordinação social ao projeto neoliberal que vem sendo aplicado na França, com desdobramentos políticos para o resto do continente.
sexta-feira, 20 de abril de 2012
O fim de um ciclo
Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas e no Tribuna do Agreste:
As recorrentes crises estruturais do capitalismo muito especialmente os grandes ciclos inaugurados em 1929 demonstram sobejamente o caráter maligno desse sistema mas também indicam, paradoxalmente, a sua força ao sobreviver aos seus terremotos intestinos e às tentativas de se superar a sua natureza brutal.
Na sua capacidade mutante de reinventar-se após cada tormenta ele gera novas formas econômicas mantendo a sua essência de acumulação de riquezas através da exploração da força de trabalho assalariada.
Nos tempos atuais assistimos a manifestações dramáticas de mais uma dessas crises, mas em um estágio extremamente sofisticado e complexo do sistema que superou patamares de concentração e centralização do monopólio da riqueza em dimensão global.
O fenômeno da governança global é uma das principais armas de poder da atual etapa hegemônica do capital financeiro internacional porque representa um modelo superior de controle político com características autoritárias e ao mesmo tempo sutis.
Com a capacidade de exercer o governo global através de métodos violentos utilizando-se de todos os instrumentos possíveis, inclusive invasões armadas sob a batuta imperial norte-americana, desconstruído meticulosamente o princípio da autodeterminação das nações.
Para a consecução dos seus interesses apropriou-se dos organismos mundiais criados no pós-guerra que tinham como objetivo uma ordem jurídica internacional depois da onda nazifascista de 1939 a 1945.
Essa hegemonia no interior desses organismos forjou regras, tratados, legislações, acordos econômicos, uniformizando o Direito, a economia, os valores, comportamentos, cultura, em escala planetária, fabricando artificialmente consensos, destruindo identidades regionais, garantias individuais fundamentais, restringindo, apequenando os governos nacionais.
Fortaleceu essa ditadura ideológica através do complexo midiático internacional ditando pontos de vista uniformes sobre os acontecimentos políticos, sociais e até, pasme-se, sobre fenômenos naturais.
Mas a atual tragédia do capitalismo desnudou o modelo de gestão planetária, suas consequências criminosas, reintroduzindo com vigor as lutas populares de sentido universal, a atualidade da questão nacional como aspecto central da emancipação social. E traduz especialmente o fim de um ciclo Histórico através de uma crise de civilização sem precedentes.
As recorrentes crises estruturais do capitalismo muito especialmente os grandes ciclos inaugurados em 1929 demonstram sobejamente o caráter maligno desse sistema mas também indicam, paradoxalmente, a sua força ao sobreviver aos seus terremotos intestinos e às tentativas de se superar a sua natureza brutal.
Na sua capacidade mutante de reinventar-se após cada tormenta ele gera novas formas econômicas mantendo a sua essência de acumulação de riquezas através da exploração da força de trabalho assalariada.
Nos tempos atuais assistimos a manifestações dramáticas de mais uma dessas crises, mas em um estágio extremamente sofisticado e complexo do sistema que superou patamares de concentração e centralização do monopólio da riqueza em dimensão global.
O fenômeno da governança global é uma das principais armas de poder da atual etapa hegemônica do capital financeiro internacional porque representa um modelo superior de controle político com características autoritárias e ao mesmo tempo sutis.
Com a capacidade de exercer o governo global através de métodos violentos utilizando-se de todos os instrumentos possíveis, inclusive invasões armadas sob a batuta imperial norte-americana, desconstruído meticulosamente o princípio da autodeterminação das nações.
Para a consecução dos seus interesses apropriou-se dos organismos mundiais criados no pós-guerra que tinham como objetivo uma ordem jurídica internacional depois da onda nazifascista de 1939 a 1945.
Essa hegemonia no interior desses organismos forjou regras, tratados, legislações, acordos econômicos, uniformizando o Direito, a economia, os valores, comportamentos, cultura, em escala planetária, fabricando artificialmente consensos, destruindo identidades regionais, garantias individuais fundamentais, restringindo, apequenando os governos nacionais.
Fortaleceu essa ditadura ideológica através do complexo midiático internacional ditando pontos de vista uniformes sobre os acontecimentos políticos, sociais e até, pasme-se, sobre fenômenos naturais.
Mas a atual tragédia do capitalismo desnudou o modelo de gestão planetária, suas consequências criminosas, reintroduzindo com vigor as lutas populares de sentido universal, a atualidade da questão nacional como aspecto central da emancipação social. E traduz especialmente o fim de um ciclo Histórico através de uma crise de civilização sem precedentes.
sexta-feira, 13 de abril de 2012
Inferno e brilho de uma cultura
Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas e no Tribuna do Agreste:
Durante os anos sessenta e setenta eclodiram dois fenômenos mundiais de contestação ao sistema estabelecido, as revoltas populares, especialmente a estudantil, e o chamado movimento hippie.
Os primeiros lutavam por modificações estruturais no ensino, contra os regimes sociais existentes, os resquícios do colonialismo clássico ainda remanescentes, as ditaduras militares que brotavam como praga nos Países do terceiro mundo.
Os adeptos do movimento hippie batiam-se por mudanças pacíficas no interior desse sistema defendendo uma espécie de cultura alternativa principalmente em relação à sociedade de consumo, às manifestações de autoritarismo, à censura, aos costumes, etc.
Nessa época muitas nações oprimidas pelo colonialismo ou o imperialismo lograram significativas vitórias especialmente nos continentes africano e asiático. Tudo isso influenciou profundamente a sociedade americana, especialmente a guerra contra o Vietnã.
Diz o veterano jornalista norte-americano Mikal Gilmore da revista Rolling Stones que a força dessas ideias adquiriu tal magnitude nos EUA que nas décadas seguintes os vários governos tiveram entre os seus objetivos estratégicos internos o aniquilamento das organizações, a cooptação ou esmagamento político das lideranças, artistas e destacados intelectuais americanos, uma reedição do macartismo que vigorou por lá nos anos cinquenta.
Talvez essa denúncia de Mikal Gilmore também sirva para nos explicar a pobreza da atual geração de intelectuais e artistas dos Estados Unidos, com as óbvias exceções, a incrível ascensão da cultura do escapismo e da paranoia generalizada.
Hoje há uma aguda crise internacional do capitalismo na Europa e nos EUA, o neoliberalismo fracassou enquanto doutrina, cresce a tendência de uma outra ordem mundial com a emergência dos BRICS e surgem, ainda incipientes, os movimentos populares de resistência em várias cidades americanas.
No entanto o complexo militar-ideológico-midiático, o capital financeiro global e o reacionarismo imperial intervencionista detêm a hegemonia tanto interna quanto em escala mundial.
Mas como a História segue o seu curso é possível que o berço de uma das grandes culturas contemporâneas recupere o vigor, brilhantismo e talento que sempre possuiu salvo quando as suas elites a arrastaram para o inferno moral e a depressão intelectual.
Durante os anos sessenta e setenta eclodiram dois fenômenos mundiais de contestação ao sistema estabelecido, as revoltas populares, especialmente a estudantil, e o chamado movimento hippie.
Os primeiros lutavam por modificações estruturais no ensino, contra os regimes sociais existentes, os resquícios do colonialismo clássico ainda remanescentes, as ditaduras militares que brotavam como praga nos Países do terceiro mundo.
Os adeptos do movimento hippie batiam-se por mudanças pacíficas no interior desse sistema defendendo uma espécie de cultura alternativa principalmente em relação à sociedade de consumo, às manifestações de autoritarismo, à censura, aos costumes, etc.
Nessa época muitas nações oprimidas pelo colonialismo ou o imperialismo lograram significativas vitórias especialmente nos continentes africano e asiático. Tudo isso influenciou profundamente a sociedade americana, especialmente a guerra contra o Vietnã.
Diz o veterano jornalista norte-americano Mikal Gilmore da revista Rolling Stones que a força dessas ideias adquiriu tal magnitude nos EUA que nas décadas seguintes os vários governos tiveram entre os seus objetivos estratégicos internos o aniquilamento das organizações, a cooptação ou esmagamento político das lideranças, artistas e destacados intelectuais americanos, uma reedição do macartismo que vigorou por lá nos anos cinquenta.
Talvez essa denúncia de Mikal Gilmore também sirva para nos explicar a pobreza da atual geração de intelectuais e artistas dos Estados Unidos, com as óbvias exceções, a incrível ascensão da cultura do escapismo e da paranoia generalizada.
Hoje há uma aguda crise internacional do capitalismo na Europa e nos EUA, o neoliberalismo fracassou enquanto doutrina, cresce a tendência de uma outra ordem mundial com a emergência dos BRICS e surgem, ainda incipientes, os movimentos populares de resistência em várias cidades americanas.
No entanto o complexo militar-ideológico-midiático, o capital financeiro global e o reacionarismo imperial intervencionista detêm a hegemonia tanto interna quanto em escala mundial.
Mas como a História segue o seu curso é possível que o berço de uma das grandes culturas contemporâneas recupere o vigor, brilhantismo e talento que sempre possuiu salvo quando as suas elites a arrastaram para o inferno moral e a depressão intelectual.
sábado, 7 de abril de 2012
Hegemonia, crime e alienação
Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas e na Tribuna do Agreste:
O quarto encontro de cúpula das cinco grandes nações emergentes, os BRICS, realizado em Nova Delhi na Índia, representa muito mais que uma dessas reuniões quase burocráticas com que de vez em quando o mundo diplomático agracia a opinião pública brasileira e internacional.
Não é sem razão também que as grandes maiorias que compõem essa mesma opinião pública internacional e nacional observam com fastio ou indiferença o episódio.
Porque o grande complexo midiático hegemônico internacional associado e parte integrante do capital financeiro global, responsável e beneficiário da grande crise capitalista global iniciada em 2008, não está nem aí para a informação justa e imparcial, muito pelo contrário, o que ele realiza é a desinformação sobre os fatos, suas causas e consequências.
O papel do monopólio planetário da informação é absurdamente doloso aos Países e aos povos. Cientistas sociais de várias nações, inclusive entre as mais ricas, afirmam que a época das ditaduras das baionetas, prisões, torturas, censura à imprensa, aos jornalistas, estupro ao estado de direito, são coisas do passado, jurássicas.
Dizem eles que estamos sob uma governança global, um sistema autoritário bem mais eficiente, muito embora às vezes as coisas fujam do controle, como o que está ocorrendo com as rebeliões sociais na Europa conflagrada pela crise financeira geral.
Exatamente quando há mudanças geopolíticas globais em curso e grandes veredas para se constituir uma outra ordem mundial, possibilidades de a humanidade abrir espaços a uma nova alternativa de justiça social, superando a atual economia da fome, da miséria, da cultura da violência, do individualismo exacerbado, o assassinato do conceito da fraternidade humana, cujos responsáveis deveriam constar como réus em um novo tribunal de Nuremberg.
Sob a bandeira dos diretos humanos elogia-se uma nova corrida militar colonialista promovida através de um descomunal banho de sangue pela grande potência do planeta.
Ao mesmo tempo em que somos informados que em Londres um pinguim toma conta de um gato e da casa na ausência do proprietário, um parlamentar apologista da moralidade é amigo e beneficiário de um notório bandido e um casal torna-se vitorioso em um reality show depois de pisar no pescoço dos demais competidores. Essa criminosa cultura da alienação geral seria cômica se não fosse trágica.
O quarto encontro de cúpula das cinco grandes nações emergentes, os BRICS, realizado em Nova Delhi na Índia, representa muito mais que uma dessas reuniões quase burocráticas com que de vez em quando o mundo diplomático agracia a opinião pública brasileira e internacional.
Não é sem razão também que as grandes maiorias que compõem essa mesma opinião pública internacional e nacional observam com fastio ou indiferença o episódio.
Porque o grande complexo midiático hegemônico internacional associado e parte integrante do capital financeiro global, responsável e beneficiário da grande crise capitalista global iniciada em 2008, não está nem aí para a informação justa e imparcial, muito pelo contrário, o que ele realiza é a desinformação sobre os fatos, suas causas e consequências.
O papel do monopólio planetário da informação é absurdamente doloso aos Países e aos povos. Cientistas sociais de várias nações, inclusive entre as mais ricas, afirmam que a época das ditaduras das baionetas, prisões, torturas, censura à imprensa, aos jornalistas, estupro ao estado de direito, são coisas do passado, jurássicas.
Dizem eles que estamos sob uma governança global, um sistema autoritário bem mais eficiente, muito embora às vezes as coisas fujam do controle, como o que está ocorrendo com as rebeliões sociais na Europa conflagrada pela crise financeira geral.
Exatamente quando há mudanças geopolíticas globais em curso e grandes veredas para se constituir uma outra ordem mundial, possibilidades de a humanidade abrir espaços a uma nova alternativa de justiça social, superando a atual economia da fome, da miséria, da cultura da violência, do individualismo exacerbado, o assassinato do conceito da fraternidade humana, cujos responsáveis deveriam constar como réus em um novo tribunal de Nuremberg.
Sob a bandeira dos diretos humanos elogia-se uma nova corrida militar colonialista promovida através de um descomunal banho de sangue pela grande potência do planeta.
Ao mesmo tempo em que somos informados que em Londres um pinguim toma conta de um gato e da casa na ausência do proprietário, um parlamentar apologista da moralidade é amigo e beneficiário de um notório bandido e um casal torna-se vitorioso em um reality show depois de pisar no pescoço dos demais competidores. Essa criminosa cultura da alienação geral seria cômica se não fosse trágica.
quinta-feira, 5 de abril de 2012
Os BRICS e uma ordem mundial diferente
Publicado na Resenha Estratégica:
Qualquer análise minimamente realista do presente cenário global aponta para o esgotamento do modelo de organização dos assuntos mundiais consolidado em torno da hegemonia econômico-financeira e político-militar do eixo Washington-Nova York-Londres e seus apêndices europeus e israelenses. Definitivamente, as aspirações e necessidades do mundo crescentemente complexo, interdependente e interligado do século XXI se mostram incompatíveis com a subordinação das economias nacionais a um sistema financeiro essencialmente privatizado, desregulamentado e convertido num fim em si próprio, além da submissão da agenda das relações internacionais às diretrizes emanadas daqueles centros de poder, com frequência, impostas direta ou indiretamente pelo poder militar. Uma consequência dessas transformações em curso é a emergência dos BRICS, como um vetor com enorme potencial de contribuição para a construção de uma ordem mundial diferente, como se viu na quarta cúpula do grupo, em Nova Délhi, na semana passada.
De fato, o mundo atravessa um momento de inflexão histórica, análogo ao apresentado ao final da II Guerra Mundial, quando as perspectivas para a reconstrução mundial do pós-guerra haviam sido claramente explicitadas pelo presidente estadunidense Franklin D. Roosevelt, sintetizadas em seu célebre conceito das "quatro liberdades" fundamentais, que deveriam ser desfrutadas pelos povos de todo o mundo: de expressão, de culto, das vicissitudes da penúria e do medo. Tal orientação esteve no cerne da sua aliança estratégica com o premier britânico Winston Churchill, a quem reiterou em várias ocasiões que os EUA não entrariam em um novo conflito para preservar os impérios coloniais europeus. Desafortunadamente, a sua morte prematura, em abril de 1945, abriu caminho para os descaminhos da Guerra Fria, a qual, a despeito dos enormes benefícios proporcionados pela relativa estabilidade da ordem econômica estabelecida em Bretton Woods, assistiu, também, à consolidação do sistema financeiro e do complexo industrial-militar como centros de poder político, em especial, a partir da década de 1970, processo que conduziu ao presente impasse civilizatório.
O surgimento dos BRICS, como um bloco relativamente articulado em torno de certas questões estratégicas, é uma importante novidade nesse quadro de deterioração do sistema mundial, no qual um fator de grande relevância é uma percepção cada vez mais disseminada sobre o crescente déficit de justiça socioeconômica ensejado pelo status quo, que está na raiz da grande maioria das convulsões que têm abalado o planeta. Evidentemente, esta perspectiva se contrapõe à intenção do Establishment dominante de preservar os seus "privilégios percebidos" e, apesar do caráter não-confrontacional do grupo, a sua mera existência representa uma ameaça àqueles centros de poder, como se percebe pelas reações azedas e depreciativas divulgadas pela mídia anglo-americana.
Reações que foram oportunamente registradas pelo vice-presidente de Relações Institucionais da Embraer, Jackson Schneider, em entrevista ao jornal The Times of India (1/04/2012): "O BRICS não é uma ideia. Já é uma realidade. O equilíbrio da ordem global existente está mudando. Se o BRICS não tivesse força, por que o New York Times estaria gastando tanta tinta e tempo conosco?"
Nos dias anteriores e seguintes à cúpula de Nova Délhi, o jornal de Nova York foi um dos muitos órgãos vinculados ao Establishment anglo-americano que publicou uma vasta coleção de artigos e editoriais sobre o grupo, a grande maioria, depreciativos, embora alguns denotassem uma certa cautela quanto às suas perspectivas e potenciais. Uma apreciação típica foi a do colunista econômico do Daily Telegraph londrino, Jeremy Warner, na edição de 29 de março:
"(...) Eu tenho acompanhado essas reuniões das nações do BRICS em ação, e o que tenho a dizer é que elas não são, de modo algum, impressionantes. Há muito pouco sentido de propósito e identidade comum. Na verdade, eles fazem a União Europeia parecer um paradigma de calma e harmonia. De dia, eles falam alto sobre ações multilaterais para reorientar o campo de jogo em favor das nações mais pobres, enquanto, à noite, tramam vergonhosamente uns contra os outros, frequentemente, em conjunto com os seus supostos opressores econômicos no Ocidente. Não há virtualmente nada que os une, além do ressentimento e suspeição do monopólio ocidental, em parte, justificados, em parte, não. Eu lhes desejo boa sorte com o seu novo banco de desenvolvimento, mas quando se trata de onde será construída a próxima represa, e quem irá construí-la, é aí que sairão as faíscas".
Seguindo a linha de muitos analistas, inclusive, nos próprios BRICS, que se apegam à parte em detrimento do todo, o que Warner reflete é uma certa perplexidade e incapacidade de enxergar uma ordem global que não seja subordinada pelos interesses representados, predominantemente, na City de Londres, Wall Street e no Pentágono.
Na contracorrente, um comentarista que avaliou corretamente a situação foi o arguto Fyodor Lukyanov, editor-chefe da revista Russia in Global Affairs e colunista da agência Novosti. Em sua coluna de 29 de março, depois de descrever as enormes diferenças entre os membros do grupo, ele foi ao cerne da questão:
"Os BRICS estão sendo reunidos e movidos para a frente, não tanto pelos requisitos dos seus países membros, mas pela situação geral no mundo. As mudanças são rápidas e imprevisíveis, e as receitas para a resolução dos assuntos internacionais oferecidas pelos líderes usuais (o Ocidente), ou não funcionam, ou produzem o efeito oposto. Há uma demanda por soluções alternativas, embora, no momento, nenhum Estado individual que esteja desempenhando um grande papel regional (e os países dos BRICS entram nesta categoria) tem a oportunidade (ou o desejo) de oferecer uma visão global abrangente".
Igualmente, Lukyanov chama a atenção para um fator que deverá ter uma grande relevância para que o bloco possa desempenhar esse papel, o retorno de Vladimir Putin à presidência da Federação Russa:
"(...) O futuro presidente russo vê o fator unificador no fato de que todos os países do BRICS, não apenas têm visões similares sobre a necessidade de uma nova ordem mundial multipolar, mas, mais importante ainda, compartilham o mesmo valor básico - a soberania nacional como elemento estrutural fundamental do sistema mundial. Este conceito é uma alternativa ao enfoque ocidental, que se baseia na premissa de que, hoje, a soberania não é mais sagrada e imutável como era no passado".
Não é casual que Putin tenha se mostrado ser o estadista mundial mais afinado com os princípios e ensinamentos de Roosevelt, cuja agenda já mencionou em várias oportunidades como um guia para a superação da presente crise global, por exemplo, no seminário "As lições do New Deal para a Rússia e o mundo de hoje", realizado em Moscou, em fevereiro de 2007, por ocasião do 125o. aniversário de nascimento do presidente estadunidense - ignorado em seu próprio país (Resenha Estratégica, 14/03/2007).
Quanto à cúpula, embora muita ênfase tenha sido dada à discussão sobre um "Banco dos BRICS", que rivalizaria com o Banco Mundial como banco de desenvolvimento, é de grande relevância que a proposta se mantenha de pé e deverá ser objeto de aprofundamento de estudos pelos países membros. Evidentemente, não se cria uma instituição do gênero da noite para o dia, principalmente, uma com o potencial impacto político e econômico que teria uma instituição de fomento com recursos pelo menos na mesma magnitude do Banco Mundial e fora do controle dos centros financeiros ocidentais. Se Brasília, Moscou, Délhi, Pequim e Pretória mantiverem o "gostinho" do protagonismo conjunto que parecem estar sentido, o banco poderá ser apenas uma de uma série de novidades positivas para um cenário global que está carente delas.
Qualquer análise minimamente realista do presente cenário global aponta para o esgotamento do modelo de organização dos assuntos mundiais consolidado em torno da hegemonia econômico-financeira e político-militar do eixo Washington-Nova York-Londres e seus apêndices europeus e israelenses. Definitivamente, as aspirações e necessidades do mundo crescentemente complexo, interdependente e interligado do século XXI se mostram incompatíveis com a subordinação das economias nacionais a um sistema financeiro essencialmente privatizado, desregulamentado e convertido num fim em si próprio, além da submissão da agenda das relações internacionais às diretrizes emanadas daqueles centros de poder, com frequência, impostas direta ou indiretamente pelo poder militar. Uma consequência dessas transformações em curso é a emergência dos BRICS, como um vetor com enorme potencial de contribuição para a construção de uma ordem mundial diferente, como se viu na quarta cúpula do grupo, em Nova Délhi, na semana passada.
De fato, o mundo atravessa um momento de inflexão histórica, análogo ao apresentado ao final da II Guerra Mundial, quando as perspectivas para a reconstrução mundial do pós-guerra haviam sido claramente explicitadas pelo presidente estadunidense Franklin D. Roosevelt, sintetizadas em seu célebre conceito das "quatro liberdades" fundamentais, que deveriam ser desfrutadas pelos povos de todo o mundo: de expressão, de culto, das vicissitudes da penúria e do medo. Tal orientação esteve no cerne da sua aliança estratégica com o premier britânico Winston Churchill, a quem reiterou em várias ocasiões que os EUA não entrariam em um novo conflito para preservar os impérios coloniais europeus. Desafortunadamente, a sua morte prematura, em abril de 1945, abriu caminho para os descaminhos da Guerra Fria, a qual, a despeito dos enormes benefícios proporcionados pela relativa estabilidade da ordem econômica estabelecida em Bretton Woods, assistiu, também, à consolidação do sistema financeiro e do complexo industrial-militar como centros de poder político, em especial, a partir da década de 1970, processo que conduziu ao presente impasse civilizatório.
O surgimento dos BRICS, como um bloco relativamente articulado em torno de certas questões estratégicas, é uma importante novidade nesse quadro de deterioração do sistema mundial, no qual um fator de grande relevância é uma percepção cada vez mais disseminada sobre o crescente déficit de justiça socioeconômica ensejado pelo status quo, que está na raiz da grande maioria das convulsões que têm abalado o planeta. Evidentemente, esta perspectiva se contrapõe à intenção do Establishment dominante de preservar os seus "privilégios percebidos" e, apesar do caráter não-confrontacional do grupo, a sua mera existência representa uma ameaça àqueles centros de poder, como se percebe pelas reações azedas e depreciativas divulgadas pela mídia anglo-americana.
Reações que foram oportunamente registradas pelo vice-presidente de Relações Institucionais da Embraer, Jackson Schneider, em entrevista ao jornal The Times of India (1/04/2012): "O BRICS não é uma ideia. Já é uma realidade. O equilíbrio da ordem global existente está mudando. Se o BRICS não tivesse força, por que o New York Times estaria gastando tanta tinta e tempo conosco?"
Nos dias anteriores e seguintes à cúpula de Nova Délhi, o jornal de Nova York foi um dos muitos órgãos vinculados ao Establishment anglo-americano que publicou uma vasta coleção de artigos e editoriais sobre o grupo, a grande maioria, depreciativos, embora alguns denotassem uma certa cautela quanto às suas perspectivas e potenciais. Uma apreciação típica foi a do colunista econômico do Daily Telegraph londrino, Jeremy Warner, na edição de 29 de março:
"(...) Eu tenho acompanhado essas reuniões das nações do BRICS em ação, e o que tenho a dizer é que elas não são, de modo algum, impressionantes. Há muito pouco sentido de propósito e identidade comum. Na verdade, eles fazem a União Europeia parecer um paradigma de calma e harmonia. De dia, eles falam alto sobre ações multilaterais para reorientar o campo de jogo em favor das nações mais pobres, enquanto, à noite, tramam vergonhosamente uns contra os outros, frequentemente, em conjunto com os seus supostos opressores econômicos no Ocidente. Não há virtualmente nada que os une, além do ressentimento e suspeição do monopólio ocidental, em parte, justificados, em parte, não. Eu lhes desejo boa sorte com o seu novo banco de desenvolvimento, mas quando se trata de onde será construída a próxima represa, e quem irá construí-la, é aí que sairão as faíscas".
Seguindo a linha de muitos analistas, inclusive, nos próprios BRICS, que se apegam à parte em detrimento do todo, o que Warner reflete é uma certa perplexidade e incapacidade de enxergar uma ordem global que não seja subordinada pelos interesses representados, predominantemente, na City de Londres, Wall Street e no Pentágono.
Na contracorrente, um comentarista que avaliou corretamente a situação foi o arguto Fyodor Lukyanov, editor-chefe da revista Russia in Global Affairs e colunista da agência Novosti. Em sua coluna de 29 de março, depois de descrever as enormes diferenças entre os membros do grupo, ele foi ao cerne da questão:
"Os BRICS estão sendo reunidos e movidos para a frente, não tanto pelos requisitos dos seus países membros, mas pela situação geral no mundo. As mudanças são rápidas e imprevisíveis, e as receitas para a resolução dos assuntos internacionais oferecidas pelos líderes usuais (o Ocidente), ou não funcionam, ou produzem o efeito oposto. Há uma demanda por soluções alternativas, embora, no momento, nenhum Estado individual que esteja desempenhando um grande papel regional (e os países dos BRICS entram nesta categoria) tem a oportunidade (ou o desejo) de oferecer uma visão global abrangente".
Igualmente, Lukyanov chama a atenção para um fator que deverá ter uma grande relevância para que o bloco possa desempenhar esse papel, o retorno de Vladimir Putin à presidência da Federação Russa:
"(...) O futuro presidente russo vê o fator unificador no fato de que todos os países do BRICS, não apenas têm visões similares sobre a necessidade de uma nova ordem mundial multipolar, mas, mais importante ainda, compartilham o mesmo valor básico - a soberania nacional como elemento estrutural fundamental do sistema mundial. Este conceito é uma alternativa ao enfoque ocidental, que se baseia na premissa de que, hoje, a soberania não é mais sagrada e imutável como era no passado".
Não é casual que Putin tenha se mostrado ser o estadista mundial mais afinado com os princípios e ensinamentos de Roosevelt, cuja agenda já mencionou em várias oportunidades como um guia para a superação da presente crise global, por exemplo, no seminário "As lições do New Deal para a Rússia e o mundo de hoje", realizado em Moscou, em fevereiro de 2007, por ocasião do 125o. aniversário de nascimento do presidente estadunidense - ignorado em seu próprio país (Resenha Estratégica, 14/03/2007).
Quanto à cúpula, embora muita ênfase tenha sido dada à discussão sobre um "Banco dos BRICS", que rivalizaria com o Banco Mundial como banco de desenvolvimento, é de grande relevância que a proposta se mantenha de pé e deverá ser objeto de aprofundamento de estudos pelos países membros. Evidentemente, não se cria uma instituição do gênero da noite para o dia, principalmente, uma com o potencial impacto político e econômico que teria uma instituição de fomento com recursos pelo menos na mesma magnitude do Banco Mundial e fora do controle dos centros financeiros ocidentais. Se Brasília, Moscou, Délhi, Pequim e Pretória mantiverem o "gostinho" do protagonismo conjunto que parecem estar sentido, o banco poderá ser apenas uma de uma série de novidades positivas para um cenário global que está carente delas.
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