quinta-feira, 20 de junho de 2019

O progressista de ontem e o do amanhã

Resenha do livro "O progressista de ontem e o do amanhã", de Mark Lilla, publicada no portal Bonifácio, www.bonifacio.net.br:




Lutas identitárias trocam projeto político geral por evangelização de grupos

Eduardo Bomfim - 18/06/2019

Ao se ler o livro O progressista de ontem e o do amanhã do cientista político Mark Lilla, escrito após a vitória de Donald Trump, tem-se a certeza de que os seus argumentos e análises referem-se igualmente ao recente processo eleitoral realizado no Brasil, quase que literalmente.

Assim é que por aqui também parece existir a polarização entre os partidos Democrata e Republicano dos Estados Unidos, especialmente o confronto das políticas identitárias fomentadas desde os anos 80, sob a hegemonia do clã dos Clintons, apoiadas pelas estratégias dos grandes especuladores financeiros do tipo George Soros e outros, versus uma outra casta de financistas aliada ao presidente Trump.

Os democratas norte-americanos, afirma Mark Lilla, teriam abandonado as grandes linhas de administração e políticas que falavam para o conjunto da nação e assumiram a orientação multiculturalista de parcelas da sociedade, que passaram a condenar as grandes maiorias sociais por injustiças cometidas às chamadas minorias.

Abandonaram “a ideia e a visão central da nação, do sentimento de solidariedade, do espírito de oportunidade para todos e do dever público, perdendo o sentido do que compartilhamos como cidadãos e do que nos une como nação”, afirma Lilla.

Nos anos 60, prossegue, a luta pelos Direitos Civis significava a batalha de grandes grupos de pessoas em defesa dos direitos das mulheres, contra o racismo, pelo reconhecimento efetivo das minorias, que tinha a simpatia e adesão entusiasmada das grandes maiorias sociais.

Mas nos anos 80, continua o cientista político norte-americano, essa política cedeu lugar a uma pseudopolítica de autoestima e de autodefinição cada vez mais estreita, autocentrada e excludente, promovendo sucessivas fragmentações internas, visões tribais, e, por óbvio, a condenação das grandes maiorias que não pertenciam às especificidades classificadas, que seriam responsáveis pelas alegadas injustiças históricas, fazendo voltar-se a juventude para a própria interioridade e praticamente condenando o mundo exterior não pertencente aos grupos identitários.

Assim, o identitarismo passou a ser visto pelas maiorias sociais como uma doutrina professada basicamente por determinados setores das elites urbanas instruídas, sem contato com o resto do país, cujos esforços se resumem em zelar e alimentar movimentos hipersensíveis, que dissipam, em vez de concentrar, as energias da sociedade como um todo.

O identitarismo, ao contrário de negar as agendas do neoliberalismo radical, reforça-o, afirma Lilla, porque reduz o espírito da comunidade nacional ao indivíduo, ao grupo. Em consequência, o identitarismo deixou de ser um projeto político relevante e se metamorfoseou num programa de evangelização.

Espertamente, Donald Trump tirou proveito da crise estrutural, da desindustrialização que vivem os EUA e pôs a culpa nos democratas, sob a orientação do estrategista e marqueteiro Steve Bannon. O mesmo que atuou nas eleições no Brasil.

As políticas identitárias atuais dos democratas e o discurso demagógico, chauvinista da ala direita republicana de Donald Trump representam um dos tempos mais medíocres da história dos Estados Unidos.

De tal forma é a influência dessas duas correntes em disputa nos EUA, aqui no Brasil, que jornalistas e analistas afirmam que os blogs, portais, a grande mídia e o mundo da política nativa encontram-se cada vez mais alinhados e semelhantes à linha dos democratas e republicanos norte-americanos.

Exatamente nas coisas eivadas de uma carga ideologizada fora da realidade, que serve a interesses que promovem a desunião do povo brasileiro tais como uma antropologia binária, que não é a nossa formação histórica policrômica, mestiça, a nossa visão de um Estado laico, a tradição do culto de sincretismos religiosos tradicionais celebrados em muitas manifestações populares como as afro-católicas, por exemplo.

Assim como o alinhamento a um neoliberalismo extremado da Escola de Chicago que já não é praticado nem nos EUA, onde se pauta a independência do Banco Central, mas não o dos EUA, eufemismo para doação do nosso BC às finanças globais, uma reforma da Previdência Social que privilegia o sistema financeiro, penaliza a classe média e os pobres, privatização de empresas estatais estratégicas, etc., etc.

A política externa é alinhada, com as tintas de religiosidade puritana, à visão supremacista do governo Trump.

Desvia-se da tradição multilateralista do Itamaraty na mediação diplomática e dos nossos objetivos nacionais, abrindo mão da liderança regional hemisférica, cujas consequências têm sido a crescente presença geomilitar da Rússia, a comercial da China, na região perigosamente conflituosa como a Venezuela.

Resultado do vácuo que vai sendo deixado pela ausência de uma diplomacia estratégica eficiente, mediadora e propositiva.

Essas potências estão jogando o jogo delas, o Brasil é que está abrindo mão do seu papel histórico.

Já setores de “esquerda” insistem nesse discurso identitário, que a levou a uma derrota eleitoral “acachapante” e plebiscitária, cuja matriz é patrocinada por megaespeculadores como George Soros e ONGs que atuam no mundo visando desestabilizar, fraturar os povos.

É surreal a existência de 800 mil ONGs atuando alegremente no País, muitas delas contrárias à nossa soberania, desenvolvimento econômico, associadas a países que sabotam o nosso protagonismo internacional.

São pertinentes várias observações feitas por Mark Lilla. E diante desse caldo tóxico de ódios, intolerâncias mil, “guerras ideológicas”, da pós-verdade onde o que menos vale é a análise concreta da realidade concreta, a racionalidade, é aconselhável ficar com os princípios indeclináveis em defesa da nação, do espírito progressista, das liberdades democráticas.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Panem et circenses

Meu novo artigo, publicado também na Gazeta de Alagoas, Tribuna do Sertão e Tribuna do Agreste:


Quando o Império Romano da Antiguidade atingiu o auge e Roma era a capital cosmopolita do mundo, submetido às suas diretivas, a opulência, o fastio tornaram-se elementos predominantes, daí que os imperadores criaram o modus vivendi à base do que ficou conhecido como “pão e circo”, que possibilitava controlar os súditos espalhados por seu vasto império.

Nos tempo atuais e a partir do novo milênio, essa máxima criada pela Roma antiga continua em pleno vigor. O pão, é escasso, mas o circo está no auge, mais uma vez.

Ela é promovida através da grande mídia global hegemônica, que determina o que é certo ou errado, condenável ou aceitável, o politicamente correto, ou o que é politicamente incorreto, transformando-os em leis, muitas delas via organismos de controle internacional.

Toda essa parafernália de manipulação dos fatos e indivíduos, vem sendo também difundida através das redes sociais, e dá a impressão aos cidadãos, uma ilusão, de que possuem elevado protagonismo no País ou mesmo no mundo.

Nem todos param para refletir sobre a origem da informação, a quem ela serve, quem a produziu e com quais objetivos. Daí, as famosas fake news que se transformaram em pesadelo mundial e nas redes sociais.

Mas a grande mídia global também fabrica as suas próprias fake news, que rivalizam com as fake news dos robôs que circulam nessas redes sociais, as quais, segundo o filólogo, Historiador italiano Umberto Eco, deram voz à idiotia.

Por isso, os jornais dessa grande mídia global vêm denunciando o que é falso ou verdade. Para essa mídia é verdade o que ela publica, inclusive on line, e falso o que sai das redes sociais.

Mas a grande prejudicada, de um jeito ou de outro, é a notícia e a realidade.

O jornalista e cineasta argentino Santiago Mitre declarou em recente entrevista que os noticiários dessa grande mídia se transformaram em “um artifício de ficção”.

Enfim, constroem-se e destroem-se reputações em frações de segundos. Uma atriz da televisão disse que foi humilhada nas redes sociais, o que a levou à depressão, hoje uma tremenda epidemia mundial, até que constatou: a sua humilhação tinha durado pouco tempo, foi substituída por novos humilhados, numa escala interminável.

Nesse contexto também se ditam normas de comportamento, condenam-se outras, e logo substituem-se por novas formas de posturas, criminalizando as anteriores e assim em moto contínuo. O que não prevalece é a análise e o bom senso, a pesquisa objetiva, o critério científico sobre as coisas e os fenômenos.

Por isso o ditado hoje popular: cada um na sua caixinha, ou cada um no seu quadrado. É a apologia ao tribalismo, é a desorientação das pessoas, negando a visão universal do mundo.

Um especulador bilionário norte-americano comprou, como se compra pão na padaria, um tradicional e conservador jornal dos EUA. Outro financista biliardário investiu num jornal de alcance global na internet, que se auto define de “esquerda”.

Eles fazem a cabeça das pessoas, inclusive nas redes sociais, ditam as ideologias consumidas, construindo polarizações iracundas onde prevalece o ódio, a ausência mínima de critérios de convivência humana.

Os novos imperadores romanos são os donos do Mercado financeiro. Que destroem as economias, os diretos trabalhistas, o patrimônios estatal das nações, construídos há décadas, manipulam os indivíduos via tempestades de ódios difusos, fraturando o tecido social dos povos, como no Brasil. Trata-se de um circo macabro. Com pão envenenado.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Brutalidade

Meu novo artigo, publicado também na Gazeta de Alagoas, Tribuna do Sertão e Tribuna do Agreste:


A ficção é uma narrativa, quando bem elaborada, sublime ou genial, fundamental à civilização humana. Projeta no indivíduo ou coletivo social um quadro do passado, do presente ou até mesmo lança cenários ao futuro, encontra-se presente em todas as formas de arte ou de diversão, entretenimento.

O grande problema é que nos dias atuais a ficção tem servido, como nunca, a um processo crescente de contornar a realidade, de tal forma que é visível a substituição dos fatos objetivos pela ficção, onde a distopia é confundida com a vida e, em muitos casos, tem provocado movimentos de ativistas sociais, em uma espécie de mundo paralelo.

A mais recente estatística publicada pelo IBGE mostra que existem no Brasil 78 milhões de nacionais que vivem sem saneamento básico, o que significa que estão expostos a doenças que a ciência médica possui condições de combater com plena eficácia, desde que exista uma política competente de saúde pública.

Mas indica igualmente que milhões de indivíduos correm o risco de contrair doenças ou morrer por absoluta ausência de mecanismos elementares, como esgotos tratados, algo que já existe desde o final do século XIX, para não falarmos no século XX.

Em decorrência da ausência do tratamento de esgotos para 78 milhões de brasileiros, a poluição torna-se um gravíssimo problema de saúde pública, porque atinge além dos que não possuem saneamento básico, se estende para os demais setores da população.

Por isso, a grande maioria das praias do Brasil não possuem condições de balneabilidade em um bom período do ano, mas, mesmo assim continuam frequentadas pelos banhistas.

Os principais rios e córregos do litoral brasileiro que correm para o oceano estão em condições de extrema imundice, principalmente porque às suas margens cresceram, continuam crescendo, extensas comunidades de pessoas deserdadas de uma vida digna, sem saneamento básico. E dejetos químicos industriais.

Não é sem razão que retornam com força doenças debeladas há décadas e surgem outras cujas raízes vêm da ausência de um mínimo de políticas sanitárias públicas.

Na Europa, uma jovem de 15 anos transformou-se do dia para a noite em uma celebridade profética e apocalíptica, apoiada por uma ONG ambiental. Sua narrativa tem sido o colapso iminente do planeta sob o efeito da emissão de gás carbono.

É um discurso massivo, através da grande mídia hegemônica global, que não só transformou a jovem de 15 anos em uma profetisa do Armagedom, mas fez com que os grupos Verdes aumentassem exponencialmente seus votos no parlamento europeu. Porém, a Europa vive um quadro de perigosa desintegração econômica, social e política.

No velho continente o desemprego é altíssimo, quarenta por cento da força de trabalho jovem está desempregada. No Brasil, entre desempregados e subempregados, são mais de 28 milhões de pessoas, recorde histórico.

Já os índices das Bolsas de Valores indicam que os lucros do Mercado financeiro atingiram níveis estratosféricos no planeta.

Sem causas, líderes, ideias que promovam a solidariedade coletiva em defesa da vida, da esperança em um mundo melhor, tolerante, mais humano, prevalece a desorientação geral. Além de uma histeria ideológica onde reinam as fake news e o discurso falseado da grande mídia global.

Só será possível superar a tragédia civilizacional que vivemos, com a compreensão da realidade, brutalmente imposta às sociedades.