quinta-feira, 23 de maio de 2019

A última flor do Lácio

Meu novo artigo, publicado também na Gazeta de Alagoas, Tribuna do Sertão e Tribuna do Agreste:


Chico Buarque ganhou o prêmio Luís de Camões, o maior da literatura e cultura da língua portuguesa. Outros brasileiros também já foram laureados com a mesma distinção, como João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado e outros.

Tudo isso nos leva a algumas reflexões em meio às turbulências políticas e institucionais, além dos constantes ideologismos que tomaram conta não apenas do País, mas de quase todo o mundo.

É preciso lembrar que Chico Buarque sempre teve atitudes políticas mesmo nos momentos mais difíceis durante a luta contra o autoritarismo que se iniciou em 1964.

Mas na verdade a sua maior vocação, onde ele domina como poucos o seu ofício, é a música, a poesia e a literatura. O seu traço é o desprendimento, a generosidade e a solidariedade para com os injustiçados.

A sua premiação também serve para outros assuntos que ultrapassam a conjuntura política e a decidida oposição ao governo Bolsonaro.

Trata-se do enorme vendaval de imposições de anglicismos e versões colonialistas que vêm tomando conta do País, a consequente perda de identidade linguística, cultural e política que nos atinge.

E sem identidade não somos coisíssima nenhuma, mas uma nação continental, a quinta maior do planeta, habitada por indivíduos que vivem eternamente no presente contínuo, sem passado ou perspectiva de futuro, fragilizados pelo desconhecimento da sua História.

Vivemos uma época da chamada Pós Verdade, inventada por espertalhões que vendem uma espécie de demência cultural, onde os fatos acontecidos e a sua versão, podem ser ao gosto do cliente ou interesses de grupos, que se transmutam como um vírus, provocam a perda da memória de um povo.

Um povo sem memória é um povo à mercê de qualquer coisa, indefeso, como uma pessoa que possui Alzheimer em estado adiantado. Precisa de acompanhamento dos familiares, cuidadores sempre atentos.

A perda da memória nacional não é circunstancial, ela é ideológica, e não é espontânea, possui injunções do Mercado financeiro e outros mais. Hoje cresce a desconstrução das nossas referências não só políticas, mas culturais, uma espécie de reinvenção do que nunca existiu.

O desdém pela História verdadeira é algo sério, porque põe por terra o nosso sentido de pertencimento coletivo.

Sem História, sem nossas referências artísticas, culturais, sem a nossa língua seríamos, afinal, um nada absoluto.

Há uma onda de desconstrução do nosso itinerário, e não é de hoje, ao ponto em que cada grupo interessado reconta os acontecimentos conforme os seus próprios interesses, incentivados por “generosos’ financiamentos externos. Essa tendência, sejamos francos, é democrática, encontra-se tanto à direita como à esquerda.

O que lembra um prefeito reivindicando certo episódio para o seu município: a História, eu conto como achar melhor.

O prêmio Camões é o maior da cultura em língua portuguesa, que Olavo Bilac narrou como “A última flor do Lácio”, a derradeira língua nascida do latim falado pelos soldados romanos em Portugal. Camões a consolidou em Os Lusíadas, considerada uma das oito maiores epopeias da humanidade.

Mas quem quiser pode estudá-la em inglês na Universidade de Columbia, ou em outras, nos EUA. Porque lá levam a sério as grandes contribuições dos outros povos. Nem que seja para zelar pela hegemonia deles.

Atolados numa Guerra Híbrida foi preciso que Chico Buarque merecidamente ganhasse o prêmio Camões, para nos lembrar que falamos o português e somos brasileiros.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Infâmia e grandeza

Meu novo artigo, publicado também na Gazeta de Alagoas, Tribuna do Sertão e Tribuna do Agreste:


Não se pode dizer que vivemos na atualidade um período tenebroso, a humanidade sempre teve épocas turbulentas e nós que compartilhamos o século XX, considerado como “o breve” por Eric Hobsbawm, o Historiador inglês que nasceu na Alexandria e, ao longo da sua longeva vida, teve cinco passaportes, visto que sua terra natal mudou de nome e limites em decorrência de guerras e várias anexações.

O “Breve século XX”, já se contabilizou, teve duas horrendas guerras mundiais, 58 guerras locais, 647 golpes de Estado, nove grandes crises financeiras, 16 hiperinflações, 13 genocídios de grande porte, inclusive o de Ruanda, etc.

Mas aconteceram incontáveis progressos científicos, tecnológicos, tão revolucionários que transformaram a face da humanidade, aumentaram em muito a expectativa de vida do ser humano que seria impensável outrora, ao ponto em que se convive, de forma subjetiva, com uma certa cultura da imortalidade sendo, para vários, a morte algo como um espanto.

Daí venha, talvez, o crescente ceticismo para com as religiões, mas esse é um assunto para os teólogos, psicólogos ou outras ciências que se debruçam sobre o assunto.

E talvez seja a explicação mais plausível para o surgimento de correntes religiosas, digamos, mais pragmáticas, que prometem aos seus adeptos a solução imediata das aflições terrenas.

O mundo está sempre em mutação. O que há no novo milênio, de maneira mais destacada, são dois fenômenos: o avanço tecnológico e a concentração do capital financeiro, especialmente o especulativo.

O que gestou uma extraordinária acumulação de riquezas jamais presenciada anteriormente em mãos de uma ínfima parcela, que caberia em um desses cruzeiros de turismo que singram os oceanos.

O caráter rentista desse capital, acumulado em poucas mãos, dedica-se ao lucro a curto prazo, não retornando ao investimento produtivo em sua maior parte.

Além disso a revolução tecnológica que promoveu uma aparente democratização da informação e uma espécie de protagonismo dos indivíduos e suas ideias, também se encontra em mãos e controle do mesmo capital especulativo, assim como a imensa parcela da grande mídia que hegemoniza a informação, as opiniões que circulam pelo planeta.

O resultado é que se tem uma impressão artificial de liberdade de opinião, do exercício prático do ativismo político, às vezes em escala mundial, como se a tese do teórico de comunicação do século XX tivesse se concretizado: o mundo teria se transformado em uma aldeia global.

Se as distâncias encurtaram e a “informação” digital viaja em tempo recorde, em contrapartida os domínios político, financeiro e das ideias concentraram-se como nunca.

O fim da Guerra Fria propiciou a dominação do capital em escala global. No geral, as ideologias, que surgem e se transmutam como um vírus, estão a serviço dos interesses desse capital.

Mas a História continua a ser a da infâmia, assim como dos grandes gestos humanos. E o domínio das grandes potências.

O domínio do átomo impulsionou avanços inimagináveis nas ciências, na medicina, mas serviu para o horror de artefatos nucleares que dizimaram duas cidades japonesas. E o pavor forçou até hoje um certo equilíbrio, a paz entre as potências globais.

Nós, brasileiros, precisamos navegar em meio a esses fenômenos que sempre fizeram a História humana. Mas, para isso, necessitamos de Estadistas.

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Reforma da Previdência, uma análise técnica e política, por Selma Villela

Alterações graves introduzidas pela PEC 6/2019, a “reforma da Previdência”


Além da Transferência de renda à pessoa idosa em condição de miserabilidade (o BPC), a aposentadoria rural, o sistema obrigatório de capitalização individual e alguns outros pontos, já tão comentados e possíveis objeto de alteração na PEC 6/2019 (alguns já objeto de inadmissibilidade na CCJ), há outros que não têm recebido a atenção, ou pelo menos não tão divulgada, que impactarão muito em toda a população, dentre os quais saliento:

1- Redução drástica da pensão por morte, atingindo todas as camadas da população, tanto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) como dos regimes próprios dos servidores públicos (RPPS)

De acordo com a legislação atualmente em vigor, o valor da pensão por morte do segurado do RGPS é de 100% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se aposentado por invalidez na data de seu falecimento. Em havendo mais de um pensionista, a pensão é rateada entre todos em partes iguais e cada parte reverte em favor dos demais, quando o direito de um deles deixar de existir.

Com as alterações introduzidas pela PEC 6/2019, em seu art. 28, a pensão por morte para o segurado do RGPS será de 60% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, para os casos em que haja um só pensionista, com acréscimo de 10% por dependente até o máximo de 100%. Mas na medida em que algum dos dependentes deixe de ter direito à sua parte na pensão, sua cota não reverterá para os demais.

Considerando que as cotas dos dependentes cessariam com a perda dessa qualidade e não seriam reversíveis aos demais dependentes, podemos supor que com o atingimento de determinada idade pelos filhos, na maior parte dos casos restaria como único dependente a viúva ou o viúvo, o que corresponde a uma pensão de 60% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito.

É importante destacar que no caso de falecimento do trabalhador que ainda não estivesse aposentado, com a alteração também da forma de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente, base para o cálculo da pensão, a perda seria muito maior, porque somente se esse segurado já tivesse 40 anos de contribuições na data de sua morte, o valor dessa aposentadoria corresponderia a 100% da média aritmética de seus salários de contribuição. Pode ser de 60% da média aritmética, se o segurado ao falecer contasse com 20 anos de contribuição.

Acrescido a isso o fato de que, nos casos em que seria permitido o recebimento da pensão pelo cônjuge, acumulada com pensão por morte concedida por outro regime e com aposentadoria (parágrafo 1o do art. 30 da PEC), que para isso teriam seu valor substancialmente reduzido, conforme valores discriminados a seguir, a manutenção de um lar, anteriormente à morte de um dos cônjuges suportada pelos ganhos de ambos, ficaria na maioria das vezes inviabilizada, uma vez que os recursos disponíveis para isso seriam reduzidos à metade ou muito menos. Não é pelo fato de um membro do casal falecer que os custos de manutenção de uma residência e da vida familiar ficarão reduzidos à metade. Pouca redução de custos há com o falecimento de um dos membros do casal.

Nas hipóteses em que seria permitida a acumulação da pensão com pensão por morte concedida por outro regime e com aposentadoria, seria assegurado o recebimento de apenas uma parte do valor do benefício menos vantajoso, apurada cumulativamente de acordo com as seguintes faixas (parágrafo 2o do art. 30 da PEC):

Obs.: valores a seguir estão expressos conforme o valor em vigor para o salário mínimo em 2019, de R$998,00.

I – 80% do valor igual ou inferior a um salário-mínimo; (80% de R$ 998,00 = R$ 798,40)

II – 60% do valor que exceder R$ 998,00, até o limite de R$1.996,00; (R$598,80 a R$1.197,60)

III – 40% do valor que exceder R$1.996,00, até o limite de R$ 2.994,00; (R$ 798,40 a R$1.197,60) e

IV – 20% do valor que exceder R$ 2.994,00, até o limite de R$ 3.992,00. (R$ 598,80 a R$798,40)

Logo, se o benefício menos vantajoso tiver valor superior a quatro salários mínimos, hoje de R$3.992,00, não será permitido o seu recebimento, nem de parte dele.

Com a redução da pensão a 60% do que recebia o/a falecido/a, fica clara a redução drástica dos meios de subsistência do viúvo/viúva.

É o empobrecimento da população, especialmente se considerarmos que o valor da aposentadoria já estaria reduzida em muito em relação ao que recebia o trabalhador na ativa. É uma redução em cascata dos meios de subsistência da população.

Além disso, a PEC deixa em aberto a possibilidade de pensão com valor inferior ao salário mínimo, ao alterar o inciso V do art. 201 da CF, que trata do Regime Geral de Previdência Social.

Alguns exemplos da situação de pensionistas com as alterações estabelecidas pela PEC 6/2019:

Se o segurado ao falecer não estivesse ainda aposentado, tivesse remuneração de R$ 2.000,00 com 30 anos de contribuição, e sua viúva recebesse uma aposentadoria de R$ 1.100,00.

O valor da aposentadoria por incapacidade permanente que receberia o segurado seria de:

Digamos que a média de suas contribuições, apurada conforme a PEC 6/2019 fosse de R$ 1.300,00, a esse valor seria aplicado o percentual de 60% mais 2% para cada ano que excede os 20 anos [2% x (30 – 20)], ou seja, 60% + 20% = 80%.

R$ 1.300,00 x 80% = R$ 1.040,00

Tendo apenas a viúva como beneficiária da pensão na data do falecimento, a pensão seria de:

60% de R$ 1.040,00 = R$ 624,00 (perguntamos se seria garantida uma pensão no valor de um salário mínimo; com a alteração do inciso V do art. 201 da CF, pensamos que não)

Quanto à aposentadoria da viúva, de acordo com as regras estabelecidas pela PEC 6/2019 para o seu acúmulo com a pensão, em sendo o benefício mais vantajoso, permaneceria com seu valor de R$ 1.100,00 e a pensão, em sendo o benefício menos vantajoso, seria recebido de forma reduzida:

80% de R$ 624,00 = R$ 499,20

Assim, de uma renda familiar de R$ 2.000,00 + R$ 1.100,00 = R$ 3.100,00, ao falecer um dos cônjuges, passaria para:

R$ 1.100,00 (aposentadoria do cônjuge sobrevivente) + R$ 499,20 (pensão) = R$ 1.599,20 (51,58% da renda familiar anterior ao falecimento).

Outro exemplo:

Se o cônjuge falecido recebesse uma aposentadoria de R$ 4.000,00 e o cônjuge sobrevivente recebesse uma aposentadoria de R$ 2.000,00:

Pensão de 60% de R$ 4.000,00 = R$ 2.400,00

A aposentadoria do cônjuge sobrevivente, em sendo o benefício menos vantajoso, seria reduzido a:

40% de R$ 2.000,00 = R$ 800,00

Assim, a renda familiar seria reduzida de R$ 4.000,00 + R$ 2.000,00 = R$6.000,00 para R$ 2.400,00 + R$ 800,00 = R$ 3.200,00 (53,33% da renda familiar anterior ao falecimento).

Se o cônjuge falecido tivesse se aposentado antes da promulgação da PEC 6/2019, ainda não teria sofrido a drástica redução de sua remuneração ao se aposentar, mas se tivesse se aposentado em momento em que já estivessem em vigor as regras da PEC, a renda familiar já teria sofrido uma queda substancial quando de sua aposentadoria.

Mais outro exemplo:

Se o cônjuge falecido recebesse uma aposentadoria de R$ 5.800,00 e o cônjuge sobrevivente recebesse uma aposentadoria de R$ 3.500,00:

Pensão de 60% de R$ 5.800,00 = R$ 3.480,00

A pensão, em sendo o benefício menos vantajoso, seria reduzido a:

20% de R$ 3.480,00 = R$ 696,00

Assim, a renda familiar seria reduzida de R$ 5.800,00 + R$ 3.500,00 = R$9.300,00 para R$ 696,00 + R$ 3.500,00 = R$ 4.196,00 (45,11% da renda familiar anterior ao falecimento).

Essas alterações nas pensões dos segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), são as mesmas para as pensões dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), dos servidores públicos, e o exemplo acima tanto pode corresponder a segurados do RGPS com a servidores vinculados aos RPPS.

Para os Regimes Próprios de Previdência Social, a PEC 6/2019 faz alterações nas pensões do servidor público em seu art. 8o caput, seus parágrafos e incisos, e art. 12, em seus parágrafos 8o ao 12. As regras são as mesmas das alterações estabelecidas para o RGPS, em que as reduções de valor são drásticas, conforme aqui já exposto.

Aqui introduzimos exemplo de caso em que o servidor aposentado tivesse sido admitido anteriormente à instituição do regime de previdência complementar de que trata o § 14 do art. 40 da Constituição e de servidor que não tenha realizado a opção de que trata o § 16 do art. 40 da Constituição.

Se o servidor falecido tivesse sido admitido antes de 1998, e recebesse aposentadoria de R$ 15.000,00 e seu cônjuge recebesse uma aposentadoria de R$ 5.400,00, o valor da pensão seria de:

60% de {[(R$ 15.000,00 – R$ 5.839,45) x 70%] + R$ 5.839,45} = R$7.351,09

Como a aposentadoria do cônjuge sobrevivente de R$5.400,00, benefício menos vantajoso, é superior a quatro salários mínimos, não poderia ser recebido juntamente com a pensão.

Desta forma, a renda familiar anteriormente de R$ 15.000,00 + R$ 5.400,00 = R$ 20.400,00 seria reduzida para R$ 7.351,09 (36,03% da renda familiar anterior ao falecimento).

Mesmo ambos os cônjuges tendo contribuído durante toda a vida para a Previdência Social, sobre o total de sua remuneração, um dos benefícios simplesmente desaparece e o outro é drasticamente reduzido.

2- Aumento das alíquotas de contribuição dos segurados do RGPS e dos servidores públicos vinculados aos Regimes Próprios de Previdência Social

O art. 34 da PEC 6/2019 estabelece aumento da contribuição previdenciária para os segurados do RGPS.

Comparamos a seguir as alíquotas em vigor em 2019 para os segurados empregados, empregados domésticos e trabalhadores avulsos, com a nova regra da PEC. Há aumento da contribuição para quase todos os trabalhadores que ganhem mesmo muito pouco acima do salário mínimo:

Faixa de Remuneração, alíquota conforme regras em vigor e alíquotas conforme regras da PEC

Até 998,00: atual 8%, na PEC passa para 7,5%

De 998,01 a 1.751,81: atual 8%, na PEC passa para 9%

De 1.751,82 a 2.000,00: atual 9%, na PEC permanece em 9%

De 2.000,01 a 2.919,72: atual 9%, na PEC passa para 12%

De 2.919,73 a 3.000,00: atual 11%, na PEC passa para 12%

De 3.000,01 a 5.839,45: atual 11%, na PEC passa para 14%

O aumento das alíquotas de contribuição, majoradas para quase todos os que recebem acima do salário mínimo, implica em que mesmo os trabalhadores que tenham como sua remuneração o salário mínimo, se receberem qualquer outro adicional, mesmo que muito pequeno, como horas extras, adicional noturno etc., sofrerão a incidência desse aumento de alíquota, tendo reduzido seu salário líquido.

Na PEC 6/2019, a alteração da contribuição para os segurados dos Regimes Próprios de Previdência Social está em seu art. 14.

No art. 14, alteração da alíquota da contribuição previdenciária ordinária (porque se prevê também uma contribuição extraordinária) dos servidores públicos ativos da União para 14%, escalonada. A mesma alíquota e seus acréscimos serão aplicados aos servidores aposentados e a seus pensionistas, incidentes sobre o valor da parcela dos proventos de aposentadorias e pensões que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, hipótese em que será considerada a totalidade do valor do benefício para fins de definição das alíquotas aplicáveis.

A alíquota atualmente em vigor é de 11%.

As alterações propostas pela PEC 6/2019 estabelecem:

I – até um salário mínimo: 7,5%

II – acima de R$ 998,00 até R$ 2.000,00: 9%

III- de R$ 2.000,01 até R$ 3.000,00: 12%

IV- de R$ 3.000,01 até R$ 5.839,45: 14%

V- de R$ 5.839,46 até R$ 10.000,00: 14,5%

VI- de R$ 10.000,01 até R$ 20.000,00: 16,5%

VII- de R$ 20.000,01 até R$ 39.000,00: 19%

VIII- acima de R$ 39.000,01: 22%

Além dessa contribuição incidente sobre os proventos dos servidores públicos ativos e sobre as aposentadorias e pensões, denominada de ordinária, a PEC 6/2019 prevê outra, que denomina de extraordinária, conforme seu art. 13 e alteração no art. 149 da CF:

Além da instituição dessa outra contribuição, denominada “extraordinária”, há previsão também da ampliação da base de incidência da alíquota de contribuição (art. 13 da PEC 6/2019 e alteração no art. 149 da CF).

Para o Art. 149 da CF que trata da competência exclusiva da União para instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, a PEC altera e inclui parágrafos, instituindo contribuição sobre a remuneração de servidores ativos, aposentados e pensionistas, ordinária escalonada (alíquotas progressivas) e contribuição extraordinária se existir déficit atuarial, com critérios individualizados.

Tendo sido estabelecido pelo inciso II do parágrafo 1o A do art. 149 da CF, proposto pela PEC que a contribuição ordinária incidirá, em relação aos aposentados e aos pensionistas, sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no parágrafo 1oD também introduzido pela PEC no art. 149 da CF, a PEC estabelece que as contribuições extraordinárias dos aposentados e pensionistas do Regime Próprio de Previdência Social poderão incidir sobre uma base ampliada, de forma a alcançar os valores dos proventos de aposentadoria e de pensões que superem um salário mínimo.

3- Alteração no salário família

Na PEC 06/2019, são alteradas as regras para o recebimento do salário família, em seu art. 32 e na alteração do inciso IV do caput do art. 201 da Constituição Federal, passando a ser pago apenas a segurados que recebam rendimento de até um salário mínimo.

Os valores atualmente em vigor, a partir de 01/01/2019, são:

Para remuneração de até R$ 907,77, Salário família de R$ 46,54

Para remuneração de R$907,78 a R$ 1.364,43, Salário família de R$ 32,80

Essa limitação do direito ao recebimento do salário-família apenas para os que recebem o salário mínimo implica em que mesmo os trabalhadores que tenham como sua remuneração o salário mínimo, se receberem qualquer outro adicional, mesmo que muito pequeno, como horas extras, adicional noturno etc., deixarão de receber o salário-família.

Como esse trabalhador já sofreu o aumento da alíquota da contribuição previdenciária, ao deixar de receber o salário família, terá sua remuneração líquida mais reduzida ainda.

Como exemplo, temos um trabalhador com salário igual ao salário mínimo e que recebe adicional noturno. Comparamos seu salário líquido com as regras atualmente em vigor e de acordo com as alterações propostas pela PEC 6/2019:

Salário: valor atual R$998,00, valor após a PEC R$998,00

Adicional noturno: valor atual R$66,54, valor após a PEC R$66,54

Salário família: valor atual R$32,80, valor após a PEC 0,00

Contribuição previdenciária: valor atual de 8% = R$85,16, valor após a PEC de 9% = R$95,81

Total líquido: valor atual R$1.012,18, valor após a PEC R$968,73 (redução de 4,29%)

Se observarmos que o salário mínimo em 2019 teve um reajuste de 4,61%, vemos que esse reajuste ficará quase todo perdido para esse trabalhador com as alterações da PEC 06/2019.

4- Alteração na aposentadoria do RGPS

Na PEC 06/2019, em seu art. 24, são alteradas as condições para a aposentadoria por idade e por tempo de contribuição do segurado do RGPS. Destacamos aqui apenas as alterações que se referem à idade mínima para a aposentadoria em geral, com exceção dos casos específicos, e o tempo de contribuição exigido.

Consideramos que a alteração mais grave e prejudicial para o trabalhador brasileiro é a exigência de 40 anos de contribuição para a aposentadoria com o valor integral da média aritmética de seus salários de contribuição, calculada conforme art. 29 da PEC.

Mesmo que tenha a idade mínima para a aposentadoria, aos 20 anos de contribuição mínima o segurado somente terá direito a 60% dessa média aritmética de seus salários de contribuição. Para cada ano excedente a esses 20 anos são acrescidos 2% ao valor de sua aposentadoria. Logo, somente aos 40 anos de contribuição (2% x 20 anos = 40%) é que ele atingirá os 60% + 40% = 100% para o valor de sua aposentadoria.

É bem sabida a dificuldade de manter um trabalho formalizado, quer seja como segurado empregado quer como segurado contribuinte individual (autônomo e outros), com a devida contribuição para a Previdência Social, por 40 anos. Com maior grau de dificuldade para os segurados de remuneração mais baixa.

O que mais se verifica é a ocorrência de períodos de formalidade, intercalados com períodos de desemprego, ou de subemprego. Quanto maior a crise na economia, maior o grau de informalidade e desemprego. E de sonegação de formalização de vínculos pelos empregadores.

Com esta reforma proposta pela PEC 06/2019, cuja consequência será a redução da remuneração do trabalhador, quer devido ao aumento das alíquotas de contribuição previdenciária, reduzindo seu salário líquido, quer com a redução drástica de aposentadorias e pensões, haverá muito menos dinheiro disponível para o consumo da população, inclusive para bens básicos para sua subsistência, impedindo a retomada das atividades produtivas e do desenvolvimento do País.

Somente com a retomada do desenvolvimento no Brasil, hoje com uma grande capacidade ociosa nos investimentos produtivos, serão arrecadados os recursos necessários para a Previdência Social. A atual crise econômica pela qual passa o Brasil é responsável pelo decréscimo de recursos arrecadados para a Previdência Social.

Há poucos dias, em meio à ofensiva postura da grande mídia, a exigir a “reforma da Previdência” como solução para o emprego e o investimento no País, foi exibida a imagem de uma longa fila de desempregados à busca de emprego e os jornalistas, muito bem pagos e através de “PJ” como admitem em programas de entrevistas (Pessoa Jurídica, modalidade de contratação mais utilizada para sonegação fiscal), diziam que filas como aquela desapareceriam com a concretização da reforma da PEC 06/2019.

Como se daria isso, perguntamos, uma vez que não se propõem alterações relativas às atividades produtivas, apenas a redução gigantesca da remuneração líquida do trabalho em circulação no País. O industrial, as empresas prestadoras de serviço, só têm interesse em investir na produção se houver mercado para adquirir seus produtos.

Não me refiro aqui ao mercado financeiro improdutivo, que tem interesse na “reforma da Previdência” como solução para o “investimento no País”, advogado pela grande mídia (é a esses investimentos, em atividades financeiras, que a grande mídia se refere). Refiro-me aos investimentos produtivos que geram emprego e toda uma cadeia de crescimento nos mais diversos níveis da economia.

Além do fato de que a Seguridade Social no Brasil conta com diversas fontes de financiamento, estabelecidas na Constituição Federal, em seu artigo 195. Esta PEC 6/2019 está voltada especialmente para a alteração apenas das contribuições dos segurados, aumentando-as, e dos benefícios, reduzindo-os drasticamente. Seu resultado será o empobrecimento da população brasileira, inviabilizando mesmo a sobrevivência em condições dignas dos idosos em nosso País.

terça-feira, 7 de maio de 2019

Muito contrabando

Meu novo artigo, publicado também na Gazeta de Alagoas, Tribuna do Sertão e Tribuna do Agreste:


O conceito do liberalismo assumiu tamanha proporção, empurrado pela grande mídia hegemônica nativa e global, que como toda a avalanche saiu devastando e soterrando, em geral, os sentidos das coisas e seus fundamentos.

O promotor dessa “onda” avassaladora, o Mercado financeiro, especialmente o rentismo predador, anda nadando de braçadas na época atual em, quase, todos os lugares do mundo, provocando crises econômicas, sociais e políticas, que sacodem as nações e os povos por quase todos os quadrantes da Terra.

O liberalismo financeiro hoje está associado ao liberalismo político e, como tal, transforma-se em uma visão de mundo, e assim você é um liberal na política como na economia.

Democracia liberal passa a ser sinônimo de democrata. Dessa forma ou se apoia a demanda liberal ou não se defende o sistema democrático. Esse é um dos maiores engodos da atualidade porque as pessoas ficam presas a um modelo específico.

Nos dias atuais, o liberalismo econômico se traduz como adesão ao sistema financeiro dominante, desde a adoção do padrão dólar sob a hegemonia do rentismo predador, que já levou a várias crises globais, inclusive a de 2008, como as subsequentes.

É a linha financeira adotada pela primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e o presidente norte-americano Ronald Reagan, durante a década de setenta passada, que desregulamentou brutalmente a economia em favor do capital financeiro, especialmente o predador, e levou à ruína a economia das nações e em consequência à crise geral do emprego, do trabalho, em escala global.

Associar democracia ao liberalismo é mais que uma confusão, é uma farsa intencional.

A democracia real é aquela que respeita o sistema representativo, onde existe a prevalência das normas constitucionais, sob a coexistência de três poderes, o legislativo, executivo e o judiciário.

Quer dizer, um presidente eleito, ou primeiro-ministro, que exerce o governo com o equilíbrio do Judiciário e do Congresso Nacional. Essa é a democracia representativa.

Acrescentar o “liberal” ao caráter representativo é associar a democracia ao liberalismo econômico, ou, como hoje, ao neoliberalismo financeiro como cláusula pétrea.

Nesse sentido, o presidente Roosevelt que tirou os EUA da catastrófica crise financeira, social de 1929, sob a orientação de Keynes, economista inglês, soerguendo a economia norte-americana, com base no mando da política sobre o capital financeiro, não seria, nos padrões atuais, um democrata, mas um “populista”, ou coisa pior.

Assim como os governos trabalhistas britânicos antes da era Thatcher, que materializaram aos seus concidadãos, o desenvolvimento com um invejável padrão social no mundo ocidental.

O crescimento econômico, a liberdade individual, combinada à solidariedade em comum de todos os cidadãos, foi substituída pelo individualismo excludente, “tribal”, “cada um na sua”, e na economia a tragédia econômico-financeira, o salve-se quem puder.

A ofensiva da grande mídia, nas redes sociais, que visa à Reforma da Previdência, privatizações de empresas estratégicas nacionais, é de tal porte que até setores da “esquerda” embarcaram na onda do liberalismo econômico, ou do político. É muito contrabando.