domingo, 24 de maio de 2020

Em defesa do Brasil




Detalhe do mural Guerra e Paz, de Portinari, oferecido pelo Brasil como presente à Organização das Nações Unidas (ONU) em 1957, colocado em posto de honra à entrada do grande anfiteatro da Assembleia Geral da ONU.

Em pouco mais de 500 dias, o governo Bolsonaro esgotou-se. Esgotou-se mas não acabou. Essa é uma lição que a História tem nos ensinado ao longo dos tempos. Nem tudo que perde a sua utilidade às sociedades, significa que se encerra de imediato.

A verdadeira política, aquela que é a grande arte, ou ciência, da organização, administração, dos Estados e da nações, nos ensina que o êxito de um governo é aquele que conduz os interesses nacionais visando o bem comum de um País, sob a égide da soberania nacional, através da democracia e das mais amplas liberdades políticas.

A gestão do presidente Bolsonaro representa um corolário de ideias associadas a um fundamentalismo ideológico intolerante, como todos os fundamentalismos ideológicos, medieval e acima de tudo excludente das grandes maiorias sociais.

Por isso ele tem agido sistematicamente através do confronto, contra o conjunto da sociedade, com vistas a manter unidas as suas bases de apoiadores, que vêm diminuindo na medida em que grandes parcelas dos seus eleitores vão paulatinamente se desencantando com as suas ações e diretivas administrativas.

Quanto mais o presidente Bolsonaro fala em liberdade, mais revela os seus pendores autoritários, quanto mais fala em Brasil, na prática demonstra a sua intenção de alienar o patrimônio estatal do povo brasileiro, muitos construídos há quase um século, a exemplo do ministro Paulo Guedes que em reunião ministerial declarou a sua intenção de vender “a porra do Banco do Brasil”.

Na verdade, se deixarem ele privatiza todo e qualquer patrimônio estatal, com a sua visão neoliberal ortodoxa e ultrapassada, que já não é mais usada em canto nenhum do mundo. O ministro Paulo Guedes age como um mascate de tempos mais antigos: vende e troca qualquer coisa.

Assim é que por tudo isso, e mais algumas coisas, o presidente Bolsonaro usurpou a bandeira do Brasil, por um grande erro, também, das oposições, e a usurpou vendendo um falso nacionalismo, porque ele não representa os interesses nacionais, mas, exatamente, um governo antinacional, antipatriótico.

Ao clamar diariamente em nome de Deus, ele age espertamente contra uma agenda ativista antirreligiosa, que virou moda em alguns estratos da sociedade, sabendo que o povo brasileiro tem em seu imaginário social o sentimento religioso.

Mas, que nunca impediu esse mesmo povo de votar em candidatos de todos os espectros políticos, como aqueles presidentes que antecederam Bolsonaro até 2016, por exemplo, e que, aliás, todos sempre se anunciaram cristãos declarados e devotos, sem exceções.

Assim, a base social do bolsonarismo é confusa, alimenta-se de falsos simbolismos, foi ganha por um discurso diuturnamente repetido em redes sociais à exaustão, contra inimigos, praticamente, imaginários, em cada esquina, beco ou viela.

Mas ele elevou-se ao poder através de um vácuo político, da sistemática campanha das grandes corporações do Estado contra a política, e a pobreza da própria atividade política partidária, que foi absorvida pelo discurso do Mercado financeiro, com suas agendas existenciais e comportamentais, que se propõem hegemônicas.

Que terminaram substituindo e exilando os rumos, as propostas que galvanizassem os anseios de um Brasil real de mais de 180 milhões de almas, que se sentiram órfãs de representatividade e referências políticas.

O Brasil encontra-se fraturado em diversas questões. Mas todas essas fraturas não são “naturais”. Elas foram sendo plantadas passo a passo com vistas à divisão da sociedade brasileira. Como dizia a máxima do antigo império romano: dividir para reinar.

O Brasil, mergulhado em uma terrível pandemia sanitária, depara-se com um governo Bolsonaro que contraria todas as recomendações médicas de isolamento social, apostando demagogicamente na onda de desemprego que será provocada pelas consequências, inevitáveis, da pandemia do corona vírus, pondo a culpa nos governadores e prefeitos.

Não se sabe, porém, se o resultado lhe será favorável, os movimentos da vida política são mais complexos que sonha ou aposta o presidente. Perante as demais instituições do Estado nacional Bolsonaro encontra-se isolado e encurralado através de várias investigações. Por isso ele vai radicalizar no confronto total.

Mas por tudo isso, é fundamental a união do País e do povo brasileiro, a divisão e a fratura só o beneficia. A polarização extremada o favorece. O confronto emocional e irracional é a sua praia.

A nossa grande tarefa é a união nacional, pelas exatas razões inversamente contrárias às do presidente Bolsonaro e do mercado financeiro.


A epopeia da construção de Brasília de 1957 a 1960, a nova capital da República.

A nossa tarefa é o esforço diligente de unir as grandes maiorias sociais, as minorias também, independente de preferências partidárias, credo religioso, opções sexuais, combater qualquer forma de racismo.

Mas acima de tudo, unir o povo brasileiro, sem o qual ficaremos patinando nesse presente contínuo pantanoso, à mercê desse, e de novos aventureiros.

Construir um rumo, um estado de espírito democrático, batalhar pela convivência solidária, a tolerância social. Apresentar um projeto nacional de desenvolvimento estratégico, que crie esperanças, factíveis e concretas ao povo brasileiro.

Para isso, sugiro a leitura do Manifesto à Nação, elaborado pelo destacado brasileiro Aldo Rebelo, com contribuições de outras pessoas, subscrito por milhares de cidadãos.

O País se encontra em uma profunda crise multilateral, agravada por uma terrível pandemia sanitária. Uma verdadeira encruzilhada Histórica. Mas não é hora de desespero, nem desencanto. O Brasil, hoje com mais de 210 milhões de habitantes, é inevitável, o seu povo, jovem, é combativo, destemido e criativo.

E, assim, mostra a História, quando unido em torno de um propósito comum e altruísta, ele se agiganta e realiza coisas formidáveis. Portanto, como disse um dos grandes poetas da nossa língua portuguesa: É Hora!. É tempo de reconstruir economicamente, socialmente, politicamente, espiritualmente, a grande nação brasileira. Vamos dar os primeiros passos nessa caminhada.

http://blogdoeduardobomfim.blogspot.com/2017/07/manifesto-em-defesa-da-nacao.html

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Dois Brasis



Rafaela Silva, campeã olímpica e mundial de judô.

O Brasil mergulhou, desde o início da pandemia do coronavírus 19, em uma falsa dicotomia entre o isolamento social e a permanência, sem interrupções, das atividades econômicas e do trabalho.

Essa pandemia global impôs a todas as nações do planeta os mesmos desafios: como salvar vidas, evitar, ao máximo, o número de cidadãos infectados, ao mesmo tempo traçar rumos para manter as atividades essenciais e procurar elaborar estratégias para a retomada da grande roda da economia produtiva.

A premissa defendida pelo governo do presidente Jair Bolsonaro tem sido errada por dois motivos: em primeiro lugar, por razões humanitárias. A ideia da “imunidade de rebanho”, ou darwinismo social, acarreta um morticínio bem maior que o atual, absurdo, brutal, que tem sido minimizado pelas atitudes dos governadores e prefeitos, já que eles se negaram, corretamente, a pagar essa conta macabra.


Machado de Assis

Um Brasil extremamente desigual e polarizado

Já dizia o grande, e imortal, escritor Machado de Assis que existem dois Brasis: o Brasil oficial e o Brasil real. Que pode ser traduzido atualmente da seguinte maneira: um País das grandes maiorias sociais, mais de 180 milhões de habitantes, e aquele composto pelas elites econômicas, financeiras e a classe média tradicional, onde residem as grandes faixas de consumo mais rentáveis e sofisticadas, onde a grande mídia derrama suas mensagens publicitárias, ideológicas etc.

Toda, repetindo, toda a polarização ideológica e política, que se assiste hoje, e nas últimas décadas, encontra-se no Brasil oficial. O Brasil real, só participa efetivamente na hora do voto e nas pesquisas de opinião pública, muito especialmente nas pesquisas eleitorais.

Às vezes, surgem políticas “compensatórias”, o nome usado, inclusive, pela mídia é esse mesmo, para amenizar as chagas sociais profundas e históricas. A única válvula de ascensão social realmente existente aos filhos do Brasil real é através dos esportes, particularmente o futebol, mesmo assim, bastante peneirada.

O Brasil real é um País estrangeiro, ou será o Brasil oficial? Não se sabe dos seus anseios, angústias, esperanças, fantasias etc.

Em certos setores das elites “esclarecidas” há dois tipos de comportamentos: o paternalista de “esquerda”, e o neoliberalismo de “direita”. Um resolve achar ou falar em nome do País real, com as suas agendas ideológicas, que muitas vezes servem aos seus anseios existenciais ou pragmáticos. O outro, sempre se bate pela ausência do papel do Estado, ou por reduzi-lo ao mínimo, como é o caso, atual, do ministro Paulo Guedes.

Sejamos óbvios, o Estado Nacional só adquire relevância em casos de pandemia, como a atual, porque ela atinge a todos indistintamente. Mas, todas as mortes nos atingem terrivelmente.

A fundamental e incontornável política, a democracia no Brasil só estará definitivamente assentada, com suas óbvias imperfeições, quando incorporar as grandes maiorias sociais do Brasil real. E, para tanto, é fundamental um projeto de desenvolvimento estratégico, que incorpore, literalmente, toda uma nação excluída da sua própria nação.

Essa é mãe de todas as injustiças, a excelência de todos os preconceitos, o racismo de todos os racismos, nesse povo mestiço e original, como afirmou o antropólogo Darcy Ribeiro.

Porque o Brasil atual, mesmo modernizado tecnologicamente, sofisticado em vários aspectos, digitalizado, globalizado em todas as vertentes, a oitava economia mundial, ainda continua a ser o País da Geografia da Fome, de Josué de Castro, de meados do século XX. E do genial Machado de Assis, falecido em 1908.

O demais, é poesia parnasiana, ou tese acadêmica de Sociologia, com a devida vênia dos sociólogos e dos poetas parnasianos.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

O Brasil não é para iniciantes




Presidente Jânio Quadros tomou posse em janeiro de 1961 e renunciou após 7 meses de governo.

O mundo encontra-se mergulhado em uma profunda crise que tem como ponto central a brutal acumulação do capital financeiro rentista, enquanto os povos e as nações patinam em uma depressão econômica sem precedentes na História recente do capitalismo.

A pandemia provocada pelo corona vírus agravou sobremaneira essa catástrofe financeira global, cujas origens residem na doutrina do neoliberalismo e o seu toque de finados a que assistimos ao vivo e em cores cinzentas.

Nesse sentido, não foi essa pandemia que provocou a debacle das economias das nações, simplesmente ela foi o elemento catalizador que as desestabilizou e as conduziu à paralisia quase que absoluta.

Nesse período, a globalização do capital especulativo é que tem mandado no mundo atual, que promoveu também as suas próprias ideologias, e que sempre tiveram dois objetivos centrais: a exaltação das suas próprias ambições de acumulação desenfreada, absolutamente desvinculadas dos investimentos na produção de riquezas dos povos e das nações.

O outro objetivo, também central, foi, e tem sido, a fragmentação, em grande escala, do sentimento de solidariedade entre as sociedades, de tal forma que imobilizasse o espírito de pertencimento das pessoas a uma comunidade nacional.

Assim é que até às vésperas da pandemia sanitária em que estamos mergulhados e confinados, não existia qualquer discussão relevante sobre um projeto estratégico para a nação brasileira.

Porque a hegemonia ideológica do rentismo especulativo reside exclusivamente nas prioridades do Mercado financeiro, nos lucros estratosféricos dos Bancos, nas políticas econômicas ultraliberais que abatem o protagonismo do Estado nacional e aprofunda de maneira acelerada os imensos abismos sociais.

De tal forma cristalizou-se essa hegemonia, que nas últimas décadas todas as instituições da República foram, de uma forma ou de outra, tragadas pelas ideologias do capital financeiro, e as organizações partidárias de todos os espectros também foram gravemente contaminadas por uma espécie de irrelevâncias programáticas.

O resultado disso tudo é que a vida política se apequenou, e perante os olhos da opinião pública, transformou-se no contrário do que realmente é, da sua verdadeira essência: a maneira pela qual o povo exerce a sua vontade soberana nos destinos democráticos da nação e de cada um de nós.

Daí, a sociedade migrou paulatinamente para as redes sociais, seja para tratar das suas vidas diárias, seja para se dedicar a um ativismo político, em paralelo à vida política real.

Mas a verdade que também nas redes sociais o capital financeiro exerce a sua hegemonia ideológica, assim como os agentes políticos atuam forte e profundamente, comprovando que não há vida fora da política.


Jair Bolsonaro, presidente da República desde janeiro de 2019.

O governo Bolsonaro

O desorientado governo do presidente Jair Bolsonaro não é fruto do acaso, ele é resultado desse contexto de falta de rumos para o Brasil, de um Projeto Nacional de Desenvolvimento em todos os níveis, na economia, da vida social, na cultura etc., que em 500 dias de mandato mergulhou, ou aprofundou, melhor dizendo, a desorientação generalizada em que se encontra a nação.

Sem uma união nacional em torno de um propósito comum de País, parece que o cidadão foi envolvido em uma falsa premissa: a pessoa só é ocasionalmente brasileira, se o seu grupo político, ao qual é alinhado ideologicamente, ou por interesses concretos, encontra-se no poder. Isto é o ápice da fragmentação da sociedade nacional.

Jair Bolsonaro é resultado de uma crise espiritual nacional e social, com essas características já destacadas, cujo sinais, mais externos, apareceram nas manifestações de 2013 e daí foram num crescendo, passando pelo impedimento da ex-presidente Dilma.

Nas manifestações contra a realização da Copa do Mundo de futebol, que uniu setores de esquerda e de direita com objetivos distintos, no governo Temer, na imensa judicialização da vida política, a melhor expressão e testemunha que as grandes corporações do Estado nacional tomaram conta dos destinos nacionais, substituindo, nada mais nada menos, que as grandes maiorias sociais, o povo brasileiro.

Incapazes de achar um rumo nacional, as organizações partidárias foram, assim, destruídas e ao mesmo tempo se destruindo, abrindo um vácuo de poder que possibilitou o surgimento do governo Bolsonaro.

Que se guia por uma ideologia fanática, uma total falta de discernimento político, conceitos estapafúrdios e fora da realidade, como o terraplanismo, a intolerância generalizada e medieval, que se avulta na visão de uma falsa dicotomia sobre a atual pandemia sanitária, entre o óbvio e cientificamente comprovado isolamento social e a imprescindível questão da economia.

O presidente Jair Bolsonaro não é, na prática, presidente de todos os brasileiros, mas de um grupo de ativistas envolvidos, por enquanto, com a sua visão estreita do Brasil e do mundo, prejudicando enormemente os interesses nacionais através da orientação delirante da nossa política externa, nessa louvação sem nexo à dependência aos Estados Unidos e Israel, sem observar os múltiplos interesses geopolíticos e comerciais do Estado brasileiro. Um enorme prejuízo.


Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e violonista, o genial Tom Jobim.

Nesse sentido, é imprescindível que as diversas forças políticas nacionais contribuam, e não fiquem simplesmente marcando posição, para encontrar uma solução democrática e constitucional para o Brasil em meio a uma tríplice crise: sanitária, econômica e institucional. Porque estamos marchando, sem dúvida, para uma encruzilhada institucional gravíssima.

Mas a verdade é que se não construirmos um projeto de nação que recupere a confiança das amplas maiorias sociais, do povo brasileiro, em si próprio e nos destinos do País, estaremos condenados a patinar inevitavelmente nesse presente contínuo em que estamos mergulhados há algumas décadas.

Porque o Brasil é inevitável, mas falta-nos um rumo, um estado de espírito, um destino factível e perfeitamente realizável nos marcos democráticos. Mas, enfim, como disse o grande maestro Tom Jobim: o Brasil não é para iniciantes.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Diplomacia e civilidade




O dileto amigo Ênio Lins postou um lúcido comentário sobre o ex-governador Guilherme Palmeira em virtude do seu falecimento. Diz Ênio Lins: Guilherme é um grande exemplo dos bons tempos em que existia a diplomacia e civilidade no trato da coisa pública e na política.

Na verdade o Brasil vive, já faz algum tempo, uma época de grandes hostilidades institucionais, agravadas agora com o arrivismo destemperado, agressivo e perigoso às instituições democráticas, à Constituição e aos interesses soberanos do povo brasileiro.

É preciso saber distinguir na vida pública e na política a diferença entre conflitos políticos e confrontos. Conflitos políticos são algo típico do regime democrático. Confrontos significam a apologia sistemática e cotidiana à ruptura democrática e a exaltação à misantropia social entre grupos na vida política nacional.

O exemplo que todos têm falado sobre a memória de Guilherme Palmeira e sua trajetória política no cultivo da diplomacia e da civilidade não representa o passado mas são conceitos universais, imprescindíveis e uma exigência ao país e à nação brasileira para melhor traçar os seus caminhos democráticos. Na verdade, o passado é onde nos encontramos agora, atolados até o pescoço.

O governo Bolsonaro é um exemplo contrário de tudo o que precisamos. O Brasil precisa reencontrar com urgência os caminhos do entendimento e da saudável convivência social e política.