quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Estereótipos e a Guerra Híbrida

Meu novo artigo:


A principal característica da atual campanha eleitoral à presidência da República reside no esquematismo das posições em disputa. Vivemos um confronto de ideias na grande mídia e nas redes sociais, em que os problemas centrais do Brasil, e da sociedade, não são o centro do debate entre os candidatos, com raras exceções.

Em meio a uma crise política, econômica, social gravíssima que exige a discussão sobre novos rumos da nação, assistimos a uma batalha de estereótipos, onde posições engessadas buscam determinar uma agenda com base em conceitos ideologizados a priori, buscando polarizar suas plataformas, ficando, em segundo plano os anseios da sociedade como um todo.

Com o candidato Lula perseguido, preso e emparedado nas dependências da Polícia Federal, em vias de ser tornado inelegível, o Partido dos Trabalhadores adotou a tática eleitoral do Lula Livre. A concepção da campanha é que o ex-presidente se torna “a própria Ideia” como foi dito literalmente.

A denúncia da perseguição a uma liderança inegável como ele é mais que justa e associa todos os democratas do País a essa batalha. Transformar Lula como uma ideia em si mesmo, resvala para o total messianismo.

Compreende-se até como tática eleitoral e reafirmação da hegemonia em um campo do espectro político nacional, mas falta a proposta de superação de um imbróglio dramático que vive o Brasil.

Todos somos, de um jeito ou de outro, responsáveis pelo passado, presente e futuro da nação, especialmente os que atuam na vida política nacional.

Em evidente antagonismo há o candidato Jair Bolsonaro, escorado num pseudonacionalismo, um agressivo falso-moralismo sem propostas ou rumos factíveis aos destinos da nação.

Mas o seu guru na economia é um financista do Mercado, defensor contumaz da privatização geral, ampla e irrestrita de empresas estatais, como solução aos problemas nacionais.

Esposa, pelo verbo e intenções, um fascismo tupiniquim, uma caricatura de pretenso salvador da pátria. No momento atual essa é a polarização, retroalimentada, em que o Brasil se encontra. Mas novos capítulos estão para acontecer.

Trata-se de uma campanha de emocionalismos, não na forma de galvanizar as propostas dos candidatos, mas no próprio conteúdo. É uma espécie de extensão da Guerra Híbrida que assola o Brasil há um bom tempo. Uma guerra de estereótipos.

Mas o presidente eleito dificilmente terá condições de governabilidade. Será o prolongamento da atual crise institucional em estágio bem mais agudo.

Com as instituições da República em verdadeiro estágio de canibalismo entre si, um presidente fantoche e impopular, o desemprego crescente que atinge grande parte da força de trabalho, a perda da competitividade industrial, a infraestrutura em declínio, a autoestima e a identidade nacionais em baixa, segurança, saúde e educação esfrangalhadas, o Brasil precisa de rumos, projetos, causas e lideranças que unifiquem a sociedade.

O pragmatismo e a política sempre andaram juntos. Mas o pragmatismo sem projetos nivela a ação política ao nível mais elementar, confunde sagacidade com espertezas sem responsabilidades públicas.

Evidente que nos confrontos da política tem-se que fazer opções conforme a realidade objetiva, ninguém é inocente, onde é preciso se posicionar de acordo com o possível, aquilo que está dado.

No entanto, a gravidade da situação adquiriu um estágio de tal incerteza que exige além da competência política, responsabilidade para com os destinos do País, da sociedade.

Como já se disse, o Brasil esgotou um ciclo Histórico iniciado em 1988. Não é o primeiro que finda e nem será o último.

É preciso que forças políticas, ao lado de estrategistas, juristas, economistas, trabalhadores etc., assumam a responsabilidade de encontrar as saídas para outra etapa da vida nacional, a qual, de um jeito ou outro, vai acontecer. Esperamos que seja através da união das grandes maiorias sociais, e das lideranças nacionais que serão cobradas pela História.

Sun Tsu e a guerra comercial EUA x China


Sun Tzu e a arte de guerrear guerra comercial, por Pepe Escobar



Será longa e será suja, e Trump é doido se subestimar Xi e a firmeza da China

23/8/2018, Pepe Escobar, Asia Times

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Publicado no Blog do Alok

"Toda guerra baseia-se na dissimulação. Finge desordem. Jamais deixes de oferecer um engodo ao inimigo, para ludibriá-lo. Simula inferioridade para encorajar sua arrogância. Atiça sua raiva para melhor mergulhá-lo na confusão. Sua cobiça o arremeterá contra ti e, então, ele se estilhaçará" (Sun Tzu, A Arte da Guerra, século IV a.C.).

Imagine a liderança chinesa sumir durante quase duas semanas – praticamente posta em hibernação, imersa num debate secreto. Foi precisamente o que aconteceu em Beidaihe, resort de férias de verão na província ocidental de Hebei.

Por mais que circulem por aí teorias da conspiração à moda James Bond sobre esse rito anual, não há dúvidas sobre o tema-chave das discussões: a guerra comercial EUA-China.

A segunda maior economia do mundo sob o presidente Xi Jinping está já muito avançada na longa marcha rumo ao status de superpotência. O status quo geopolítico e geoeconômico anterior está morto.

Xi já disse incontáveis vezes e muito claramente que não basta, para a China, tornar-se simples "acionista responsável" na ordem liberal internacional pós-Guerra Fria controlada pelos EUA.

Não escapou à alta liderança em Beidaihe a mudança de direção operada pelo governo do presidente Donald Trump ao assumir abordagem beligerante, ao mesmo tempo em que a US National Security Strategy em dezembro de 2017 muito claramente rotulou a China "potência revisionista", rival estratégico e, para todas as finalidades práticas, do ponto de vista do Pentágono, alta ameaça.

Mas o que a liderança chinesa está identificando é o que podemos definir, na terminologia da cultura chinesa, como caso de "três ameaças".

Uma ameaça ao conceito de política exterior para as próximas décadas, como a Iniciativa Cinturão e estrada; e uma ameaça ao próprio movimento da própria integração da China, movimento centrado nas três zonas estratégicas da Área da Baía Expandida, o corredor Pequim-Tianjin-Hebei e o delta do rio Yangtze. E, claro, uma ameaça ao mercado chinês de ações.

A mídia estatal ainda não decidiu como lidar com isso tudo. The People's Daily definiu a estratégica do governo Trump, polidamente, como "engajamento plus contenção."

A rede CGTN [ing. China Global Television Network] jogou a carta do poder soft e enviou carta sarcástica a Trump. A rede agradeceu por ele ter unido o resto do mundo e, ao mesmo tempo, ter forçado a China a tornar o próprio ambiente econômico mais para sedutor para investimentos vindos do exterior. Pouco depois, o vídeo da rede CGTN "desapareceu" de YouTube e Twitter.

Assim, ainda que o consenso na liderança talvez seja que se trata de conter a irresistível ascensão da China, e mesmo considerando a névoa que cerca todas as grandes decisões de Pequim, mesmo assim se detectam algumas nuances fascinantes.

Sem dó nem piedade

Para Trump, nas declarações públicas, "guerras comerciais são boas e fáceis de vencer". É opinião que reflete sua fascinação pelo etos do Campeonato Mundial de Vale-tudo [ing. World Wrestling Entertainment (WWE)]. Trump, nesse caso é O Demolidor, empenhado em jogar Xi no chão de cimento, por cima das cordas. Xi seria O Bom-Rapaz [orig. Mr. Nice Guy], ex "bom amigo" de Trump.

Assim sendo, nem passa pela cabeça de Xi que hipnotizar a multidão, como o super-herói The Rock baste para salvar o dia. O Campeonato Mundial de Vale-tudo não é jogo de "ganha-ganha" – "ganha-ganha" é pra maricas. Agora, já praticamente não há limites. Trump acusa a China de interferir nas eleições nos EUA: "Idiotas que estão tão focados, só olhando para a Rússia, que tratem de olhar também noutra direção, para a China."

O "aventureirismo" militar da China permite ao Pentágono vir com uma Força Espacial. A China está proibida de investir em indústrias norte-americanas relacionadas à segurança nacional.

A resposta dos EUA ao alcance da Iniciativa Cinturão e Estrada é investir no vago "Indo-Pacífico" – aplicando lá miseráveis $113 milhões em infraestrutura de energia e comércio digital. "Made in China 2025" foi definido como ameaça absoluta a "EUA em 1º lugar" ["America First"].

E a China cada dia com mais frequência é apresentada como "maligna" – palavra de propaganda que põe Trump, nesse caso, perfeitamente alinhado com o complexo industrial-militar-segurança e respectivos think-tanks.

Assim sendo, como lutar numa jaula, sem árbitro? É onde entra Sun Tzu, legendário estrategista militar da China, autor de A Arte da Guerra. A primeira regra é simples: "Toda guerra baseia-se na dissimulação".[1] Caso de Pequim, que passa a negociar ao mesmo tempo como parceiro e como ameaça.

'Bárbaros do exterior'

Vai demorar, vai ser suja, será estendida, irá bem além das conversações dessa semana com os EUA, que – muito significativo – não incluem o vice-presidente Wang "Bombeiro" Qishan, ator chave e consigliere no qual Xi muito confia. É mais útil coordenando a estratégia de longo prazo em Pequim.

Aqui, é imprescindível um rápido flashback até o Império Britânico. Em 1793, durante a primeira missão diplomática a Pequim, liderada por Lord Macartney e recebida pelo Imperador Qianlong, os britânicos rapidamente perceberam que os fervilhantes mercados da China eram uma "ameaça" à Europa e ao sistema mundial de comércio de então.

A China era autossuficiente àquela época e exportava para a Europa itens como seda, chá, tecidos, porcelanas. De fato, todo um mercado de luxo em ebulição, numa rede de rotas da seda, ou uma versão inicial de Cinturão e Estrada.

Mas... o que os chineses importavam? Pouca coisa, além de peles da Sibéria, alguns alimentos exóticos e ingredientes da tradicional medicina chinesa. Nesse ponto, fala o Imperador Qianlong: "O Império Celestial tem tudo em fértil abundância e não precisa de produto algum dentro das próprias fronteiras. Não há pois qualquer necessidade de importar manufaturados por bárbaros do exterior, em troca de nossos próprios produtos."

Todos sabemos como terminou – diplomacia do canhão, as Guerras do Ópio, Pequim saqueada em 1860, "tratados desiguais" e o "século da humilhação" dos chineses.

Tudo isso ainda sobrevive nas profundezas do inconsciente coletivo chinês, bem como as raízes reais da atual guerra comercial. A brilhante estratégia de Deng Xiaoping consistiu em abrir as Zonas Econômicas Especiais [ing. SEZs] como bases insuperáveis, de produção de baixo custo, às multinacionais ocidentais e asiáticas.

Deng ofereceu a primeira plataforma para a expansão do capitalismo global. Consequência inevitável foi um estouro-da-boiada de investimento estrangeiro direto [ing. foreign direct investment (FDI)], deslocalização e transferência de fábricas e de cadeias de produção [ing. off-shoring and outsourcing].

Agora, comparem isso e alguns dados chaves fornecidos pela Administração Geral e Aduana da China [ing. China's General Administration and Customs]. Nos primeiros seis meses desse ano, nada menos que 41,58% das exportações da China para o resto do mundo foram produzidas por multinacionais norte-americanas, europeias e asiáticas.

Não se vê sinal algum de que os EUA corporativos – representados pelas empresas multinacionais – tenha interesse em sacrificar baixo custo de produção para "levar de volta aqueles empregos". As multinacionais também muito apreciam um yuan desvalorizado, porque assim os baixos custos de produção continuam baixos.

Além do mais, nenhum ataque de Trump contra "Made in China 2025" alterará o fato de que a segunda maior economia do mundo continua a escalar incansavelmente a escada da manufatura. Mais cedo ou mais tarde superará os EUA em inovação tecnológica.

Como lembra Zhigang Tao, diretor do Instituto para Desenvolvimento da China e Global, da Universidade de Hong Kong, Pequim ofereceu ao capital norte-americana a oferta proverbial que não pode ser recusada – acesso ao mercado chinês, em troca de transferência de tecnologia.

"[De fato,] essa estratégia de tecnologia-em-troca-de-acesso-ao-mercado funcionou extremamente bem, como se vê pelo crescimento da China em indústrias chaves, inclusive ferrovias para altas velocidades, aviação, automóveis e turbinas de vento" – disse Tao.

Significa que o próximo passo deve ser uma ampliação do modelo Tesla-em-Xangai.

Luta de classes?

Seduzir o capital norte-americano para investir na China sob regras mais lenientes pode ser apenas um aspecto de uma manobra à Sun Tzu para que Pequim dilua a guerra comercial. Com certeza Beidaihe avaliou o que pode acontecer se tudo der errado e virar guerra comercial quente.

Um furacão Tarifas teria potencial para devastar o emprego e a paisagem financeira da China, e provocar alta inflação e, até, recessão. Xi não pode de modo algum pôr em risco sua base de poder de facto, que não é o proletariado chinês, mas a classe média ascendente, que vive surto de consumo frenético e de turismo global.

Acrescente a isso a fúria indomável da classe trabalhadora, que já está ativada, segundo Minqi Li da Universidade de Utah. Afinal de contas, "Socialismo com Características Chinesas" não é exatamente Marx.

A proverbial miopia ocidental há anos insiste na ladainha de um colapso da China. Sim, há uma possível bomba da dívida. Sim, a China depende de fontes externas de petróleo e gás, o que é pesadelo recorrente. E, sim, as relações EUA-China já estão hoje sem dúvida em território de Guerra Fria, mesmo que nem se considere o Mar do Sul da China e Taiwan.

Mas subestimar uma potência ascendente capaz de planejar estratégia global concertada em detalhes até 2049 é tolice. Xi e Trump terão oportunidade de um sério cara a cara, dia 30 de novembro, na reunião do G20 na Argentina.

Trump pode até contabilizar o encontro como "ganha", como fez no caso do encontro com o presidente Vladimir Putin da Rússia e com o governante da Coreia do Norte Kim Jong Un. Mas Sun Tzu lá estará, a tudo assistindo das coxias.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

A crise política e os ciclos históricos republicanos


O Estado Novo que atravessa os tempos, por André Araújo



O cineasta Eduardo Escorel tem nos proporcionado uma notável recuperação do tempo histórico com sua série de documentários sobre o Estado Novo. Com uso dos arquivos de cine jornais da época, Escorel reconstitui o regime que, mais que nenhum outro, molda o Brasil contemporâneo, o momento em que o Brasil se tornou protagonista da geopolítica internacional numa escala não mais repetida depois.

IMAGENS DO ESTADO NOVO em cinco episódios é obra rara de documentação e reconstituição histórica, imperdível para os que gostam de política e de História brasileira.

O último episódio, exibido no Canal CURTAS, é sobre o levante comunista de 1935, que serviu de base e instrumento para Vargas elaborar o autogolpe de 10 de Novembro de 1937.

Personagem central do levante comunista em Natal e Rio de Janeiro foi Luís Carlos Prestes, o líder do Tenentismo de 1922, comandante da Coluna Prestes que percorreu o Brasil sem ser derrotada de 1925 a 1927 e que poderia ser, se assim quisesse, o líder da Revolução de 1930.

Esse homem que parecia ser das profundezas do tempo histórico deu entrevista no programa Jô Soares da TV Globo, sempre achei isso extraordinário. Como esse personagem atravessou tal percurso de tempo, a mesma pessoa, o mesmo homem? Prestes nasceu em 1898 e morreu em 1990, sai das batalhas a cavalo para chegar no talk show da TV Globo.

Outro personagem que atravessou o tempo histórico foi Artur Bernardes. Quando meu pai elogiava os discursos do Deputado Artur Bernardes em favor da criação da Petrobras em 1953, já no ultimo governo de Getúlio (1950-1954), eu não imaginava que esse era o mesmo Presidente Artur Bernardes de 1922 a 1926, o mesmo homem da época das casacas e polainas, o que enfrentou a Coluna Prestes, não era possível. O Presidente Bernardes parecia ser de outra época, de um Brasil profundo da República Velha, mas chegou inteiro à Era da Televisão. O Deputado Artur Bernardes era o mesmo Presidente Bernardes de três décadas anteriores.

Eduardo Escorel tem reconstituído magistralmente essa era que explica o Brasil de hoje porque lá estão as sementes de muitos de nossos problemas e desafios atuais, a raiz é antiga.

Escorel é ele mesmo produto desse Brasil profundo, neto do grande Embaixador Lauro Escorel que conheci no México em 1981 na famosa viagem do então Governador Paulo Maluf em roteiro internacional se preparando para a candidatura à Presidência. O Embaixador ofereceu um jantar ao Governador Maluf na linda residência da Embaixada. Como se não bastasse, o cineasta Eduardo Escorel é neto de Antônio Candido e Gilda de Mello e Souza, a quitessência intelectual do Brasil culto dos tempos do Estado Novo, do segundo Governo Vargas, dos anos dourados de JK e do fecho da Era Vargas no regime militar de 1964 desfechado por generais formados no Estado Novo. Geisel foi homem de Vargas na Paraíba em 1930.

É impressionante o desconhecimento desse substrato político que parece longínquo, mas é recente na História do Brasil, por parte de jornalistas e comentaristas moderninhos. Muitos dizem que estas eleições são as mais importantes da História da República e que o Brasil nunca viveu crise como a de hoje. Que grande tolice. O Brasil vive em crise política permanente desde a proclamação da República. Grandes entrechoques ocorreram na Campanha Civilista da Primeira República, no movimento tenentista que pretendia derrubar o Governo, nas insurreições regionais. Quem lembra que Salvador foi bombardeada pela Marinha em 1912 ou que a cidade de São Paulo foi bombardeada em 1924 por artilharia do Exército?

A Coluna Prestes não era pouca coisa, quatro colunas a cavalo em marcha, com 10 mil combatentes percorreu o Brasil por 25 mil quilômetros, sem que o Exército pudesse derrotá-la. Ao fim a Coluna se internou na Bolívia, invicta e seus próceres foram protagonistas, em 1930, na marcha que veio do Rio Grande para o Rio de Janeiro para derrubar o Presidente Washington Luiz, do qual o chefe da Revolução tinha sido Ministro da Fazenda.

Mega crises políticas marcam a História contemporânea do Brasil, a partir do Estado Novo e sua queda em 1945, eclodiram crises dramáticas como o suicídio de Vargas em 1954, a derrubada em duas semanas de três Presidentes, em Novembro de 1955, com o Palácio do Catete cercado por tanques, a eleição e a queda de Jânio Quadros em sete meses de Presidência, o regime parlamentarista improvisado de 1961, a volta do Presidencialismo, as agitações de Brizola e a derrubada de Jango. Com a liquidação da República de 1946, o novo regime militar em várias fases distintas que representavam choques internos violentos e pouco visíveis, a crise da morte de Tancredo e a Era Collor. O Brasil sem crises foi uma rara exceção e não regra, esta é a crise permanente da política, um País complexo, continental, fraturado, carente desde 1889. Nunca houve estabilidade real econômica ou política no Brasil.

FIM DE CICLO HISTÓRICO

Se existe alguma teoria a extrair da História brasileira é uma repetição de começo, meio e fim de ciclos históricos. A Primeira República se esgota em 1930, o Estado Novo acaba em 1945, o ciclo de governos oriundos da Era Vargas termina em 1964, o regime militar se esgota em 1985, agora chegamos ao fim do ciclo da Constituição de 1988, que tornou o processo de governar o Brasil impossível. Como disse ontem, 25 de agosto, no programa PAINEL GLOBONEWS, o mais experiente homem do poder vivo, Delfim Neto, com qualquer governo eleito neste ano o Brasil será ingovernável. Não há mais como compor os conflitos entre o Poder Executivo e o Congresso e entre esses dois e o Poder Judiciário. O ciclo esgotou-se e o novo governo eleito entra em meio a uma grande crise econômica, social e política cujo desfecho em todos os tempos, países e regimes se dá por traumatismos, sejam golpes, revoluções, guerra civil ou fraturas institucionais. Não há registro de estabilidade possível em um clima social onde grande parte da população está desempregada e sem meios de subsistência, seja na Roma Imperial, na França de Luís XVI ou na Itália pós Primeira Guerra.

A Constituição de 1988 terminou sua utilidade, mas uma nova Constituição só existirá por uma derrocada do atual regime e o nascimento de um novo que dê conta dos conflitos.

Tudo isso pode ou não correr, também é possível uma lenta agonia do regime de 1988 que se recusará a morrer. Períodos de decadência e decomposição são também ciclos históricos conhecidos, o Império Romano teve 300 anos de decadência até morrer.

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Silenciosa arma de Washington, para guerras nada silenciosas, por F. William Engdahl, com atualização de Pepe Escobar

Publicado no Blog do Alok:

20/8/2018, F. William Engdahl, New Eastern Outlook, NEO

Atualização de Pepe Escobar, 22/8/2018

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


Hoje, a mais mortal das armas de destruição em massa do arsenal de Washington não está no Pentágono nem é qualquer daquelas armas de matar tradicionais. É arma silenciosa: a capacidade que tem Washington para controlar a oferta global de dinheiro, de dólares, mediante ações do banco (privado) Federal Reserve coordenadas com o Tesouro dos EUA e seletos grupos financeiros ativos em Wall Street.

Desenvolvida ao longo de décadas, desde que dólar e ouro foram separados por ato de Nixon, em agosto de 1971, o controle sobre o dólar é arma financeira contra a qual poucas nações, talvez nenhuma, têm hoje condições de enfrentar, pelo menos ainda não, até esse momento.

Há dez anos, em setembro de 2008, o secretário do Tesouro dos EUA e ex-banqueiro de Wall Street Henry Paulson deliberadamente tirou da tomada o sistema global do dólar, ao deixar que um banco de investimentos de tamanho médio de Wall Street, Lehman Bros., quebrasse. Naquele momento, com ajuda do recurso para criar dinheiro infinito no Fed, conhecido como "Alívio Quantitativo" [ing. Quantitative Easing], os meia-dúzia de maiores bancos de Wall Street, entre os quais o próprio banco de Paulson, Goldman Sachs, foram 'resgatados' de uma debacle criada pela exótica finança securitizada deles mesmos.

O Fed também agiu para dar linhas de crédito sem precedentes, de centenas de bilhões de EUA-dólares, a bancos centrais da União Europeia de modo a evitar carência de moeda que claramente teria levado ao desmoronamento de toda a arquitetura financeira global. Naquele momento, seis bancos da eurozona deviam, em dólares, mais de 100% dos respectivos PIB.

Um mundo cheio de dólares

Desde então, há uma década, a oferta de dólares baratos para todo o sistema financeiro global subiu a níveis sem precedentes. O Institute for International Finance (IIF) em Washington estima que a dívida das famílias, governos, empresas e setor financeiro nos 30 maiores mercados emergentes chegou, no início de 2018, a 211% do PIB doméstico. Era de 143% no final de 2008.

Outros dados do IIF indicam a escala de uma armadilha de dívida que está só nos estágios iniciais de detonar as economias menos avançadas, da América Latina à Turquia e à Ásia. Com exclusão da China, a dívida total dos mercados emergentes, em todas as moedas, incluindo dívidas domésticas, quase dobrou, de 15 trilhões de dólares em 2007, para 27 trilhões de dólares no final de 2017. A dívida da China, no mesmo período foi, de 6 trilhões de dólares para 36 trilhões de dólares, segundo o IIF.

Para o grupo de países dos mercados emergentes, suas dívidas denominadas em dólares cresceram para cerca de 6,4 trilhões de dólares, a partir de 2,8 trilhões de dólares em 2007. Empresas turcas devem quase 300 bilhões em moedas estrangeiras, mais da metade do próprio PIB, a maior parte dessa dívida, em dólares. Os mercados emergentes preferiram o dólar, por muitas razões.

Enquanto aquelas economias emergentes estavam crescendo, recebendo dólares de exportação a uma taxa crescente, a dívida foi administrável. Agora, isso está começando a mudar. O agente dessa mudança é o banco central mais politizado do mundo, o Federal Reserve dos EUA, cujo novo presidente Jerome Powell é ex-sócio do sinistro Carlyle Group. Sob o argumento de que a economia doméstica dos EUA é suficientemente forte e que é possível devolver os juros dos EUA-dólar para o patamar "normal", o Fed iniciou deriva titânica para liquidez em dólar na economia mundial. Powell e o Fed sabem muito bem o que estão fazendo. Estão apertando os parafusos do dólar, para precipitar uma grande nova crise econômica em todo o mundo emergente, especialmente em economias eurasianas chaves, como Irã, Turquia, Rússia e China.

Apesar de todos os esforços de Rússia, China, Irã e outros países, para se afastarem da dependência do EUA-dólar para comércio internacional e finança, o dólar ainda é moeda de reserva dos bancos centrais do mundo, cerca de 63% de todas as reservas dos bancos centrais do Banco de Compensações Internacionais (ing. BIS). Além disso, quase 88% de todos os negócios diários em moedas estrangeiras são feitos em EUA-dólar. A maior parte do comércio de petróleo, ouro e commodities é denominado em EUA-dólar. Desde a crise grega em 2011, o euro jamais foi rival sério contra a hegemonia do dólar como moeda de reserva. Hoje, cerca de 20% das reservas são em EUA-dólar.

Desde a crise financeira de 2008, o EUA-dólar e a importância do Fed cresceram a níveis sem precedentes. Só agora o mundo começa a perceber, pela primeira vez desde 2008, real falta de dólares, o que significa custo muito mais alto para tomar novos empréstimos em dólares para refinanciar velhas dívidas em EUA-dólar. O pico dos vencimentos da dívida total em EUA-dólar dos mercados emergentes acontece em 2019: estarão vencendo dívidas num total de mais de 1,3 trilhão de dólares.

Aqui vem a armadilha. O Fed não está avisando apenas que aumentará mais agressivamente os juros para emprestar em dólares ainda esse ano, adiante, e no próximo ano. Está também reduzindo a quantidade de dívida do Tesouro dos EUA que comprou depois da crise de 2008, o chamado Arrocho Quantitativo [ing. QT, Quantitative Tightening).

Do Alívio Quantitativo, ao Arrocho Quantitativo

Depois de 2008, o Fed iniciou o que foi chamado de Alívio Quantitativo. O Fed comprou dos bancos soma estarrecedora de bônus do Tesouro, até um pico de 4,5 trilhões de dólares, a partir dos apenas 900 bilhões no início da crise. Agora o Fed anuncia que planeja reduzir as compras em pelo menos um terço, nos próximos meses.

O resultado do Alívio Quantitativo foi que o Fed inundou de liquidez os grandes bancos que estiveram por trás da crise financeira de 2008, e os juros caíram a zero. Aquela liquidez dos bancos foi, por sua vez, investida em qualquer parte do mundo que oferecesse retorno mais alto, enquanto os papéis dos EUA pagaram juro zero. Virou papel podre no setor do petróleo de xisto, num novo mini-boom da construção nos EUA. Mais marcadamente, os EUA-dólares líquidos foram para mercados emergentes de mais alto risco, como Turquia, Brasil, Argentina, Indonésia, Índia. EUA-dólares fluíram para a China, onde a economia vivia um boom. E EUA-dólares escorreram para a Rússia, antes que as sanções, no início desse ano, começassem a assustar investidores estrangeiros.

Agora, o Fed começou o Arrocho Quantitativo [ing. QT – Quantitative Tightening] – o contrário do Alívio Quantitativo. No final de 2017, o Fed lentamente começou a fazer encolher a própria carteira de bônus, o que reduz a liquidez de EUA-dólares no sistema bancário. No final de 2014, o Fed já parara de comprar novos papeis do mercado. A redução da carteira de papéis do Tesouro no Fed, por sua vez, empurrou os juros para cima. Até esse verão, tudo foi feito despacito, despacito. Até que o presidente dos EUA lançou uma ofensiva de guerra comercial com alvo determinado, gerando terrível incerteza na China, na América Latina, na Turquia e por toda parte, e novas sanções econômicas contra Rússia e Irã.

Hoje, o Fed está deixando que 40 bilhões de dólares de seus papeis do Tesouro e de empresas amadureçam sem substituí-los, quantia que subirá para 50 bilhões de dólares mensais adiante, esse ano. Significa que todos esses dólares são tirados do sistema bancário. Além disso, para agravar o que rapidamente se vai convertendo em claro e absoluto racionamento de dólares, as leis de cortes de impostos do governo Trump estão acrescentando centenas de bilhões ao déficit que o Tesouro dos EUA terá de financiar mediante emissão de novos papéis da dívida. Com o aumento na oferta de papéis da dívida do Tesouro, o Tesouro será forçado a pagar mais juros, para conseguir vendê-los. Juros mais altos nos EUA já estão operando como um ímã, para trazer de volta os dólares que se espalharam pelo mundo.

Para aprofundar o Arrocho global, sob pressão da dominação do Fed e do dólar, o Banco do Japão e o Banco Central Europeu foram obrigados a anunciar que não mais comprarão bônus nos respectivos programas de Alívio Quantitativo. Desde março, o mundo já entrou, de fato, na nova era de Arrocho Quantitativo.

Visto desse ponto, a coisa parece estar ficando dramática, a menos que o Federal Reserve pare tudo, desista e recomece uma nova operação de Alívio Quantitativo, para evitar crise sistêmica global. Não parece provável que aconteça. Hoje, os bancos centrais, mais até do que antes de 2008, dançam pela música que o Federal Reserve está tocando. Como consta que Henry Kissinger teria dito nos anos 1970s "Se você controla o dinheiro, você controla o mundo."

Nova Crise Global em 2019?

Embora até aqui o impacto da contração do dólar tenha sido gradual, está às vésperas de tornar-se dramático. Os balanços dos bancos centrais somados do G-3 mostram crescimento de apenas 76 bilhões na primeira metade de 2018, comparados aos 703 bilhões de dólares de crescimento nos seis meses anteriores – quase meio trilhão de dólares saíram do pool global de dinheiro a emprestar. Bloomberg estima que as compras líquidas [orig. net asset purchases] pelos três principais bancos centrais cairão a zero no final de 2018, dos quase 100 bilhões de dólares mensais no final de 2017. Anualmente, isso se traduz no equivalente a 1,2 trilhões de dólares a menos na liquidez em dólares no mundo em 2019.

A lira turca caiu pela metade desde o início desse ano em relação ao EUA-dólar. Significa que as grandes empresas turcas de construção e outras que conseguiram tomar empréstimos em dólares "baratos" terão de arranjar o dobro da quantidade de dólares que tomaram, para pagar os empréstimos. A maior parte da dívida não é dívida do estado turco, mas de empresas privadas. Empresas turcas devem estimados 300 bilhões de dólares em moeda estrangeira, a maior parte da dívida em EUA-dólares, quase metade de todo o PIB do país. Essa liquidez em EUA-dólares manteve o crescimento da economia turca desde a crise financeira dos EUA em 2008. E não só a economia turca. Países asiáticos, do Paquistão à Coreia do Norte, exceto a China, tomaram emprestados estimados 2,1 trilhão de dólares.

Enquanto o dólar esteve barato, contra essas moedas, e o Fed manteve baixos os juros – como de 2008 a 2015 –, o problema foi pequeno. Agora isso estão mudando e mudando dramaticamente. O dólar está subindo fortemente contra todas as outras moedas, esse ano, 7%. Isso, combinado com as guerras comerciais que Washington está deliberadamente começando, provocações políticas, quebra unilateral do tratado nuclear com o Irã, novas sanções contra Rússia, Irã, Coreia do Norte, Venezuela, além de provocações sem precedentes contra a China. Ironicamente, as guerras comerciais de Trump levaram a uma "corrida para segurança", para longe de países emergentes como Turquia ou China, para os mercados dos EUA, mais notavelmente para o mercado de ações.

O Fed está usando o EUA-dólar como arma de guerra, e as precondições são, em muitos sentidos, semelhantes às que se tinha durante a crise da Ásia em 1997. Naquele momento, bastou um ataque concertado de fundos 'abutres' norte-americanos contra a moeda do terço mais pobre das economias asiáticas, o baht tailandês, para disparar o colapso por quase todo o sul da Ásia, até a Coreia do Sul e até Hong Kong. Hoje, o gatilho é Trump e seus tuítos belicosos contra Erdogan.

As guerras comerciais dos EUA de Trump, as sanções políticas e as novas leis de impostos, no contexto da clara estratégia do Fed de arrocho na oferta de dólares, oferecem o pano de fundo para uma guerra do dólar contra opositores globais dos EUA, sem sequer ser preciso declarar guerra. Bastaram algumas provocações comerciais contra a economia gigante da China, provocações políticas contra o governo turco, novas sanções sem qualquer fundamento contra a Rússia e bancos de Paris a Milão, Frankfurt e New York e quaisquer outros que tenham dívidas em dólares, para que mercados emergentes, de maior risco, começarem a corrida rumo à porta de saída. O colapso da lira como resultado de um quase pânico de venda, ou a crise da moeda do Irã, a queda do rublo russo. Tudo isso reflete o início, como também o declínio do renminbi chinês, de um 'racionamento' global do dólar.

Se Washington conseguir dia 4 de novembro cortar todas as exportações de petróleo do Irã, os preços mundiais do petróleo subirão acima de 100 dólares, o que aumentará dramaticamente a falta de dólares no mundo em desenvolvimento. É guerra, por outros meios. A estratégica do dólar, do Fed, está operando hoje como "arma silenciosa" para guerras nada silenciosas. Se isso continua, pode ter efeito grave na crescente independência dos países da Eurásia em torno da Nova Rota da Seda da China e da alternativa Rússia-China-Irã ao sistema dólar. O papel do dólar como principal moeda global de reserva e a habilidade do Federal Reserve para controlar o processo é arma de destruição em massa e pilar estratégico para que a superpotência norte-americana mantenha-se como tal. As nações da Eurásia, e mesmo o Banco Central Europeu estão preparados para enfrentar tudo isso efetivamente?


Atualização:
Pepe Escobar, 22/8/2018

EXCLUSIVO, MEGA IMPORTANTE ALEMANHA CONTRA O EUA-DÓLAR (ATUALIZAÇÃO)


Bem, estou me aprofundando no assunto – de fato, é praticamente matéria de primeira mão. Prefiro não esperar, e aí vai, pra vocês, enquanto ainda é noite na Europa e início da tarde nos EUA.

Comecemos com fonte muito bem informada, importante financista alemão na Suíça, que comentou o que disse o ministro de Relações Exteriores alemão [Heiko] Maas, sobre a ideia de um sistema europeu ou global para deixar de fora os EUA (Aqui, a matéria da Reuters).

Por falar disso, se a coisa for global, é exatamente o que Rússia-China e os (B)RICS [exceto o Brasil, que vive sob golpe e virou quarto de despejo da CIA-EUA (NTs)] vêm discutindo há anos.

Segundo a fonte, "muitas instituições financeiras (e agências reguladoras) europeias (e suíças) são dirigidas por norte-americanos ou fãs apaixonados dos EUA. Como se não bastasse, morrem de medo da retórica dos EUA de bloqueá-las e impedir-lhes o acesso a Wall St., se não se comportarem bem."

A fonte lembra que "desde o Tratado de Roma a União Europeia não consegue concordar quanto a qualquer (uma, que fosse, uma só!) decisão importante relacionada a dinheiro, banking, impostos, subsídios, tudo! Por que estariam em harmonia agora?" – a fonte estranha.

Além do mais, "a confiança de outras nações em alguma 'liderança da União Europeia' é ainda mais baixa do que na temida, embora de modo geral quase sempre obedecida, liderança global dos EUA".

E, "ainda que pudessem fazer um vago movimento, alguma tentativa, na direção de revolução em tão larga escala como essa, antes de acabarmos de comer croissants os corretores de moeda em NYC já teriam detonado uma bomba atômica sobre o euro e a Força Aérea dos EUA já controlaria toda a Europa, antes de Bruxelas acordar da sesta de depois do almoço..."

Está bom p'rá vocês?

Do nosso mesmo e muito bem relacionado amigo: "na economia do futuro, a Europa será passado. Num horizonte de 5-10 anos, só vejo a China com chances de dominar a moeda. Isso, sim, é inevitável. Esqueça a Europa."

Agora, comparem com a visão de curto prazo de meu amigo, o analista Peter Spengler. Peter argumenta, corretamente, que ser 'exilado' do sistema SWIFT não é o problema:

"SWIFT, a maior rede cooperativa [sic] de pagamentos do mundo, opera sob a legislação da Bélgica, quer dizer, sob leis da União Europeia – as mesmas leis que os guerrilheiros do Tesouro dos EUA (+ o Government Communications Headquarters (GCHQ) [serviço de inteligência britânico encarregado da segurança e da espionagem e contraespionagem] e a Agência de Segurança Nacional dos EUA]) só fazem desrespeitar há mais de dez anos, apesar dos muitos protestos no nível do Parlamento Europeu. A Europa e os países e moedas associados não precisam de novo sistema. Precisam É FAZER VALER A LEI INTERNACIONAL E AFASTAR-SE DO EUA-DÓLAR (maiúsculas minhas) e portanto do Fed-NY, para transações de pagamentos –, para ter compensação neutra, confiável e multilateral."

Agora a bomba – vinda diretamente de uma lista muito fechada que circula nos mais altos níveis da finança, que recebi de uma das minhas fontes nas finanças da União Europeia.

Segundo aquelas análises, o Ministério de Relações Exteriores da Alemanha "não soltou esse balão de ensaio sem permissão dos que mandam em Merkel, que não passa de fantoche da grande finança."

E ainda melhora: "Alemanha está extremamente temerosa de que o Estreito de Ormuz seja fechado, interrompendo parte crucialmente importante do gás natural e do petróleo de que o país precisa e pondo a Alemanha em total dependência do petróleo e do gás natural russos. Por isso os alemães têm de se agarrar com unhas e dentes ao acordo nuclear iraniano, custe o que custar, porque, sem acordo, podem perder também a Rússia. Daí o recente encontro Merkel & Putin (Cobri o encontro para Asia Times: "Do Mar Báltico ao Mar Negro, Rússia busca ganha-ganha", 20/8/2018, Pepe Escobar [traduzido])

e o aparecimento de um novo plano para a moeda para quebrar o controle dos EUA sobre a Alemanha e o mundo do sistema dólar dos SWIFT-CHIPS."

Em resumo: segundo esses pesos pesados, "o que está empurrando as forças que mandam em Merkel na direção de ameaçar separar-se do EUA-dólar, é O MEDO de perder o petróleo e o gás da Rússia e dos '-stões' centro asiáticos e o Estreito de Ormuz, caso Trump enlouqueça nas sanções, e o Irã reaja bloqueando Ormuz.

A mensagem aqui é que a elite alemã parece crer que os EUA não têm competência militar para manter aberto o Estreito de Ormuz – e nesse caso, com o Estreito fechado, a Alemanha ficaria simplesmente paralisada. E por isso o desmonte do sistema que controla o mundo pelo EUA-dólar começa agora a ser 'ventilado' pela Alemanha: é questão de sobrevivência nacional.

Agora imaginem tudo isso em discussão no palco do mundo, em breve (provavelmente em setembro) na reunião de cúpula Rússia-Alemanha-França-Turquia.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

A balsa da Medusa

Meu novo artigo:


Em 1816 a fragata Medusa que ia da França para o Senegal naufragou, 147 pessoas que não conseguiram lugar nos botes salva-vidas improvisaram uma balsa com tábuas e o mastro do navio.

Com a embarcação à deriva deu-se um dos mais trágicos eventos da História náutica francesa, com pessoas morrendo de sede e fome. O médico francês Jean-Baptiste Henry Savigny assumiu a liderança do grupo e passou a dissecar os cadáveres e fomentar a prática do canibalismo para alimentar os demais náufragos.

Depois de treze dias à deriva a balsa foi resgatada pelo Argus, um pequeno navio mercante, só quinze pessoas sobreviveram. O episódio foi imortalizado em um quadro pintado em 1818 por Théodore Géricault, que se encontra exposto no museu do Louvre em Paris.

A vida institucional brasileira assemelha-se hoje, caricaturalmente, com a Balsa da Medusa, onde se pratica uma antropofagia política irrefreável, cuja consequência principal é a impossibilidade de medir o nível de qualquer lógica com o mínimo de racionalidade possível.

O candidato Jair Bolsonaro afirmou que se eleito presidente o Brasil iria retirar-se da ONU, depois desmentido por ele próprio, já que a entidade era “dirigida por comunistas”. Ora, tal declaração constitui-se em evidente delírio. Senão vejamos.

Cuba vive um embargo quase secular dos Estados Unidos. Tem uma economia em penúria, sobrevivendo às custas de malabarismos econômicos e diplomáticos.

A Coreia do Norte pratica uma geopolítica baseada no armamentismo atômico, temendo o destino de outros Países que afundaram ou foram invadidos pelas grandes potências.

Cercada, fechada em si mesma, nação pobre, sobrevive graças à proximidade com a China que tem os seus próprios objetivos nacionais geopolíticos e não permite que o vizinho fronteiriço caia nas mãos do Estados Unidos ou de outras potências.

A Rússia hoje nada tem de comunista, é uma sociedade capitalista, com seus interesses nacionais de protagonista no teatro das nações, quase milenar, em primeiro plano.

O Vietnã trata de curar as feridas da sua epopeia de libertação contra três potências - França, Japão e EUA - em menos de um século, adota um sistema de economia mista, Estado e iniciativa privada. Cuida exclusivamente do seu destino, conquistado tragicamente.

Existe a China, a segunda potência global, em crescimento contínuo, um sistema econômico de “Socialismo de Mercado” capitalista, cuja produtividade faz inveja aos maiores barões da indústria do planeta.

Enfim, vivemos hoje uma Guerra Comercial geopolítica, e não a Guerra Fria ideológica do século XX.

Quanto à ONU, por todos esses motivos e outros mais, não é “dirigida por comunistas” mas pelas grandes potências, com o predomínio do capital financeiro, principalmente especulador, que dita os seus objetivos e programas internacionais.

Esse mesmo capital especulador, de mega-bilionários, como George Soros e suas ONGs, é quem promove a Guerra Híbrida pelo mundo, que assola o Brasil, fomentando tempestades de ódios difusos e “ondas emocionais induzidas” via redes sociais.

A ONU não é uma instituição isenta e neutra, como dizem, mas um teatro de operações onde coabitam interesses econômicos poderosos e ambições geopolíticas para lá de evidentes.

É só lembrar o papel dessa instituição nas duas guerras do Iraque, Iugoslávia, Afeganistão, Líbia, Síria, as lutas fratricidas que ocorrem hoje no continente africano etc. e muito mais.

Retirar-se da ONU é portanto, delírio e bravata pura, um crime diplomático e geopolítico, uma apologia ao isolamento absoluto do País.

Mas o Brasil deve resolver suas pendências judiciais internamente, porque abdicar da capacidade de solução das suas questões, entregá-las aos desígnios dos interesses das grandes potências e das finanças globais é abrir as portas, oficialmente, às ambições dos magnatas financeiros, tanto como aos projetos das grandes potências em relação, por exemplo, à Amazônia brasileira e muitos outros mais. Seria a oficialização da vassalagem nacional e o reconhecimento público do status colonial.

Assim, com o desmantelamento das instituições republicanas, a tentativa da destruição da vida política democrática, via uma cultura falso-moralista e inconstitucional, os erros cometidos por organizações partidárias ditas de centro, esquerda e direita, as ações desestabilizadoras das grandes potências, que nadam de braçada no País, o fomento da Guerra Híbrida através dos megaespeculadores das finanças globais, o Brasil vive a maior crise da sua História republicana que se expressa nas atuais eleições.

Parece o quadro A Balsa da Medusa, pelo nível de canibalismo político e delírio geral.

Mas expressa também uma crise da Nova Ordem Mundial, que já não responde às demandas dos povos e nações do planeta. As insubordinações vão continuar a prosperar por todos os quadrantes e se agravar imensamente.

Para nós a única saída viável é a defesa dos valores democráticos, a estabilidade da vida brasileira, o retorno ao equilíbrio dos três poderes, a intransigente defesa da soberania nacional, o desenvolvimento econômico, dissipar as distâncias sociais abissais que ainda persistem até os dias atuais.

Vivemos um período em que a ausência de lideranças, que tenham o Brasil em primeiro plano, é infelizmente um fato objetivo. Para não falarmos em estadistas.

É possível que um período político da nossa história tenha se esgotado. Outros surgirão, porque o Brasil é inevitável, uma junção do nosso passado, presente e o futuro. Nada se faz como na peça Esperando Godot, na vida política o que vale é o agora, construir o amanhã.

Não é fácil nem o céu é de brigadeiro, as nuvens estão carregadas, mas a história é feita de desafios. Nunca foi diferente, aqui ou em qualquer outra nação do mundo que tenha a dimensão continental, a população, o protagonismo Histórico e geopolítico do Brasil. Este é o momento de muita lucidez, de novas ideias e novos projetos para o País, numa época em que se prenunciam grandes viragens globais. O que não podemos é ser a réplica da Balsa de Medusa.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Comparações

Meu novo artigo:


O compositor Gilberto Gil lembrou a frase de dona Canô, mãe de Caetano Veloso, falecida aos 105 anos: quem não morre, envelhece. De fato, não é, como parece, uma dedução simples, mas cheia de lições em tão longa existência.

Numa das polêmicas crônicas que Nelson Rodrigues escreveu à época do “poder jovem” na década de 60 - e o que vinha da rebeldia comportamental juvenil tinha-se como verdade absoluta – “meu conselho aos jovens é, envelheçam por favor”.

O Politicamente Correto, vindo dos laboratórios das finanças globais, arvora-se em sucedâneo das ideias surgidas na França dos anos 60.

A questão não é a ousadia da juventude essencial às grandes transformações, mas quem ainda não possui a experiência acumulada para discernir os caminhos viáveis das armadilhas inevitáveis.

Com o passar dos anos é possível enxergar, mais ou menos, uma coisa e outra, evitar equívocos repetidos ao longo dos tempos.

Existem povos, pela herança adquirida em milhares de anos, que possuem cultura acumulada, capacidade de julgamento aos desafios que a História lhes impõe. Onde é possível juntar a rebeldia dos jovens com a experiência adquirida em milênios.

É o caso do Vietnã, e seu líder histórico Ho Chi Minh, que derrotou três potências, França, Japão e Estados Unidos em apenas um século, conquistando a independência às custas de sacrifícios inenarráveis.

Quando em 2003 tive a oportunidade de conversar com o embaixador do Vietnã, líder guerrilheiro à época da libertação, falei que a minha geração tinha muita admiração pela nação vietnamita.

Ao que ele respondeu: nós é que admiramos os brasileiros que ao longo desses mesmos anos não precisaram travar tantas guerras brutais para libertar a sua pátria, ao custo de milhões de mortos. Não soube o que responder frente à desconcertante sabedoria.

O premiado escritor angolano José Eduardo Agualusa falou em entrevista que a crise no Brasil lembra Angola na guerra civil, logo depois da libertação colonial, quando a sociedade ficou totalmente dividida.

Mas Angola conquistou a independência em 1974 em plena Guerra Fria, já o Brasil em 1822. Um País industrializado com mais de 200 milhões de habitantes, uma sociedade bem mais complexa. Aqui, estamos é sob uma Guerra Híbrida cujo objetivo é a fratura do nosso tecido social. E o que faz falta são rumos e estadismo.

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Um falso discurso

Meu novo artigo:


Como já se disse: no princípio era a Natureza. A sociedade é uma construção, um conjunto de circunstâncias herdadas, uma proteção contra o poder da natureza. Sem a sociedade nos sentiríamos a navegar no mar tempestuoso que a Natureza é como tal.

Uma das teses atuais difundidas pela agenda da globalização financeira é a volta idílica à natureza, uma vida desprovida dos descomunais esforços empreendidos pelos seres humanos, ao longo da sua existência, para vencer obstáculos tremendos em todos os ramos da sua atividade.

Dessa empreitada é que surgiram as ciências. A medicina, por exemplo, é consequência direta da luta da humanidade pela sobrevivência e hoje quando temos medicamentos e aparelhos formidáveis nas áreas da saúde, tudo resulta da criação das mulheres e homens em defesa da vida.

Em alguns momentos a ciência enfrentou mitos e resistências dramáticas para a sua afirmação; os que se dedicavam à cura das doenças foram taxados como bruxos, os que ousaram achar que a Terra era redonda, hereges, ou blasfemos. Muitos pagaram com a própria vida pela ousadia da descoberta nas atividades científicas e tecnológicas.

Hoje, em pleno século XXI, há uma forte onda, imposta por uma agenda do capital financeiro, no sentido de refrear o espírito das pessoas em relação aos avanços científicos, à condição da crença em um futuro melhor associado a uma sociedade menos desigual.

A agenda do capital rentista chega ao ponto de alardear catástrofes alimentares em função do crescimento populacional, espécie de alarmismo malthusiano retardado, porque a agricultura possui condições de prover as necessidades da humanidade. Já a fome, a pobreza, a degradação ambiental, como diz o ditado popular, aí as causas são outras, o buraco é mais embaixo.

Mais uma vez desejam frear, por interesses escusos, os avanços na ciência e na tecnologia. Seguramente não as nações que precisam do desenvolvimento, da superação das desigualdades sociais.

A agenda da globalização financeira também age contra os Países na área social. Busca sustar, como no Brasil, um projeto nacional unificador, fabricando polarizações, tempestades de ódios difusos, desviando-os das questões centrais, fundamentais à superação dos entraves que hoje dificultam os caminhos de uma nação próspera, desenvolvida e mais justa.