sábado, 21 de novembro de 2020

Patrice Lumumba: 59 anos da morte de um dos maiores líderes pela independência nacional na África


Não há imperialismo bom e imperialismo mau, há o imperialismo.

Não há especulador financeiro bonzinho e especulador financeiro mau, há o rentismo predador.



Admirado e homenageado em todo o mundo pelos que lutam pela liberdade e soberania de seus povos e de sua pátria, o congolês Patrice Lumumba preso, torturado e assassinado há quase 60 anos, em 17 de janeiro de 1961, aos 35 anos, foi uma das principais lideranças pela libertação de suas nações do colonialismo na África e um dos primeiros chefes de estado pós-independência. Herói ao lado de Kwame Nkrumah, Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane, Samora Machel.

Desde muito jovem participou ativamente das lutas anti-colonialistas de sua terra, o Congo Belga. Depois de haver sido eleito presidente do Sindicato Independente dos Trabalhadores Congoleses, em 1958 fundou o Movimento Nacional Congolês (MNC), o maior partido nacionalista congolês e o único constituído em bases não tribais.

Em dezembro do mesmo ano, ao se pronunciar na primeira Conferência dos Povos Africanos, em Accra, capital da recém-independente Gana, como membro da delegação do MNC, destacou-se pela clareza com que defendeu as ideias pan-africanas de unidade contra o colonizador, juntando-se a outros líderes africanos que se destacavam na torrente com que o conjunto dos movimentos nacionais avançava para romper o jugo a que os países europeus haviam submetido o continente africano. Ao lado de Lumumba, Kwame Nkruma, da recém-liberta Gana, Tom Mboia, líder do Kenia; Sekou Touré, da Guiné; Julius Nyerere, da Tanzania.

Logo após seu retorno ao Congo, acelerou-se a luta pela independência, conquistada dois anos depois. Desde os primeiros passos em seu combate, o dirigente congolês visualizou a questão fundamental para a garantia da libertação nacional do colonialismo: a unidade da nação em formação, acima das disputas tribais. A concepção clara da dignidade nacional, da necessidade de cimentá-la acima das divisões étnicas e tribais, lhe valeu o ódio dos colonialistas e da casta dominante do imperialismo americano, que desejava substituí-lo.

A expressão que adquiriu com rapidez, o estímulo com que conduziu os demais na luta pela independência fez com que, nas negociações em Bruxelas, a delegação congolesa exigisse a sua presença. Lumumba se encontrava preso – acusado de incitar “a desobediência civil” durante as manifestações de massa pela independência em outubro de 1959 - e os belgas tiveram que tirá-lo da cadeia diretamente para o avião de onde ele iria dirigir o processo de libertação na sua fase final: as negociações em Bruxelas até a assinatura dos protocolos que especificavam a data para a entrega do poder a um governo congolês, que viria a ter Lumumba no comando, no posto de primeiro-ministro.

O seu discurso no dia da independência, 30 de junho de 1960, permanecerá nos anais da diplomacia mundial como uma peça oratória magnífica, em que o jovem dirigente africano, na presença do rei Balduíno, da Bélgica, e de outros dignitários estrangeiros, denunciou abertamente os crimes hediondos do colonialismo belga sobre o povo congolês e traçou as perspectivas do futuro Congo, liberto da dominação estrangeira.

Como primeiro-ministro foi um líder de grande estatura. Em seu discurso na abertura da Conferência Pan-africana realizada na capital de seu país, Leopoldville, em 25 de agosto de 1960, Lumumba defendeu a unidade e solidariedade dos países africanos em sua luta pela independência e sua consolidação como nações soberanas.

Em setembro desse mesmo ano Lumumba foi afastado pelo presidente Kasavubu, apoiado pelos Estados Unidos e por militares golpistas comandados por um certo coronel Mobutu. Em novembro é preso e, a 17 de janeiro de 1961, depois de meses de detenção ilegal, é barbaramente torturado e assassinado.

O próprio Senado dos Estados Unidos, que investigou as atividades dos serviços de “inteligência” norte-americanos, descobriu que a CIA organizou em agosto de 1960 - o Congo era independente há apenas dois meses! - uma conspiração com o “objetivo urgente e prioritário” de assassinar o primeiro-ministro congolês. Para Allen Dulles, o então diretor dos serviços secretos norte-americanos, Patrice Lumumba era “um perigo grave” a ser eliminado.

O afastamento de Lumumba da chefia do governo, sua prisão e seu assassinato foram o resultado conjugado dos interesses do colonialismo belga - que, apesar da independência do Congo, pretendia continuar a explorar a seu bel-prazer as riquezas do país - e da intervenção do imperialismo norte-americano, através da CIA - o jovem primeiro-ministro era considerado por Washington um “esquerdista”, simpatizante da União Soviética -, coniventes com setores da burguesia congolesa que não hesitaram em trair o seu povo e aliar-se à dominação estrangeira.

Já preso, poucos dias antes de seu assassinato, Lumumba escreveu uma carta de despedida à sua mulher Pauline, em que reafirma a sua confiança no futuro. São belas e comoventes, mas cheias de esperança, essas breves palavras, publicadas mais tarde pela revista “Jeune Afrique”:

“(…) Não estamos sós. A África, a Ásia e os povos livres e libertados de todos os cantos do mundo estarão sempre ao lado dos milhões de congoleses que não abandonarão a luta senão no dia em que não houver mais colonizadores e seus mercenários no nosso país. Aos meus filhos, a quem talvez não verei mais, quero dizer-lhes que o futuro do Congo é belo e que o país espera deles, como eu espero de cada congolês, que cumpram o objetivo sagrado da reconstrução da nossa independência e da nossa soberania, porque sem justiça não há dignidade e sem independência não há homens livres.

Nem as brutalidades, nem as sevícias, nem as torturas me obrigaram alguma vez a pedir clemência, porque prefiro morrer de cabeça erguida, com fé inquebrantável e confiança profunda no destino do meu país, do que viver na submissão e no desprezo pelos princípios sagrados. A História dirá um dia a sua palavra; não a história que é ensinada nas Nações Unidas, em Washington, Paris ou Bruxelas, mas a que será ensinada nos países libertados do colonialismo e dos seus fantoches. A África escreverá a sua própria história e ela será, no Norte e no Sul do Sahara, uma história de glória e dignidade.

Não chores por mim, minha companheira, eu sei que o meu país, que sofre tanto, saberá defender a sua independência e a sua liberdade.

Viva o Congo! Viva a África!”.

Para os revolucionários do século XXI na África e em todo o mundo, que hoje continuam a lutar em condições diferenciadas contra a dominação imperialista e a exploração capitalista, Patrice Lumumba continua bem presente com o seu exemplo de patriota e combatente pela liberdade. E são de uma enorme atualidade as ideias que defendeu generosamente e pelas quais deu a vida - a urgência da independência nacional e da genuína soberania para todos os países, a unidade africana, a luta intransigente contra o colonialismo e o neocolonialismo, o combate pela emancipação social dos povos.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Rumos e Estadismo



O compositor Gilberto Gil lembrou a frase de dona Canô, mãe de Caetano Veloso, falecida aos 105 anos: quem não morre, envelhece. De fato, não é, como parece, uma dedução simples, mas cheia de lições em tão longa existência.

Numa das polêmicas crônicas que Nelson Rodrigues escreveu à época do “poder jovem” na década de 60 - e o que vinha da rebeldia comportamental juvenil tinha-se como verdade absoluta – “meu conselho aos jovens é, envelheçam por favor”.

O Politicamente Correto, vindo dos laboratórios das finanças globais, arvora-se em sucedâneo das ideias surgidas na França dos anos 60.

A questão não é a ousadia da juventude essencial às grandes transformações, mas quem ainda não possui a experiência acumulada para discernir os caminhos viáveis das armadilhas inevitáveis.

Com o passar dos anos é possível enxergar, mais ou menos, uma coisa e outra, evitar equívocos repetidos ao longo dos tempos.

Existem povos, pela herança adquirida em milhares de anos, que possuem cultura acumulada, capacidade de julgamento aos desafios que a História lhes impõe. Onde é possível juntar a rebeldia dos jovens com a experiência adquirida em milênios.

É o caso do Vietnã, e seu líder histórico Ho Chi Minh, que derrotou três potências, França, Japão e Estados Unidos em apenas um século, conquistando a independência às custas de sacrifícios inenarráveis.

Quando em 2003 tive a oportunidade de conversar com o embaixador do Vietnã, líder guerrilheiro à época da libertação, falei que a minha geração tinha muita admiração pela nação vietnamita.

Ao que ele respondeu: nós é que admiramos os brasileiros que ao longo desses mesmos anos não precisaram travar tantas guerras brutais para libertar a sua pátria, ao custo de milhões de mortos. Não soube o que responder frente à desconcertante sabedoria.

O premiado escritor angolano José Eduardo Agualusa falou em entrevista que a crise no Brasil lembra Angola na guerra civil, logo depois da libertação colonial, quando a sociedade ficou totalmente dividida.

Mas Angola conquistou a independência em 1974 em plena Guerra Fria, já o Brasil em 1822. Um País industrializado com mais de 215 milhões de habitantes, uma sociedade bem mais complexa.

No Brasil de hoje, da pandemia do corona vírus e de Jair Bolsonaro, e em várias outras latitudes políticas e ideológicas, o que existe é desorientação generalizada, onde reinam os ditames do capital financeiro, tanto nos planos ideológico como econômico.

Aqui, estamos mesmo é sob uma Guerra Híbrida cujo objetivo é a fratura do nosso tecido social. E o que faz falta são rumos, visão de estadista e um projeto de nação soberana, economicamente desenvolvida e socialmente mais justa.