terça-feira, 30 de junho de 2020

A serventia




Com o Brasil caminhando para o número macabro de 60 mil mortos e milhões de infectados pelo corona vírus 19, e nessa batida podemos chegar, desgraçadamente, a 100 mil mortos, ou mais, e milhões de pessoas atingidas por esse vírus maldito, pergunta-se: qual o rumo para a nação?

Mas, parece que essa pergunta, que é fundamental e de enorme serventia para as grandes maiorias sociais, do Brasil real, não se encontra na ordem do dia em setores das elites, econômicas ou políticas, porque se discute de tudo, menos as grandes interrogações, ou angústias, do povo brasileiro.

Assistimos, diariamente, na grande mídia hegemônica a promoção diária, mais que diária, pode ser medida em termos de horas, de uma guerra identitária entre pautas aparentemente de “esquerda” versus os identitaristas de “direita” que, no momento, se encontram encastelados no governo federal, sob a batuta do presidente Bolsonaro.

Essa guerra ideológica, movida por tempestades de emoções, de ansiedades difusas, insuflada pelos noticiários dessa mídia hegemônica, e dos robôs nas redes sociais, vem alimentando a agenda política nacional, ad nauseam, motivando correntes de ativistas digitais.

Enquanto isso, o presidente Bolsonaro, insiste em ignorar a pandemia, e o seu ministro plenipotenciário, Paulo Guedes, continua com a sua política econômica neoliberal ortodoxa, que já não é aplicada em canto nenhum do mundo, uma relíquia chilena macabra do governo ditatorial de Pinochet, e, nessa catástrofe pandêmica, aí é que é impossível mesmo de ser aplicada.

Os segmentos lúcidos de oposição deveriam, com urgência, abordar as grandes questões que precisam de respostas para ontem; como o País vai lidar com esse terremoto provocado pela atual pandemia sanitária.

Como enfrentar a catástrofe social dela decorrente, associada aos indicadores sociais que já vinham se acumulando em anos anteriores.

Como recuperar a economia que afeta milhões de pequenos e médios empresários, os segmentos na área de serviços, restaurantes e bares.

Qual a estratégia econômica para enfrentar o tsunami dos dezenas de milhões de desempregados pela pandemia, que se acumulam com os milhões de desempregados anteriores a ela. Além de dezenas de milhões de informais, também desesperados.

Como soerguer o parque industrial, já bastante debilitado e defasado, mesmo antes da crise sanitária.

Mesmo que o governo Bolsonaro não esteja interessado nessas e outras graves questões, cabe, minimamente, à oposição abordar os problemas candentes que se não forem tratados, vão levar o País ao caos absoluto, total.

Seria entre, outras coisas, uma proposta, uma plataforma, mínima, para tirar o Brasil, e acima de tudo o povo brasileiro, dessa tragédia que vai se acumulando rapidamente como uma bola de neve. Nessa frente ampla, todos entrariam, a nação a abraçaria com vigor e entusiasmo.

É a tarefa maior dos amplos setores oposicionistas ao governo Bolsonaro. Se não for uma estratégia, uma tática, um projeto, um programa, uma plataforma política de emergência, que seja, pelo menos, por razões humanitárias.

Porque mesmo não sendo, hoje, governo, as oposições têm imensas responsabilidades para com o destino do País, em um horizonte próximo. Mais próximo do que se possa imaginar.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Os Estados Unidos e a guerra híbrida





“O espírito é como um paraquedas. Só funciona bem quando está aberto”

Após o final da Segunda Guerra mundial, emergiu o protagonismo dos Estados Unidos como potência global.

Paradoxalmente, a Grã-Bretanha que enfrentou sozinha, com a Europa ocupada, a fúria das armas nazistas, suas cidades bombardeadas diuturnamente pelos aviões alemães, acarretando a morte de dezenas de milhares de civis soterrados nos escombros dos edifícios, essa mesma Grã-Bretanha, que saiu vitoriosa do conflito mundial, perdeu as extensões territoriais do seu vasto império colonial, em decorrência das lutas pela independência anticoloniais que varreram o planeta.

A União Soviética foi outra potência mundial que saiu vitoriosa do terrível confronto da Segunda grande guerra mundial, com um saldo terrível de 25 milhões de mortos, o maior entre as demais nações em beligerância.

Mas a URSS não só venceu a batalha contra o nazifascismo, como manteve e ampliou o seu espaço territorial, expandindo-o aos limites da Europa ocidental com a divisão da Alemanha nazista derrotada.

Estava inaugurada a época da chamada Guerra Fria, que perdurou de 1945 até o início dos anos 90 com a extinção da União Soviética. Mas o protagonismo global da Rússia, centro geopolítico da ex-URSS, depois de um breve período de debacle, ressurgiu a partir da liderança de Putin com a recomposição do seu espaço histórico de séculos e séculos.

Essa bipolarização mundial, entre os Estados Unidos e a URSS, determinou a configuração global em todos os níveis: militar, geopolítico, cultural e ideológico. E as suas consequências deixaram rastros até os dias atuais.

Por muito tempo, as lutas políticas no planeta estiveram carregadas de conteúdos ideológicos que opunham essas duas grandes potências, que praticamente dividiam o mundo em duas partes.

Muitos golpes de Estado deram-se com a justificativa da “ameaça soviética”, e muitas lutas de libertação colonial tiveram o apoio geopolítico, quando não militar, da URSS.

Tratava-se, em última instância, de reforçar o protagonismo global, comercial, econômico, geopolítico, cultural, ideológico, de cada uma das duas gigantes super potências.

Quem melhor definiu o que foi essa época, que ocupou a metade do século XX, foi o presidente francês Charles De Gaulle, herói da luta contra o nazismo, ao afirmar: quem desejar saber exatamente o que é a Guerra Fria, precisa olhar com muita atenção quais são os interesses geopolíticos dos Estados Unidos e da URSS.

De Gaulle foi um dissidente da divisão do mundo em dois grandes campos. Sempre defendeu o protagonismo independente da França, em meio a uma época turbulenta e perigosa.



Renasce o Império do Meio

“Quando a China despertar, o mundo irá tremer” (frase atribuída a Napoleão)

Na geopolítica atual, os Estados Unidos foram o grande beneficiário. Produziu uma formidável indústria militar, cultural, ideológica, midiática, e de diversões, que propagou o estilo norte-americano de vida aos quatro ventos do mundo, como se ele fosse o único, ou mesmo universal.

A extinta União Soviética que em 1917 promoveu uma revolução social contra um sistema opressor, herdou e não se desfez do antigo espaço do velho império czarista de muitos séculos.

Ao contrário, manteve e o ampliou. Falta à Rússia, hoje sob a liderança de Putin, reaver um único território que sempre foi a sua área “natural” de influência: a Ucrânia.

Mas, em 1949 ressurge, sob novas condições Históricas, o milenar Império do Meio chinês, depois de altos e baixos, ascensões e declínios, e uma época de profundas humilhações colonialistas.

A China é um ator de primeira grandeza no cenário geopolítico desde, quase, sempre. Mesmo quando não o quis ser, e voltou-se para si mesma, em uma das suas dinastias.

E hoje, é considerada a segunda maior economia do planeta, em franca ascensão. O seu traço principal é a expansão comercial, através de múltiplas parcerias e trocas comerciais. O Brasil é, hoje, um dos seus principais exportadores agrícolas e de matérias primas, e importador de produtos industrializados chineses.

A tentativa europeia

Já a Europa, séculos atrás o centro do mundo ocidental, perdeu a liderança para a exuberância imperial norte-americana, apesar da sua extraordinária cultura, tesouros arquitetônicos, e busca, através da União Europeia, reconquistar o seu papel na arena internacional.

Mas, o velho continente, composto por antigos e ex-impérios, debate-se internamente em rivalidades mútuas e históricas, além do protagonismo industrial, econômico e financeiro da Alemanha, que se soergueu da derrota na Segunda Guerra mundial e almeja a liderança do continente nessa atual união federativa europeia.

Os Estados Unidos fraturados

“O mundo moderno... tem como principal objetivo simplificar o que quer que seja, destruindo quase tudo”. (G. K. Chesterton, escritor britânico)



Com o extraordinário crescimento econômico da China, que em algumas décadas deixou de ser uma grande nação de quase miseráveis, toda uma população de uniformes azuis, dirigindo bicicletas, e passou a ser a segunda potência global, a caminho acelerado para o pódio superior, a hegemonia unipolar dos EUA, após a debacle da URSS em 1990, desaparece.

Some-se a esse fato, o reaparecimento da Rússia, o grande urso, como sempre foi chamada, com seu enorme espaço de influência recuperado, e poderio atômico-militar, herdado da ex-União Soviética.

Assim, a liderança mundial dos Estados Unidos se encontra abalada. E internamente estão divididos, praticamente ao meio.

De um lado, há o projeto de uma parte das suas elites que aposta na estratégia do isolacionismo, e no “excepcionalismo” de uma nação voltada para guiar a humanidade tal e qual a sua imagem e semelhança.

E frente à crise financeira global, defendem a reagrupação da sua indústria em seu próprio território, como diz o slogan “América First’, primeiro a América. Essas lideranças estão, basicamente, ligadas ao presidente Trump, ao partido Republicano no poder.

De outro lado, encontram-se as elites no partido Democrata, que insistem em reassegurar a hegemonia dos Estados Unidos pelos caminhos da própria globalização financeira e, com ela, definir estratégias para reassegurar o protagonismo norte-americano como nação líder do planeta.

Tanto os Republicanos como os Democratas disputam essa batalha entre os corações, as mentes e os votos nas eleições presidenciais e proporcionais, em novembro próximo.

Nesse confronto político radicalizam-se as linhas ideológicas. Daí é que surgiram as agendas identitárias que se auto intitulam de “direita” e de “esquerda”, em negação radical uma da outra, como se isso fosse possível na construção histórica dos EUA.

Os Democratas perderam as eleições passadas porque teriam abandonado as grandes linhas de administração e de políticas que falavam para o conjunto da nação e assumiram a orientação multiculturalista de parcelas da sociedade que passaram a condenar as grandes maiorias sociais por injustiças às chamadas minorias.

Abandonaram a visão central da nação, do sentimento de solidariedade, do espírito de oportunidade para todos e o dever público, perdendo o sentido do que compartilham como cidadãos e do que os une como nação.

Nos anos 60, a política pelos Direitos Civis significava a batalha das grandes maiorias sociais, ombreadas e junto às lutas das mulheres pelos seus direitos, contra o racismo, pelos direitos das minorias sexuais etc.

Mas a partir dos anos 80, essa política cedeu lugar a uma pseudopolítica de autoestima e autodefinição, cada vez mais autocentrada, estreita e autoexcludente e, por óbvio, condenando as grandes maiorias sociais que não pertencem às especificidades “classificadas” como responsáveis pelas injustiças históricas.

Assim as agendas identitárias passaram a ser vistas como uma doutrina professada basicamente pelas elites urbanas “esclarecidas” sem contato com todo o resto da população. As agendas identitárias reduziriam o espírito nacional ao grupo, ao indivíduo.

Já os identitaristas de “direita” espalham mentiras, promovem teorias da conspiração, consideram que há “uma onda comunista” em qualquer lugar, contexto, filme, livro, peça de teatro, no mundo da política etc. etc. Um verdadeiro caldo tóxico que termina promovendo todos os tipos de delírios e alucinações possíveis e inimagináveis, que se estendeu também ao bolsonarismo no Brasil.

Esses parágrafos acima foram extraídos do livro “O progressista de ontem e o do amanhã”, do cientista político norte-americano Mark Lilla, escrito logo após as últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos.

Perto das próximas eleições presidenciais americanas, as agendas identitárias não apenas continuam, como recrudesceram e adquiriram novas formas mais radicalizadas.

As agendas identitárias se propõem, no momento, destruir toda a História existente até o presente, e reescrevê-la como uma espécie de tábua rasa, em uma folha de papel em branco.

Para tanto, iniciaram pela destruição de monumentos e estátuas que indicam personalidades, como Thomas Jefferson nos EUA e Winston Churchill que, ao lado de Stalin e do presidente Roosevelt, liderou a Grã-Bretanha, absolutamente sozinha na Europa, frente às hordas nazistas de Hitler, poderosamente militarizadas. Em Portugal, o identitarismo atingiu alvos como a estátua do padre Antônio Vieira, e no Brasil, do padre José de Anchieta. Por enquanto.

Essas manifestações identitárias se espalharam pelo mundo ocidental a partir do assassinato, racista, covarde e brutal, de George Floyd, nos Estados Unidos, e chegaram a várias capitais no Ocidente. Em plena pandemia do corona vírus que já ceifou a vida de centenas de milhares de pessoas no mundo e no Brasil, e infectou milhões de pessoas. A cinco meses das eleições nos EUA.

Elas indicam que vivemos uma Guerra Híbrida, uma nova “revolução colorida”, diversionista, como a que atingiu os povos árabes anos atrás, com objetivos econômicos e geopolíticos específicos: fazer assegurar aos Estados Unidos a hegemonia cultural, ideológica, junto ao mundo ocidental, na atual, estratégica disputa comercial e política sino-americana.

Tudo isso em meio ao caos sanitário, à onda gigantesca de desemprego pelo mundo, à queda brutal do PIB em escala global, que assumirá forma dramática.

Mas, revela, igualmente, que os Estados Unidos ainda são uma nação poderosa, com um forte aparato midiático hegemônico, com capacidade de ditar as pautas ideológicas e culturais, pelo menos em grande parte do mundo ocidental.

Está correto o embaixador Marcos Azambuja quando alerta para a atual e errática política externa do governo Bolsonaro: somos um País destinado a encontrar convergências com muitos, e não com poucos. Éramos naturalmente criadores de amplos consensos - e não parte de alianças sectárias. Usávamos a nosso favor as muitas dimensões da nossa identidade. Parecemos esquecidos de tudo isso.

Temo que o agravamento das tensões e disputas entre os Estados Unidos e a China crie condições que devem nos obrigar a navegar com cuidado em águas que ficarão perigosamente agitadas. Temos que cuidar dos nossos imensos interesses em jogo e agir com racionalidade e lucidez.

O falso detetive Charlie Chan famoso em filmes nas décadas de 1930-1940, dizia sempre o seguinte: o espírito é como um paraquedas. Só funciona bem quando está aberto.

Em meio a essa tormenta sanitária, social, ideológica, comercial, geopolítica, o Brasil precisa encontrar os seus objetivos com base na centralidade da questão nacional, em nossos interesses estratégicos fundamentais.

Não podemos ficar à mercê ou alinhados a essa disputa ideológica, de uma guerra híbrida, e sectária, das correntes identitárias de “esquerda” e de “direita”. Uma, desejando vandalizar estátuas e monumentos, “reescrever” a História a partir do zero, e negar as grandes figuras emblemáticas, que são referências da nossa formação como povo, de uma sociedade singular e mestiça que somos.

A outra, querendo nos alinhar a um falso, também sectário, excepcionalismo do “ destino manifesto” ,“divino”, da missão norte-americana no mundo, que não corresponde à verdade, e à própria História.

Ambas as vertentes em confronto não nos servem, não refletem a nossa realidade, interesses, formação histórica, a possibilidade de caminhos ao nosso protagonismo como nação, que construímos até agora, com virtudes e deformações, porque não existe no planeta, nações unicamente virtuosas.

Esse é o rumo a que precisamos dar sequência, honrando o nosso legado de um País continental e promissor, com imensas possibilidades ao seu futuro.

sábado, 20 de junho de 2020

O colapso de um sistema




Não é que tudo ia bem e a pandemia global do corona vírus 19 foi um agente biológico externo que desestabilizou uma ordem mundial que funcionava com razoável eficiência.

O edifício erguido pela globalização financeira já apresentava fadigas de material, anunciadas pelos economistas, políticos e sociólogos, há bastante tempo.

Em primeiro lugar, porque seria impossível manter por tempo indeterminado uma acumulação financeira de centenas de trilhões de dólares, em mãos do capital especulativo parasitário, absolutamente predador, desvinculado dos investimentos nos setores produtivos das nações, que geram as riquezas materiais e impulsionam o desenvolvimento real das sociedades.

A alternativa, fartamente “vendida” como panaceia geral, em substituição à ausência da geração de riquezas materiais, foi, e tem sido, o inchaço fenomenal do setor de serviços, que formaria uma nova sociedade, uma nova classe média, um novo tipo de civilização altamente urbanizada e cosmopolita.

Como já se disse, através da neurociência, a propaganda produz o pensamento, o pensamento conduz aos sentimentos e o sentimento gera a crença. E essa “crença” foi difundida amplamente pelos meios de comunicação globais, as redes sociais, as chamadas “infovias”, sob a hegemonia do mesmo capital especulativo rentista.

Ao ponto que muitos passaram a acreditar que não existe um pensamento hegemônico, nem a mídia hegemônica. Seriam as redes sociais o revolucionário espaço de intercomunicação de uma sociedade mundial, mais democrática que jamais existiu, onde prevalece o protagonismo do indivíduo autocentrado, se comunicando com outros indivíduos, igualmente autocentrados.

Assim, foi constituída uma nova “crença”, uma nova maneira de enxergar o presente, onde já não mais se tratava de se envidar esforços coletivos em prol de uma sociedade próxima de uma cidadania mais igual, socialmente mais justa.

Inaugurava-se a paradoxal sociedade individual, a sociedade do “eu”, da internalização do indivíduo. Para esse objetivo, surgem, bastante municiadas financeiramente, as agendas identitárias, carregadas de toda uma justificativa pretensamente teórica, e de formadores de opinião, “líderes globais” que, aparentemente, surgem “das nuvens”, através das redes sociais.

Apesar dos alertas de Edward Snowden e Julian Assange, de que as redes sociais, o mundo digital, são uma poderosa cadeia de instrumentalização hegemônica, política, espionagem geopolítica, disputa empresarial e robôs direcionando a informação, e a opinião pública, mesmo assim, permanece a “crença” de um admirável mundo novo, onde o que é fundamental são as tratativas dos indivíduos e dos seus grupos afins.


O ressurgimento do protagonismo soberano

A sisuda e conservadora revista inglesa The Economist, voltada para o mundo das finanças, já alertava, em maio, ao seu público privilegiado, para a debacle do modelo econômico da Nova Ordem mundial, instituída pelo capital financeiro, especialmente o especulativo, com a seguinte manchete: Adeus Globalização.

No período anterior à pandemia, a economia global patinava em crescimento pífio, notadamente a partir da crise econômica mundial em 2008, iniciada nos Estados Unidos. Os índices de crescimento dos Países sempre apontavam para números, na média, entre um a dois por cento, no máximo, quando não negativos.

A divisão internacional da produção de riquezas não só debilitou como aumentou a dependência das nações a essa internacionalização das cadeias produtivas. Ao ponto que durante a pandemia atual, nações europeias não tinham ventiladores para os seus hospitais, como tiveram que importar máscaras para os seus cidadãos. Algo impensável em outras épocas.

Essa divisão internacional do trabalho simplesmente esfarelou as cadeias industriais da grande maioria das nações do mundo desenvolvido ou em desenvolvimento.

Mesmo na área agrícola, os agricultores europeus viram-se forçados a alguma divisão, reduzindo a autonomia alimentar da população, assim como a capacidade de exportação de muitos Países.

Porém, não é recente a opinião, no “velho mundo”, de que a comunidade europeia caminha para uma espécie de “germanização”, tendo em vista a força da indústria, complexa em ciência e tecnologia, e o poder concentrado do capital financeiro da Alemanha.

A explosão das grandes cidades, no período mais recente, deve-se ao crescimento descomunal do setor de serviços, tanto como ao desmantelamento da produção agrícola, em muitas nações.

Para uma população “anestesiada” pelo discurso da globalização, a democracia virou sinônimo, quase que exclusivo, de um consumismo desenfreado - refiro-me às elites e setores da classe média - de produtos cujas inúmeras cadeias de serviço disputam, entre elas, esses consumidores, avidamente.

A produção de filmes, séries etc., segue, quase, a mesma linha desse mesmo consumismo, retroalimentando-o.

Trata-se de um círculo contínuo e alienante. A cidadania e o respeito ao seu próprio País tornou-se uma ideia pejorativa, para ser afastada a todo custo.

O futebol, esporte das multidões, pela sua capacidade lúdica e apaixonante, transformou-se, quase, simplesmente, em um espetáculo bilionário e global, enquanto o carinho pelas cores das seleções de cada nação virou algo secundário, muitas vezes confundido como uma espécie de “patriotada”. Com o beneplácito de muitos cronistas esportivos.

Uma realidade perversa

A pandemia sanitária global foi como uma fórmula de reagente químico sobre a realidade já perversa. Aliás, um dia será escrito como essa epidemia transformou-se em uma pandemia, com tantos recursos tecnológicos e de saúde, sofisticados, a serviço da globalização financeira, para evitar essa catástrofe monumental.

Enquanto crescia uma classe média empregada no setor de serviços, a desindustrialização em cada País provocava uma massa formidável de desempregados formais, que se juntava a uma legião bem maior de subempregados.

O anúncio do Banco Mundial, de que a retração do PIB global será de 5,2% com a pandemia, além de ser otimista com a realidade, esconde a crise antes do corona vírus.

A queda do PIB europeu, anunciada pela Comissão da União Europeia, está prevista para 7,5% este ano. Que devem ser somados ao quadro econômico anterior à crise sanitária.

O FMI prevê uma retração econômica de 5,9% para os Estados Unidos com a pandemia. Mas se sabe do seu pífio crescimento econômico antes da tragédia sanitária.

A China, que ao contrário das orientações da globalização financeira em promover a divisão internacional da produção, resolveu fazer o oposto, produzir de tudo e qualquer coisa mais, e importar matérias primas, alimentos, para o seu gigante parque produtivo e população gigantesca. Quer dizer, a China está fazendo o jogo dela, os outros é que abdicaram de seus papeis estratégicos.

Ao ponto em que no começo da pandemia ela se transformou na, quase, única exportadora de ventiladores hospitalares e, incrível, até de máscaras, para o planeta.

O Brasil tem uma previsão de queda do PIB na base de 7,4% neste ano. O desemprego no País tem uma previsão, feita em abril, de crescimento dos 11,9 % em 2019, para 14,7% em 2020. Em suma, são dezenas de milhões de desempregados no setor formal, somados a outras dezenas de milhões na informalidade.

O único setor que cresceu foi a agricultura, seja em alta escala como de médios e pequenos produtores, mesmo com a pandemia. Em resumo, é a agricultura que vem sustentando o País.


Um mundo em transição

Não é de admirar que as nações estejam se rebelando contra a divisão internacional das cadeias produtivas da globalização, muito menos que a insatisfação social comece a atingir altas temperaturas em dimensão mundial. Ou seja, a centralidade da questão nacional adquire nova dimensão em escala global.

Quer dizer, os Países começam a se voltar para a ideia da recomposição completa das suas cadeias produtivas internas, na medida das suas potencialidades e recursos. E aqueles que não o fizerem, podem entrar em um novo ciclo histórico de subcolonização internacional Com as consequências da atual pandemia, associadas ao ciclo estagnado da Nova Ordem mundial, o que poderemos assistir é um período de caos social, profunda crise econômica, e intensa luta, com variados confrontos políticos.

No Brasil, o governo Bolsonaro, intolerante, reacionário, visivelmente esgotado, refém da sua própria narrativa de uma política neoliberal ortodoxa, do ministro Paulo Guedes, chega a um impasse político.

Assim como se encontra na contramão aos rumos de um novo projeto nacional de desenvolvimento estratégico, nestes novos tempos de uma encruzilhada Histórica.

Precisamos encontrar o nosso destino, democrático, com base nessa nova realidade global multilateral em transição, que vai se formando.

Porque somos uma nação com enorme manancial de riquezas, dimensões continentais, capacidade industrial e agrícola, potencial tecnológico, um grande mercado interno e imensa capacidade exportadora. Falta-nos o projeto estratégico, o rumo político. O que, evidentemente, é o que define tudo.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

O progressista de ontem e o do amanhã


Frente ao processo de radicalização política, no auge da pandemia do corona vírus 19, das pautas racialistas, das ofensivas contra estátuas e monumentos históricos, por exemplo, como Tiradentes, Padre Antônio Vieira e Winston Churchill, que liderou a Grã-Bretanha contra o nazismo hitlerista na Segunda Guerra mundial, ao lado de Stalin, do presidente Roosevelt, republico a minha resenha do livro do cientista político norte-americano Mark Lilla, publicada no Portal Bonifácio, um ano atrás. Pela simples razão que ele continua mais atual que nunca. Boa leitura.


Lutas identitárias trocam projeto político geral por evangelização de grupos

Eduardo Bomfim - 18/06/2019

Ao se ler o livro O progressista de ontem e o do amanhã do cientista político Mark Lilla, escrito após a vitória de Donald Trump, tem-se a certeza de que os seus argumentos e análises referem-se igualmente ao recente processo eleitoral realizado no Brasil, quase que literalmente.

Assim é que por aqui também parece existir a polarização entre os partidos Democrata e Republicano dos Estados Unidos, especialmente o confronto das políticas identitárias fomentadas desde os anos 80, sob a hegemonia do clã dos Clintons, apoiadas pelas estratégias dos grandes especuladores financeiros do tipo George Soros e outros, versus uma outra casta de financistas aliada ao presidente Trump.

Os democratas norte-americanos, afirma Mark Lilla, teriam abandonado as grandes linhas de administração e políticas que falavam para o conjunto da nação e assumiram a orientação multiculturalista de parcelas da sociedade, que passaram a condenar as grandes maiorias sociais por injustiças cometidas às chamadas minorias.

Abandonaram “a ideia e a visão central da nação, do sentimento de solidariedade, do espírito de oportunidade para todos e do dever público, perdendo o sentido do que compartilhamos como cidadãos e do que nos une como nação”, afirma Lilla.

Nos anos 60, prossegue, a luta pelos Direitos Civis significava a batalha de grandes grupos de pessoas em defesa dos direitos das mulheres, contra o racismo, pelo reconhecimento efetivo das minorias, que tinha a simpatia e adesão entusiasmada das grandes maiorias sociais.

Mas nos anos 80, continua o cientista político norte-americano, essa política cedeu lugar a uma pseudopolítica de autoestima e de autodefinição cada vez mais estreita, autocentrada e excludente, promovendo sucessivas fragmentações internas, visões tribais, e, por óbvio, a condenação das grandes maiorias que não pertenciam às especificidades classificadas, que seriam responsáveis pelas alegadas injustiças históricas, fazendo voltar-se a juventude para a própria interioridade e praticamente condenando o mundo exterior não pertencente aos grupos identitários.

Assim, o identitarismo passou a ser visto pelas maiorias sociais como uma doutrina professada basicamente por determinados setores das elites urbanas instruídas, sem contato com o resto do país, cujos esforços se resumem em zelar e alimentar movimentos hipersensíveis, que dissipam, em vez de concentrar, as energias da sociedade como um todo.

O identitarismo, ao contrário de negar as agendas do neoliberalismo radical, reforça-o, afirma Lilla, porque reduz o espírito da comunidade nacional ao indivíduo, ao grupo. Em consequência, o identitarismo deixou de ser um projeto político relevante e se metamorfoseou num programa de evangelização.

Espertamente, Donald Trump tirou proveito da crise estrutural, da desindustrialização que vivem os EUA e pôs a culpa nos democratas, sob a orientação do estrategista e marqueteiro Steve Bannon. O mesmo que atuou nas eleições no Brasil.

As políticas identitárias atuais dos democratas e o discurso demagógico, chauvinista da ala direita republicana de Donald Trump representam um dos tempos mais medíocres da história dos Estados Unidos.

De tal forma é a influência dessas duas correntes em disputa nos EUA, aqui no Brasil, que jornalistas e analistas afirmam que os blogs, portais, a grande mídia e o mundo da política nativa encontram-se cada vez mais alinhados e semelhantes à linha dos democratas e republicanos norte-americanos.

Exatamente nas coisas eivadas de uma carga ideologizada fora da realidade, que serve a interesses que promovem a desunião do povo brasileiro tais como uma antropologia binária, que não é a nossa formação histórica policrômica, mestiça, a nossa visão de um Estado laico, a tradição do culto de sincretismos religiosos tradicionais celebrados em muitas manifestações populares como as afro-católicas, por exemplo.

Assim como o alinhamento a um neoliberalismo extremado da Escola de Chicago que já não é praticado nem nos EUA, onde se pauta a independência do Banco Central, mas não o dos EUA, eufemismo para doação do nosso BC às finanças globais, uma reforma da Previdência Social que privilegia o sistema financeiro, penaliza a classe média e os pobres, privatização de empresas estatais estratégicas, etc., etc.

A política externa é alinhada, com as tintas de religiosidade puritana, à visão supremacista do governo Trump.

Desvia-se da tradição multilateralista do Itamaraty na mediação diplomática e dos nossos objetivos nacionais, abrindo mão da liderança regional hemisférica, cujas consequências têm sido a crescente presença geomilitar da Rússia, a comercial da China, na região perigosamente conflituosa como a Venezuela.

Resultado do vácuo que vai sendo deixado pela ausência de uma diplomacia estratégica eficiente, mediadora e propositiva.

Essas potências estão jogando o jogo delas, o Brasil é que está abrindo mão do seu papel histórico.

Já setores de “esquerda” insistem nesse discurso identitário, que a levou a uma derrota eleitoral “acachapante” e plebiscitária, cuja matriz é patrocinada por megaespeculadores como George Soros e ONGs que atuam no mundo visando desestabilizar, fraturar os povos.

É surreal a existência de 800 mil ONGs atuando alegremente no País, muitas delas contrárias à nossa soberania, desenvolvimento econômico, associadas a países que sabotam o nosso protagonismo internacional.

São pertinentes várias observações feitas por Mark Lilla. E diante desse caldo tóxico de ódios, intolerâncias mil, “guerras ideológicas”, da pós-verdade onde o que menos vale é a análise concreta da realidade concreta, a racionalidade, é aconselhável ficar com os princípios indeclináveis em defesa da nação, do espírito progressista, das liberdades democráticas.

terça-feira, 16 de junho de 2020

A união do povo brasileiro



A Guerra Híbrida contra o Brasil.

A propaganda produz o pensamento. O pensamento conduz ao sentimento. O sentimento gera a crença.

Essas são deduções comprovadas pela neurociência. Essa constatação serve à promoção de bons sentimentos, laicos ou religiosos.

Mas também tem sido útil a propósitos malignos, danosos, como a Guerra Híbrida não convencional, as “revoluções coloridas”, contra outras nações. Como tem sido contra o Brasil atualmente, fomentando tempestades ideológicas, para buscar dividir e lançar em confrontos parcelas da sociedade, umas contra as outras, em meio a uma pandemia sanitária que tem vitimado dezenas de milhares de brasileiros.

Exatamente quando, ao lado dessa pandemia terrível, está acontecendo uma crise econômica gigantesca, e uma tragédia social sem precedentes nos últimos cem anos, que irá se agravar enormemente.

Ainda mais com o governo do presidente Bolsonaro, absolutamente contrário às recomendações mínimas da ciência médica e às experiências sanitárias consagradas há quase um século. E sendo, também, um dos polos promotores dessa guerra ideológica, base da Guerra Híbrida contra o Brasil.

Para defender a nação nesse quadro dramático, só há um caminho: a união do povo brasileiro em defesa do que é fundamental: a luta pela vida e a saúde nessa pandemia, o soerguimento da cadeia econômica produtiva destroçada. A defesa do trabalho e do emprego, em condições caóticas. E a defesa da democracia e da Constituição, constantemente ameaçadas.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

A tempestade perfeita




A pandemia do corona vírus 19 vai abalar os alicerces das estruturas econômicas globais, e também do Brasil, que já estavam em crise e bastante debilitadas desde a debacle financeira mundial em 2008, iniciada nos Estados Unidos.

As distâncias entre o mundo das elites financeiras e o resto das sociedades estão aumentando meteoricamente em meio às consequências da pandemia sanitária.

Assim como crescem as distâncias entre uma parcela da classe média e a grande maioria das sociedades, que já viviam em situação de vida extremamente precária.

Somadas às condições anteriores da, quase, estagnação dos indicadores de crescimento econômico, com o impacto provocado pela atual crise sanitária, vamos assistir a um empobrecimento rápido de muitas parcelas dos segmentos médios, além de uma catástrofe social de proporções gigantescas junto às grandes maiorias sociais do mundo, e do povo brasileiro.

Se fizéssemos uma analogia desse cenário com um desastre natural, poderíamos compará-lo, sem nenhuma caricatura, a um terremoto de grande magnitude, seguido de incêndio, sequenciado por um tsunami de ondas enormes.

As sociedades estão hipnotizadas pelas narrativas da grande mídia tradicional, que simplesmente não se debruça, propositalmente, sobre o conjunto desses graves fenômenos simultâneos em curso.

Fechada em casa, pelo necessário isolamento social, parte dos setores progressistas, dos segmentos médios, vive em um mundo paralelo fantasioso, erguido durante anos, de agendas políticas identitárias, mas que não sinalizam, nem de longe, para o caos, a tragédia econômica, social que os atingirá com um impacto imenso.

Estamos em vias de conviver, em termos econômicos, com um gigantesco passo atrás, jamais acontecido nos últimos cem anos.

Por isso, as narrativas da grande mídia hegemônica tradicional, associada às injunções culturais do grande capital financeiro, produziram em parcelas esclarecidas dos setores de classe média enormes efeitos anestesiantes.

Enquanto vão se formando as condições para uma tempestade perfeita, a sociedade, os diversos segmentos políticos, encontram-se alheios e ausentes de “uma análise crítica a longo prazo”.

Porque grande parte desses setores políticos incorporaram, de um jeito ou de outro, as agendas ultra liberais da globalização financeira, nas linhas econômicas a serem traçadas para o Brasil, como os neoliberais no governo Bolsonaro, do ministro Paulo Guedes.

Mas também setores políticos de oposição, como nas áreas da chamada “nova esquerda”, que adotaram a agenda cultural do liberalismo financeiro associado a compensações de políticas sociais, com as mesmas políticas econômicas.


Diante da tempestade perfeita, que se forma rapidamente, a comparação que pode ser feita é semelhante ao famoso “último baile da Ilha Fiscal”, em 9 de novembro de 1899, no Rio de janeiro, às vésperas da queda do Império no Brasil.

Sem uma visão crítica de longo prazo, em meio a um quadro econômico, social e político apocalíptico em formação, sem a união de amplas forças no País, em torno de um projeto estratégico de desenvolvimento nacional, que considere esse novo cenário dramático em curso, o Brasil corre sério risco de ver regredir o seu protagonismo econômico, em um século.

Cabe-nos somar forças em defesa do País e do povo brasileiro. Na crise, também surgem as grandes oportunidades. Mas isso depende do nosso esforço conjunto, empenho e determinação. Não há uma terceira alternativa.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Tempos dramáticos




Com a pandemia do corona vírus, que provocou uma crise sanitária inigualável nos últimos 80 anos, com milhões de infectados e centenas de milhares de falecidos, as cadeias da ordem mundial interconectadas entraram em colapso, apesar do crescente, e estratosférico, lucro do capital financeiro especulativo e parasitário.

Mas o colapso sistêmico não implica a morte da globalização financeira, muito menos o poder gigantesco da sua hegemonia, que deu um salto fantástico a partir da crise mundial em 2008, iniciada nos Estados Unidos.

Os mega especuladores globais continuam ditando as agendas financeiras, políticas, midiáticas, culturais, em escala planetária, à exceção do protagonismo soberano de Estado de algumas potências mundiais, que a exercem seja através da magnitude da sua economia, como a China, ou pelas vias do poder militar, como a Rússia, herdado da extinta União Soviética.

Vejamos a escala do poder, e magnitude, da Governança Mundial exercida antes da pandemia do corona vírus, sob a égide do capital financeiro especulativo em dimensão internacional.

O mundo já vivia uma época de rupturas que se acentuaram rapidamente nos últimos anos. O vácuo político, a desorientação generalizada, o conformismo ao status quo da globalização das finanças e suas diretivas, eclipsaram muitas forças políticas importantes nas sociedades.

E permitiram a ascensão ao comando dos governos centrais, de grupos políticos de inspirações autoritárias, com inclinações fascistas, como é o caso do presidente Bolsonaro no Brasil.

A História nos ensina que em épocas de brutal exploração dos povos e nações, o capital financeiro rentista se utiliza sempre de soluções e grandes ameaças à democracia, de rupturas do pacto democrático, como tem sido recorrente com Bolsonaro.


Seria uma grande ingenuidade achar que, além da abolia crônica do mundo político, sem alternativas à crise econômica, social, civilizacional que se abateu sobre o nosso País, a eleição do presidente Bolsonaro não contou com o apoio decisivo de uma parcela do mundo das finanças especulativas global.

O esgotado governo do atual presidente, seja na esfera política, seja no campo das agendas neoliberais ortodoxas, não tem conseguido, como pretendia, impor com pleno êxito, a estratégia radicalizada da precarização das condições de vida dos assalariados, o desmonte do Estado nacional, do parque produtivo estatal e privado, a total alienação das suas imensas riquezas naturais, como por exemplo a Amazônia brasileira. Inclusive, pela pandemia do corona vírus.

Daí a sua insistência em negar a gravidade da crise sanitária e combater as políticas de isolamento social, a única eficaz em pandemias quando ainda não há vacina. Não se trata de pura estupidez, mas a pressa em por em prática a sua agenda para a qual foi escolhido.

A grande mídia global, associada ao projeto do capital especulativo, já percebeu, recentemente, a inviabilidade da gestão Bolsonaro pelo radicalismo, ameaças golpistas, falta de trânsito político, incapacidade de lidar com a agenda neoliberal ortodoxa extremada, o seu isolamento político.

O plano B

Nessa situação em curso, de esgotamento do “projeto Bolsonaro”, das ambições do capital financeiro, que seria uma blitzkrieg, uma operação relâmpago demolidora contra o Brasil, povo, patrimônio e riquezas naturais, articula-se, com certa ligeireza, uma alternativa de poder, com a colaboração da grande mídia global.

O brutal assassinato de Floyd, um homem negro desempregado nos Estados Unidos, gerou indignação e a justa revolta não só nos EUA mas em todo o mundo.

E tem sido com intensidade a cobertura da grande mídia do assunto no Brasil, por mais de sete dias, com horas seguidas, ao vivo, através da mídia hegemônica, via satélite, como agenda central, quase única, pondo em segundo plano a terrível pandemia no Brasil, a crise política e os nossos abismos sociais.

Assim, começou a ficar evidente, para muita gente, que havia algo no ar além dos aviões de carreira, que aliás, se encontram, em sua maioria, no solo, em virtude da pandemia.

O estúpido, covarde e criminoso assassinato de Floyd mereceu o repúdio, indignação de todos os democratas aqui e no mundo.

Lá nos EUA o assassinato do cidadão Floyd foi o estopim contra a brutal crise social, econômica, generalizada, que toma conta do cidadão comum norte-americano, agravada pela pandemia.

Trata-se do racismo violento enquistado nos EUA. Além da insubordinação, a revolta das maiorias nos EUA contra a tragédia que vive o povo norte- americano, em virtude de uma política da globalização financeira que destruiu as estruturas da classe trabalhadora e da classe média, em sua maioria, endividadas ou desempregadas. Isso a grande mídia esconde, não deve por em cheque o sistema de que ela mesmo faz parte.


Aqui no Brasil, como na Europa, também existe a mesma tragédia social, agravada na pandemia, centenas de milhões de pessoas desesperadas, desempregadas, sem teto, trabalho.

Estima-se que teremos 300 milhões de desempregados no mundo após a pandemia, que se juntam às outras dezenas de milhões anteriores à crise sanitária.

Antes da pandemia, que multiplicou, como um reagente catalizador, as nocivas políticas da globalização financeira em todo o mundo e no Brasil, os mega especuladores financeiros, através da grande mídia global, que é a Boca do sistema, empregavam uma agenda social, as pautas indentitárias, na maioria, auto justificáveis.

Mas, cujo objetivo sempre foi a fragmentação da sociedade em movimentos compartimentados, de tribos cosmopolitas, em reinvindicações em torno das suas especificidades de gênero, raça, etc. etc. Muitas culpam as grandes maiorias sociais quanto às suas reinvindicações.

É, como muito se ouvia, cada um na sua caixinha, no seu quadrado. Mas não na participação dos destinos comuns a todos, que implica nas transformações urgentes de uma sociedade profundamente desigual, violenta e excludente.

Em saúde, educação, habitação, segurança pública, emprego, mobilidade social, um País voltado para o Brasil oficial, as elites e parcelas da classe média alta, e de costas para o Brasil real, mais de 180 milhões de brasileiros.

Unidos venceremos, deixou de ser uma máxima Histórica dos povos, e, em alguns círculos, até um slogan condenado.

Com a subjetividade da visão de grupos identitários, sucederam-se ao longo dos últimos tempos uma série de derrotas políticas e eleitorais previsíveis, incluindo para o bolsonarismo, com sua agenda reacionária, preconceituosa, medieval, anticientífica e antinacional.

Mas enfim, o que está em curso no Brasil, nessas últimas semanas, em paralelo às coberturas da mídia às justas revoltas contra a morte do cidadão Floyd, é a articulação de um movimento que possibilite assegurar as políticas neoliberais ortodoxas do ministro Paulo Guedes, do capital financeiro, possivelmente, sem o presidente Bolsonaro. Ou do próprio ministro Guedes.

Talvez, através de alguém mais refinado, com punhos de renda, porém com firmeza na direção dos negócios da agenda econômica que Bolsonaro não conseguiu dar cabo da sua execução. Vivemos tempos muito estranhos, tempos dramáticos.

terça-feira, 2 de junho de 2020

A morte do mestiço brasileiro e a morte do negro norte-americano



Artigo de Aldo Rebelo, publicado no Bonifácio.

Manifestação EUA – A morte de George Floyd pela polícia desencadeou protestos nos Estados Unidos e no mundo.

Uma onda de indignação percorreu os Estados Unidos e espalhou-se pelo Brasil em protesto pelo assassínio de um homem negro, George Floyd, em uma abordagem policial no estado de Minnesota. Floyd foi brutalmente morto por policiais diante de várias testemunhas, e é natural a indignação do mundo contra mais um crime no seio de uma sociedade marcada historicamente pelo racismo.

Lincoln, o presidente humanista, que acabou com a escravidão, achava que não havia lugar para os negros nos Estados Unidos e que eles deveriam aproveitar a liberdade e encaminhar o retorno para a África.

Nos Estados Unidos o abismo que separa as raças não excluiu sequer o humanista Abraham Lincoln, presidente que conduziu o país na Guerra Civil que aboliu a escravidão, mas que achava que os negros não tinham lugar na América branca, e que teriam que aproveitar a liberdade e empreender a jornada de retorno à África.

Aqui no Brasil a morte de Floyd alcançou ampla repercussão na mídia tradicional e entre os chamados movimentos sociais. O que espanta é que tal indignação não ocorra quando milhares de jovens mestiços brasileiros são vítimas da escalada da violência diante do silêncio constrangedor e cúmplice da mesma mídia e dos movimentos sociais tidos como progressistas.

Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos produziram a literatura com os mestiços de Canudos, os jagunços de Minas Gerais e os sertanejos de Alagoas.

Uma ligeira busca na internet é suficiente para comprovar que antes de ser morto nas ruas do País, o mestiço brasileiro já está morto nas estatísticas, nas notícias da imprensa e nas manifestações das redes sociais das correntes identificadas com as lutas libertárias.

O morticínio dos mestiços não desperta uma nota de pé de página da nossa mídia tradicional e nem uma singela manifestação de pesar ou um lamento dos grupos sociais progressistas. Aliás, a palavra mestiço foi banida da narrativa dos meios de comunicação e das organizações pretensamente avançadas da sociedade.

Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre elevaram a ciência social no Brasil, denunciaram as teorias racialistas e exaltaram a mestiçagem.

Precocemente, o mestiço tornou-se arcaísmo banido do discurso contemporâneo e legado à literatura de um Guimarães Rosa com seus jagunços, de um Graciliano Ramos com seus sertanejos, ou à pintura de Portinari, com seus trabalhadores do café e Di Cavalcanti com suas mulatas.

Esquecemos a mestiçagem de nossa psicologia herdada de nossas avós remotas, índias e negras, da nossa música, culinária, e do nosso português moldado no sotaque negro e no vocabulário pleno de expressões do Tupi para nossa fauna, flora e geografia.

Abandonamos tudo isso para importar o modelo de sociedade biracial dos Estados Unidos. Não temos mais mestiços. Somos pretos ou brancos. Adotamos a regra de uma gota de sangue (One-drop-rule), base da classificação racial dos Estados Unidos, pela qual bastava um único ancestral de ascendência africana, ou uma gota de sangue para alguém ser considerado negro. Era o princípio que, segundo os supremacistas brancos, garantiria a “pureza” da raça branca.

O Brasil importou a doutrina da gota de sangue dos supremacistas brancos, que produziu a segregação racial e a klu klux klan.

A questão é que no Brasil a negação da mestiçagem fere mortalmente a identidade nacional brasileira e a imagem que projetamos das nossas origens, obrigando-nos a reinventar uma interpretação para nosso processo civilizatório que não existe fora do encontro do europeu, do índio e do negro desde o nascimento dos primeiros mamelucos.

Os mestiços brasileiros, vítimas do genocídio sociológico, estatístico, jornalístico e político. Na foto, cena antiga de torcedores no Maracanã.

Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro e Euclides da Cunha viram no mestiço a essência da brasilidade, sem exclusão das minorias brancas e negras na formação da nacionalidade. Ao cunhar a expressão mestiço é que é bom, Darcy Ribeiro não menosprezava as qualidades de outros formadores étnicos da população nacional, mas, ao contrário, exaltava as virtudes de todos eles concentradas no mestiço.

O genocídio sociológico, estatístico, jornalístico e político do mestiço brasileiro não pode ser o preço a ser pago para o justo e necessário protesto pela morte brutal de negros brasileiros ou norte-americanos.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

A falência total do sistema dará origem a uma nova economia



Trecho da matéria do jornalista brasileiro Pepe Escobar, jornalista e correspondente de várias publicações internacionais.


Por Pepe Escobar especial para o Asia Times

Ninguém, em lugar algum, poderia ter previsto o que estamos testemunhando agora: em apenas algumas semanas o colapso acumulado das cadeias de suprimento globais, da demanda agregada, do consumo, investimento, exportações, mobilidade.

Ninguém aposta mais em uma recuperação em forma de L – para não dizer uma recuperação em V. Qualquer projeção do Produto Interno Bruto (PIB) global em 2020 entra no território incerto da “queda de um penhasco”.

Nas economias industrializadas, em que cerca de 70% da força de trabalho está nos serviços, inúmeras empresas de diversas indústrias entrarão em um colapso financeiro que eclipsará a Grande Depressão.

Isso abrange todo o espectro de possivelmente 47 milhões de trabalhadores dos EUA em breve demitidos – com a taxa de desemprego disparando a 32% – até a advertência da Oxfam de que, no momento em que a pandemia passar, mais da metade da população mundial de 7,8 bilhões de pessoas poderia estar vivendo na pobreza.

De acordo com o cenário mais otimista de 2020 da Organização Mundial do Comércio (OMC) – certamente desatualizado antes do final da primavera – o comércio global afundaria em 13%. Um cenário mais realista e sombrio da OMC vê o comércio global mergulhar 32%.

O que estamos testemunhando não é apenas um curto-circuito maciço da globalização: é um choque cerebral estendido a três bilhões de pessoas hiperconectadas e simultaneamente confinadas. Seus corpos podem estar bloqueados, mas são seres eletromagnéticos e seus cérebros continuam trabalhando – com possíveis consequências políticas e outras imprevisíveis.

Em breve estaremos enfrentando três grandes debates interligados: o gerenciamento (em muitos casos horrorosos) da crise; a busca de modelos futuros; e a reconfiguração do sistema mundial.

Para ler mais: http://www.orientemidia.org/pepe-escobar-a-falencia-total-do-sistema-dara-origem-a-uma-nova-economia/

Um grande acontecimento




Em meio à pandemia do corona vírus 19, à crise econômica, à debacle das agendas do capital financeiro, que mergulharam centenas de milhões de assalariados, empresas e nações na maior catástrofe dos últimos oitenta anos, agravadas pela crise sanitária com dezenas de milhares de mortos, por enquanto, incentivada no Brasil pelo governo Bolsonaro ao se contrapor aos governadores, prefeitos, na defesa do isolamento social, a ofensiva de forças de inspiração fascista parecia absoluta.

Mas com a crise sanitária, o terremoto social e econômico que começa a mostrar sinais dramáticos, os segmentos alinhados ao Mercado financeiro, que auferem lucros fabulosos mesmo em tempos de covid 19, percebendo o esgotamento do governo federal, procuram, com a ligeireza que impõem os fatos, uma alternativa política sem o presidente Bolsonaro, porém mantendo as orientações neoliberais ortodoxas, entreguistas, antinacionais, contra a sociedade brasileira.

Para isso conta com o apoio da grande mídia “global” hegemônica, associada ao mesmo capital financeiro predador. Com o objetivo de entregar os anéis para ficar com os dedos, ou seja, continuar o butim contra uma grande nação, dilapidada, sofrida e ameaçada.

No entanto, existem os momentos estelares, singulares, na História. Aqueles que indicam uma viragem decisiva nos acontecimentos, como disse o grande escritor austríaco Stefan Zweig, que se exilou em Petrópolis, escapando das hordas nazistas durante a ascensão de Hitler.

O que se notava era a perplexidade da grande maioria da sociedade, atônita, frente à crise estrutural multilateral: econômica, social, política e, agora, sanitária, que se abate sobre o País.

Mas, eis que surge em São Paulo, e em vários lugares do País, esse tal momento singular que tanto narrou Stefan Zweig: a cara do povo nas ruas, através das torcidas de futebol, organizadas em defesa da democracia, contra o autoritarismo, as ameaças fascistas. Com a marca registrada de uma grande união social. Esse é o ponto principal.

Que elas sejam inspiradoras a todas as forças políticas que defendem a plena democracia, combatem a escalada autoritária de tipo fascista, propugnam pela retomada do desenvolvimento, sob as bases dos reais interesses do povo brasileiro e da nação, em um período dramático da nossa História.