Meu novo artigo:
Antônio Risério, talvez um dos principais antropólogos brasileiros vivos, disse em entrevista que uma autocrítica, coletiva ou individual, é um processo lento, às vezes depressivo, sobretudo muito doloroso, até quando as coisas ficam claras e passamos a compreender os acontecimentos ocorridos e aí tomar novos rumos.
As recentes eleições presidenciais no Brasil foram um desses fenômenos que provocaram uma catarse de ódios e fúrias poucas vezes já vista em nosso País, cujo resultado com a vitória de Jair Bolsonaro, não encerrou o difícil caminho da nação em busca de novos rumos, possivelmente porque ao que tudo indica momentos turbulentos estão por se iniciar.
A eleição do futuro presidente, é bom que se diga, foi legítima. O segundo turno resultou de uma tendência eleitoral que se caracterizou muito mais como plebiscitária.
Cabe aos derrotados reconhecer a vontade da sociedade nas urnas e fazer o que deve ser feito: a oposição determinada e lúcida.
Quando em certos grupos partidários fala-se em “resistência” à vontade das urnas comete-se erro, porque resistência só é legítima contra regimes totalitários que não surgiram da vontade popular sufragada nas urnas.
A oposição deve ser serena, dura ou mesmo implacável, dependendo dos rumos e das ações do futuro governo.
Dentro da absoluta legalidade constitucional, o presidente eleito pode fazer o que acha pertinente, montar a equipe que desejar, indicar as alternativas que melhor lhe aprouver para a sua administração, definir os rumos programáticos do seu governo etc.
Esse é o princípio da Carta Constitucional. Já a Constituição de 1988 é uma sobrevivente, com mutilações, de terremotos políticos de grandes magnitudes desde a sua promulgação.
Não existiu um só presidente da República após 1988 que não tenha sido alvo da tentativa de impedimento. Todos foram. E dois sofreram o impeachment.
Diante desse fato podemos concluir que o Brasil é um vulcão ativo, sempre pronto para entrar em erupção. Portanto, frente a recorrência da exceção no lugar da regra, cabe a investigação da realidade política.
E isso não é nada fácil porque os acontecimentos políticos institucionais deram-se em um espaço de tempo que já percorre trinta anos, desde 1988, e possuem raízes Históricas mais antigas.
A primeira constatação é a de que o País não possui uma noção política constitucional sedimentada, sólida, assentada no espírito do seu próprio destino e interesse nacional. As forças políticas, e quem elas representam, não têm definido em seus propósitos fundamentais, a centralidade da visão nacional.
E as Constituições, ao longo do tempo, revelam essa deficiência, apesar dos reconhecidos e inegáveis méritos dessa última, a de 1988. É a mais grave de todas as nossas vicissitudes.
A segunda constatação decore da primeira, porque se não temos uma sólida cultura política constitucional, sofremos fortes influências de outras culturas políticas, embora o País não possa, em absoluto, se isolar da realidade mundial e suas interfaces em todos os níveis.
Para não recuarmos excessivamente em nossa História como Estado nacional e jovem sociedade, vejamos um período mais recente que moldou a humanidade após a Segunda Guerra Mundial. A chamada Guerra Fria.
Nessa época as forças políticas, as elites, setores acadêmicos, sempre estiveram divididas pelas fraturas impostas na bipolarização mundial, entre o campo socialista, liderado pela União Soviética, e os Estados Unidos.
Tudo que movimentou os conflitos entre nós à essa época, sempre esteve subordinado ao confronto mundial, cuja centralidade residia nos interesses específicos de Estado desses dois gigantes globais da época.
Os interesses internos, a visão de País, a busca efetiva de um projeto nacional encontravam-se em pensadores, economistas, administradores etc., combatidos pelas forças políticas, intelectuais, alinhadas aos dois campos da Guerra Fria.
Em resumo, salvo em períodos excepcionais, o Brasil não pensou estrategicamente o Brasil, moveu-se conforme os projetos geopolíticos das duas grandes potências. Aliás, essa ideia ainda existe entre alguns setores minoritários até hoje.
Com a globalização financeira, a desregulamentação dos fluxos do capital financeiro, especialmente o especulativo, mais uma vez a centralidade da questão dos interesses nacionais está subordinada à nova realidade, no mundo da política, academia, da economia, administração etc., mas os que se movem em busca de um projeto de nação inserido na nova realidade mundial permanecem determinados.
Parte de setores do campo “progressista” assimilaram as chamadas Políticas Identitárias que fraturam e transformam em tribalismo o espírito de coletividade da comunidade nacional. Estão identificados com uma espécie de pensamento ideológico alimentado pelos grandes financistas globais a exemplo de George Soros, e outros.
Enquanto grupos à “direita” alinham-se a uma visão passadista, em nome de um paradoxal nacionalismo associado a um liberalismo econômico financeiro radical.
E uma formulação política, acadêmica, isolacionista que recorre a conceitos quase medievais, de um hipotético passado glorioso, purificado e inexistente, cujos teóricos principais encontram-se, especialmente, nos Estados Unidos.
Temos assim, uma espécie de uma falsa nova Guerra Fria que galvaniza ativistas políticos, acadêmicos, economistas, cuja resultante principal tem sido a ausência de uma visão aprofundada de um projeto do País. Pelo contrário, aumenta a sua distância.
A recente eleição presidencial refletiu esse conflito, que possui dimensão mundial. Trata-se de uma batalha ideológica, teórica, de profundos interesses econômicos, geopolíticos, um diversionismo autoconsciente e uma adesão a subpolíticas que aí estão postas. Invoca a impressão de que ao invés de se caminhar em direção ao futuro, pretende-se mergulhar rumo ao passado. Um evidente escapismo.
Mas os reacionários, diferente de conservadores, são ativistas intrépidos das suas teses quase sempre fundadas no medo apocalíptico do futuro e lutadores das causas purificadoras, nostálgicas, pela volta de um passado que a bem da verdade nunca existiu fora das suas mentes.
Já os outros idealizam, através da análise distorcida da realidade e de um determinismo Histórico, a visão autocentrada nas transformações sociais tal como desejam em suas cabeças.
Tanto uns como outros parecem atualmente empenhados em conduzir as sociedades a um passado glorioso mais que perfeito, que só existe em seus juízos, como se fossem “mentes naufragadas”.
Da crise geral emergiu uma visão nostálgica de tempos já idos, porque é mais fácil fazer um balanço do que já aconteceu, que sobre a complexidade bem mais abrangente do presente.
Melhor seria envidar esforços para compreender e atuar na realidade de um mundo em célere transição.
Onde o papel destacado do Brasil, da sua sociedade, só poderá se concretizar através do esforço, pela vida política democrática, e a união em torno de um projeto factível de desenvolvimento econômico.
Com base na industrialização do País, investimento em ciência e tecnologia, em infraestrutura, educação estratégica em vários níveis, saúde, combate à criminalidade transnacional, defesa das suas riquezas, cultura, possibilitando que o Brasil alcance patamares científicos e civilizacionais à altura dos desafios do século XXI.
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