Meu novo artigo semanal:
O que vemos no Brasil atual é o aprofundamento das políticas de mundialização do capital financeiro sobre os Estados soberanos, contra as históricas conquistas trabalhistas adquiridas através de muita luta, suor, sangue mesmo, desde o final da 2a Grande Guerra Mundial.
Trata-se de um processo demolidor das sociedades erigidas nesses últimos 71 anos, com todas as suas virtudes, e seus inumeráveis defeitos, em vários aspectos: político, cultural, ideológico, econômico etc.
A globalização financeira e parasitária vem se dando em etapas, não de maneira planejada mas via sofreguidão acumulativa do capital fora do processo produtivo, para que não fique pedra sobre pedra da sociedade contemporânea.
Na medida em que as manifestações de resistências sociais, dos povos e nações, são postas na defensiva através de uma hegemonia política totalitária, onde joga papel preponderante a grande mídia globalizada associada ao rentismo, aí a Nova Ordem mundial avança como uma retroescavadeira destruindo o tecido das sociedades.
Sob o falso discurso de uma era sem fronteiras, do cidadão global, de uma única sociedade mundial, destrói-se não só a identidade cultural, antropológica das sociedades, mas a condição das nações serem protagonistas dos seus próprios destinos, submetendo-as a um total desnorteamento.
Em recente artigo os economistas Luís Gonzaga Belluzzo e Galípolo indicam que pela primeira vez a renda dos 1% dos mais abastados do planeta equivale à de 99% da população. Esse é o destino da sociedade a que a globalização da Nova Ordem mundial conduz.
Dizem os economistas: “pretendem a rejeição ao outro, a reputação das causas do mal aos que não são iguais, incitam o ódio de classe, gênero, raça, religião pelos quatro cantos do globo... onde se manejam, através da política e da mídia, a técnica das oposições binárias que se esparramam nas modernas interações das redes sociais, tentam sustar a articulação do movimento de grupos sociais heterogêneos em uma grande coalizão progressista (e patriótica), onde decisões sejam permeadas por instâncias democráticas”.
É uma estratégia do retorno ao poder das forças neoliberais ortodoxas pela via totalitária do pensamento único, a criminalização da política. Cabe-nos a luta em defesa do progresso social e da nação sob graves ameaças.
quinta-feira, 29 de setembro de 2016
quinta-feira, 22 de setembro de 2016
Encruzilhada
Meu novo artigo semanal:
O viciado processo de impedimento, e a deposição da presidente Dilma Rousseff, incorporam-se na conturbada História da tradição política republicana brasileira, incluindo o período posterior à promulgação da Constituição de 1988.
Após a debacle da União Soviética e a hegemonia unipolar dos Estados Unidos assistimos a uma destruição das conquistas sociais sem precedentes na História contemporânea, uma infinidade de guerras de rapina até os dias atuais e uma brutal tragédia humanitária.
Junto à onipresença imperial norte-americana alavancou-se o domínio global do Mercado financeiro em todas as esferas: política, cultural, ideológica e econômica.
Com tal hegemonia ascendeu uma espécie de Governança mundial apoiada em instituições internacionais que, ou foram capturadas com vistas aos objetivos hegemônicos dos EUA, da globalização financeira, ou foram criadas para tal fim.
Uma das metas da Nova Ordem neoliberal factualmente inaugurada pela ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, o presidente americano Ronald Reagan, um obscuro astro de filmes B de Hollywood, foi a afirmação estratégica anglo-americana, a consolidação da “santa aliança” do capital rentista com os novos centuriões do século XXI.
Incluindo a alienação financeira dos Estados soberanos como questão central aos atuais “donos” do mundo, com enormes resistências sociais dos segmentos agrupados na defesa da soberania dos povos, das nações. Em resumo, é o que está em curso no Brasil.
Mas o surgimento dos BRICS, da China como nova potência econômica, financeira global, da Rússia como protagonista militar, econômica, de recursos naturais decisivos como o petróleo, o gás que abastece a Europa, passa a exigir outra ordem global multilateral, uma tendência irreversível.
Não é possível entender a dramática conjuntura nacional sem ligar os fios que a prendem ao cenário mundial do domínio do capital financeiro, dos interesses geopolíticos dos EUA. Daí o papel da grande mídia que impõe a agenda política do País.
Por isso o Brasil necessita de um projeto de desenvolvimento estratégico, da união de largas correntes da sociedade em torno de outro rumo político, democrático e soberano. Que reafirme a sua integridade e protagonismo, a condição de ser uma nação solidária num cenário global profundamente tormentoso.
O viciado processo de impedimento, e a deposição da presidente Dilma Rousseff, incorporam-se na conturbada História da tradição política republicana brasileira, incluindo o período posterior à promulgação da Constituição de 1988.
Após a debacle da União Soviética e a hegemonia unipolar dos Estados Unidos assistimos a uma destruição das conquistas sociais sem precedentes na História contemporânea, uma infinidade de guerras de rapina até os dias atuais e uma brutal tragédia humanitária.
Junto à onipresença imperial norte-americana alavancou-se o domínio global do Mercado financeiro em todas as esferas: política, cultural, ideológica e econômica.
Com tal hegemonia ascendeu uma espécie de Governança mundial apoiada em instituições internacionais que, ou foram capturadas com vistas aos objetivos hegemônicos dos EUA, da globalização financeira, ou foram criadas para tal fim.
Uma das metas da Nova Ordem neoliberal factualmente inaugurada pela ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, o presidente americano Ronald Reagan, um obscuro astro de filmes B de Hollywood, foi a afirmação estratégica anglo-americana, a consolidação da “santa aliança” do capital rentista com os novos centuriões do século XXI.
Incluindo a alienação financeira dos Estados soberanos como questão central aos atuais “donos” do mundo, com enormes resistências sociais dos segmentos agrupados na defesa da soberania dos povos, das nações. Em resumo, é o que está em curso no Brasil.
Mas o surgimento dos BRICS, da China como nova potência econômica, financeira global, da Rússia como protagonista militar, econômica, de recursos naturais decisivos como o petróleo, o gás que abastece a Europa, passa a exigir outra ordem global multilateral, uma tendência irreversível.
Não é possível entender a dramática conjuntura nacional sem ligar os fios que a prendem ao cenário mundial do domínio do capital financeiro, dos interesses geopolíticos dos EUA. Daí o papel da grande mídia que impõe a agenda política do País.
Por isso o Brasil necessita de um projeto de desenvolvimento estratégico, da união de largas correntes da sociedade em torno de outro rumo político, democrático e soberano. Que reafirme a sua integridade e protagonismo, a condição de ser uma nação solidária num cenário global profundamente tormentoso.
Luciano Siqueira: Prevalece a multiplicidade de alianças
Do blog do Luciano Siqueira, seu texto publicado no Vermelho e no blog de Jamildo:
Caleidoscópio partidário
O jornal O Globo publicou um infográfico em que exibe a imensa multiplicidade de alianças partidárias celebradas para o pleito do próximo dia 2.
Embora dois partidos – o PCdoB e o PT – acumulem maior número de alianças entre si, todos os demais integram coligações das quais participam praticamente todas as agremiações legalmente constituídas.
O PCdoB, vacinado contra a rigidez tática e o sectarismo, atento à natureza eminentemente local do pleito, exerce o máximo de amplitude e de flexibilidade, preservando, entretanto, em cada coligação de que participa, sua identidade, suas convicções teóricas e suas opiniões políticas sobre a questão nacional, respeitando as dos aliados.
A convergência se dá em torno de programas para as cidades.
É o óleo na água, como costumam dizer os comunistas: juntos, mas não diluídos entre si, cada um no seu quadrado, plenamente identificáveis.
Mesmo o PT, que anunciou diretiva nacional proibitiva de alianças com partidos cujos parlamentares votaram a favor do impeachment, em inúmeras situações se fez flexível. Caso do Recife e Olinda, onde faz aliança prioritária com o PRB, que votou fechado pelo afastamento da presidenta Dilma; de Salgueiro, onde apóia chapa composta pelo PMDB e pelo DEM e Caruaru, onde apoia o candidato do PSB e assim por diante.
Nada de errado. Diretrizes esquemáticas e rígidas não casam com a realidade. A imensa diversificação política e cultural que marca a sociedade brasileira, que impacta a fisionomia da quase totalidade dos partidos, tem seu ápice nas eleições municipais.
Poderia ser diferente? Certamente sim – desde que uma reforma política de sentido essencialmente democratizante, e não restritivo, viesse a adotar o sistema de listas preordenadas pelos partidos para a disputa das casas legislativas. Esse dispositivo, por si mesmo, contribuiria de modo determinante para a necessária triagem via voto popular, fazendo desaparecer naturalmente legendas que não ultrapassam limites cartoriais.
De outra parte, a sempre reincidente proposta de adoção de cláusula de barreira, restritiva da presença no Parlamento de partidos eventualmente situados como minoritários, faria uma triagem impositiva, antidemocrática.
A questão vem sempre à tona no curso dos episódios eleitorais e permanece hibernada nos interregnos.
Agora que o país atravessa período marcado pela regressão política e institucional, vem sendo abordada em paralelo às campanhas eleitorais, como que preparando o ambiente para mais um golpe nos processos democráticos.
De toda sorte, tão logo se encerrem as eleições municipais, às forças do campo democrático cumpre incluir o tema na agenda da resistência.
Caleidoscópio partidário
O jornal O Globo publicou um infográfico em que exibe a imensa multiplicidade de alianças partidárias celebradas para o pleito do próximo dia 2.
Embora dois partidos – o PCdoB e o PT – acumulem maior número de alianças entre si, todos os demais integram coligações das quais participam praticamente todas as agremiações legalmente constituídas.
O PCdoB, vacinado contra a rigidez tática e o sectarismo, atento à natureza eminentemente local do pleito, exerce o máximo de amplitude e de flexibilidade, preservando, entretanto, em cada coligação de que participa, sua identidade, suas convicções teóricas e suas opiniões políticas sobre a questão nacional, respeitando as dos aliados.
A convergência se dá em torno de programas para as cidades.
É o óleo na água, como costumam dizer os comunistas: juntos, mas não diluídos entre si, cada um no seu quadrado, plenamente identificáveis.
Mesmo o PT, que anunciou diretiva nacional proibitiva de alianças com partidos cujos parlamentares votaram a favor do impeachment, em inúmeras situações se fez flexível. Caso do Recife e Olinda, onde faz aliança prioritária com o PRB, que votou fechado pelo afastamento da presidenta Dilma; de Salgueiro, onde apóia chapa composta pelo PMDB e pelo DEM e Caruaru, onde apoia o candidato do PSB e assim por diante.
Nada de errado. Diretrizes esquemáticas e rígidas não casam com a realidade. A imensa diversificação política e cultural que marca a sociedade brasileira, que impacta a fisionomia da quase totalidade dos partidos, tem seu ápice nas eleições municipais.
Poderia ser diferente? Certamente sim – desde que uma reforma política de sentido essencialmente democratizante, e não restritivo, viesse a adotar o sistema de listas preordenadas pelos partidos para a disputa das casas legislativas. Esse dispositivo, por si mesmo, contribuiria de modo determinante para a necessária triagem via voto popular, fazendo desaparecer naturalmente legendas que não ultrapassam limites cartoriais.
De outra parte, a sempre reincidente proposta de adoção de cláusula de barreira, restritiva da presença no Parlamento de partidos eventualmente situados como minoritários, faria uma triagem impositiva, antidemocrática.
A questão vem sempre à tona no curso dos episódios eleitorais e permanece hibernada nos interregnos.
Agora que o país atravessa período marcado pela regressão política e institucional, vem sendo abordada em paralelo às campanhas eleitorais, como que preparando o ambiente para mais um golpe nos processos democráticos.
De toda sorte, tão logo se encerrem as eleições municipais, às forças do campo democrático cumpre incluir o tema na agenda da resistência.
Belluzzo e Galípolo: A economia em guerra com a sociedade
Do Vermelho, texto de Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, publicado na Carta Capital:
O absolutismo financeiro encaminha o conflito civil global e orienta todas as suas polarizações.
A ascensão dos investimentos transfronteiriços nas décadas recentes não configura a primeira explosão significativa da globalização financeira. O estudo Financial Globalization: Retreat or reset, do McKinsey Global Institute, publicado em 2013, confirma que a Segunda Revolução Industrial coincide com uma nova era da mobilidade de capitais, que se estendeu, aproximadamente, de 1860 a 1915, quando os ativos de investimentos estrangeiros globais alcançaram 55% do porcentual do Produto Interno Bruto de uma amostra significativa de países.
A participação dos ativos estrangeiros globais sofreu uma queda acentuada no período que compreende as duas grandes guerras mundiais e a Grande Depressão, voltando a atingir seu pico histórico apenas no início dos anos 1990. Recentemente, tais ativos alcançaram 160% do PIB dos países da amostra.
Antes ou agora, a globalização jamais cumpriu as promessas de dependências harmoniosas. A fantasia de capitais abundantes transbordando das economias centrais paras as periféricas, em busca de maior remuneração pelo seu emprego (em decorrência de uma situação “inicial” de escassez), homogeneizando sociedades e taxas de juro ao redor do globo, vive apenas nas mentes herméticas de alguns economistas.
O verdadeiro sentido da globalização é o acirramento da concorrência entre empresas, trabalhadores e nações, inserida em uma estrutura financeira global monetariamente hierarquizada. A convulsão das sociedades ante a falência dos nexos econômicos é o corolário das simbioses e contradições das relações “inter-nacionais”, que elevaram exponencialmente a complexidade da gestão das políticas econômicas nacionais. Os dados sobre concentração de renda corroboram a polarização observada na população.
Conforme o Global Wealth Databook, publicado pelo Credit Suisse, a riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população mundial agora equivale, pela primeira vez, à riqueza dos 99% restantes. A Oxfam afirma que, em 2015, apenas 62 indivíduos detinham a mesma riqueza que 3,6 bilhões de pessoas, a metade mais afetada pela pobreza da humanidade.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico afirma que, entre 1975 e 2012, perto de 47% do crescimento total da renda antes de impostos nos Estados Unidos foi para o 1% no topo. O Fundo Monetário Internacional aponta queda de 11% na participação da população de renda média entre 1970 e 2014 nos Estados Unidos, em razão do “baixo dinamismo do mercado de trabalho”. A tendência de polarização é consistente para diferentes cortes de definição de renda média.
Não é recente a inquietação com o movimento do capitalismo impulsionado pelas contradições entre sociedades com “espaços democráticos” nacionais e mercados globais. Ainda em 1848, o velho Marx, ao observar o desenvolvimento “de um intercâmbio universal e uma universal interdependência das nações”, sentenciou: “Assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar os poderes infernais que invocou”.
Em Guerres et Capital, Éric Alliez e Maurizio Lazzarato afirmam: “O capitalismo e o liberalismo carregam as guerras dentro de si como as nuvens carregam a tempestade. Se a financeirização do fim do século XIX e início do século XX conduziu à guerra total e à Revolução Russa, à crise de 1929 e às guerras civis europeias, a financeirização contemporânea dirige à guerra civil global, ordenando todas as suas polarizações... À era da desterritorialização sem limites de Thatcher e Reagan sucedeu a reterritorialização racista, nacionalista, sexista e xenófoba de Trump, que assumiu a liderança do novo fascismo”.
Ante o nervosismo da insegurança econômica, a polarização política se eleva, fomentada pelo crescimento da massa daqueles que tiveram suas condições de trabalho e vida precarizadas na senda da arbitragem geográfica de salários, impostos e juros pela finança globalizada.
A política e a mídia tornam-se o palco de demagogos que capitalizam essas fontes de preocupação e raiva, manejando com desembaraço a técnica das oposições binárias, método que se esparrama nas modernas ações e interações entre os participantes das redes sociais.
A rejeição ao outro e a reputação das causas do mal aos que não são iguais excitam o ódio de classe, raça, religião e gênero pelos quatro cantos do globo, impossibilitando a articulação do movimento de grupos sociais heterogêneos em uma grande coalizão progressista, reduzindo a esperança de reedição de um ambiente econômico onde decisões sejam permeadas por instâncias democráticas.
O protofascismo de Trump não é um fenômeno isolado. O Brexit foi marcado pelo assassinato da deputada britânica Jo Cox. Antes do ataque, o assassino gritou: “Reino Unido primeiro”, lema da ultradireita britânica.
Ao analisar a vitória nas eleições regionais do Alternativa para a Alemanha, partido de extrema-direita, a revista Der Spiegel afirmou: “A estratégia de apresentar uma solução única e incontestável deve ser reavaliada. Caso contrário, o mundo estará encarando uma era na qual serão cada vez mais fortes aqueles que não oferecem qualquer solução, os que só oferecem rejeição e medo”.
No Brasil, as heranças e sestros da casa-grande aproveitam-se dos desconfortos da crise econômica deflagrada pelos aloprados dos mercados financeiros em contubérnio com um governo aturdido por suas próprias incoerências, para assaltar trabalhadores, aposentados e o orçamento público. A limitação dos gastos com serviços públicos cauciona o rentismo sem limites.
Destroçada pelas exigências da política antidemocrática dos tecnocratas de turno, a economia entrega seu destino às forças do empobrecimento conceitual e da apologética sem limites. O esvaziamento se faz em nome da despolitização e da “limpeza ideológica”.
Políticos e oficiais do governo valem-se de conceitos econômicos para limitar a disponibilidade de políticas que pareçam viáveis para a comunidade. O socorro aos bancos aparece tão inevitável quanto o desamparo aos idosos e trabalhadores.
Por rádio, televisão e jornal as pessoas são “informadas” de que precisam se sacrificar, aceitar cortes nos gastos sociais e menos direitos e benefícios trabalhistas, ou encarar a destruição da economia – tudo em nome da ciência econômica.
Trabalhadores devem cumprir maiores jornadas e por mais tempo em suas vidas. Os impostos e as tarifas públicas serão maiores, mas os serviços públicos serão reduzidos. Já a transferência de recursos públicos ao rentismo, seja pela compra de ativos podres, seja pelo pagamento de juros exorbitantes, não está em discussão, essa é determinada pelo mercado, deus ex machina.
O necrosamento do tecido econômico e o esgarçamento do social empurram os acuados, pelo discurso da inevitabilidade econômica, a abraçarem a conclusão de que “o inferno são os outros”. Se os empregos foram tomados, o Estado onerado e a paz ameaçada por aqueles de nacionalidade, religião, gênero, opção sexual, raça ou ideologia diferentes, a solução passa pela sua exclusão ou eliminação.
Ao explicar a banalidade do mal, Hannah Arendt aponta que as maiores maldades do mundo podem ser perpetradas por homens comuns, sem razões malignas ou intenções demoníacas, mas seres humanos que abdicaram totalmente da característica que mais define o homem como tal, a capacidade de pensar.
Para Arendt, a manifestação do ato de pensar não é o conhecimento, mas a habilidade de distinguir o bem do mal, de fazer juízos morais. Essa incapacidade de pensar permitiu que muitos homens comuns cometessem atos cruéis numa escala monumental jamais vista, como no nazismo. Sua esperança repousa no “pensar”, como poder para as pessoas evitarem catástrofes nesses raros momentos de dificuldade.
O absolutismo financeiro encaminha o conflito civil global e orienta todas as suas polarizações.
A ascensão dos investimentos transfronteiriços nas décadas recentes não configura a primeira explosão significativa da globalização financeira. O estudo Financial Globalization: Retreat or reset, do McKinsey Global Institute, publicado em 2013, confirma que a Segunda Revolução Industrial coincide com uma nova era da mobilidade de capitais, que se estendeu, aproximadamente, de 1860 a 1915, quando os ativos de investimentos estrangeiros globais alcançaram 55% do porcentual do Produto Interno Bruto de uma amostra significativa de países.
A participação dos ativos estrangeiros globais sofreu uma queda acentuada no período que compreende as duas grandes guerras mundiais e a Grande Depressão, voltando a atingir seu pico histórico apenas no início dos anos 1990. Recentemente, tais ativos alcançaram 160% do PIB dos países da amostra.
Antes ou agora, a globalização jamais cumpriu as promessas de dependências harmoniosas. A fantasia de capitais abundantes transbordando das economias centrais paras as periféricas, em busca de maior remuneração pelo seu emprego (em decorrência de uma situação “inicial” de escassez), homogeneizando sociedades e taxas de juro ao redor do globo, vive apenas nas mentes herméticas de alguns economistas.
O verdadeiro sentido da globalização é o acirramento da concorrência entre empresas, trabalhadores e nações, inserida em uma estrutura financeira global monetariamente hierarquizada. A convulsão das sociedades ante a falência dos nexos econômicos é o corolário das simbioses e contradições das relações “inter-nacionais”, que elevaram exponencialmente a complexidade da gestão das políticas econômicas nacionais. Os dados sobre concentração de renda corroboram a polarização observada na população.
Conforme o Global Wealth Databook, publicado pelo Credit Suisse, a riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população mundial agora equivale, pela primeira vez, à riqueza dos 99% restantes. A Oxfam afirma que, em 2015, apenas 62 indivíduos detinham a mesma riqueza que 3,6 bilhões de pessoas, a metade mais afetada pela pobreza da humanidade.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico afirma que, entre 1975 e 2012, perto de 47% do crescimento total da renda antes de impostos nos Estados Unidos foi para o 1% no topo. O Fundo Monetário Internacional aponta queda de 11% na participação da população de renda média entre 1970 e 2014 nos Estados Unidos, em razão do “baixo dinamismo do mercado de trabalho”. A tendência de polarização é consistente para diferentes cortes de definição de renda média.
Não é recente a inquietação com o movimento do capitalismo impulsionado pelas contradições entre sociedades com “espaços democráticos” nacionais e mercados globais. Ainda em 1848, o velho Marx, ao observar o desenvolvimento “de um intercâmbio universal e uma universal interdependência das nações”, sentenciou: “Assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar os poderes infernais que invocou”.
Em Guerres et Capital, Éric Alliez e Maurizio Lazzarato afirmam: “O capitalismo e o liberalismo carregam as guerras dentro de si como as nuvens carregam a tempestade. Se a financeirização do fim do século XIX e início do século XX conduziu à guerra total e à Revolução Russa, à crise de 1929 e às guerras civis europeias, a financeirização contemporânea dirige à guerra civil global, ordenando todas as suas polarizações... À era da desterritorialização sem limites de Thatcher e Reagan sucedeu a reterritorialização racista, nacionalista, sexista e xenófoba de Trump, que assumiu a liderança do novo fascismo”.
Ante o nervosismo da insegurança econômica, a polarização política se eleva, fomentada pelo crescimento da massa daqueles que tiveram suas condições de trabalho e vida precarizadas na senda da arbitragem geográfica de salários, impostos e juros pela finança globalizada.
A política e a mídia tornam-se o palco de demagogos que capitalizam essas fontes de preocupação e raiva, manejando com desembaraço a técnica das oposições binárias, método que se esparrama nas modernas ações e interações entre os participantes das redes sociais.
A rejeição ao outro e a reputação das causas do mal aos que não são iguais excitam o ódio de classe, raça, religião e gênero pelos quatro cantos do globo, impossibilitando a articulação do movimento de grupos sociais heterogêneos em uma grande coalizão progressista, reduzindo a esperança de reedição de um ambiente econômico onde decisões sejam permeadas por instâncias democráticas.
O protofascismo de Trump não é um fenômeno isolado. O Brexit foi marcado pelo assassinato da deputada britânica Jo Cox. Antes do ataque, o assassino gritou: “Reino Unido primeiro”, lema da ultradireita britânica.
Ao analisar a vitória nas eleições regionais do Alternativa para a Alemanha, partido de extrema-direita, a revista Der Spiegel afirmou: “A estratégia de apresentar uma solução única e incontestável deve ser reavaliada. Caso contrário, o mundo estará encarando uma era na qual serão cada vez mais fortes aqueles que não oferecem qualquer solução, os que só oferecem rejeição e medo”.
No Brasil, as heranças e sestros da casa-grande aproveitam-se dos desconfortos da crise econômica deflagrada pelos aloprados dos mercados financeiros em contubérnio com um governo aturdido por suas próprias incoerências, para assaltar trabalhadores, aposentados e o orçamento público. A limitação dos gastos com serviços públicos cauciona o rentismo sem limites.
Destroçada pelas exigências da política antidemocrática dos tecnocratas de turno, a economia entrega seu destino às forças do empobrecimento conceitual e da apologética sem limites. O esvaziamento se faz em nome da despolitização e da “limpeza ideológica”.
Políticos e oficiais do governo valem-se de conceitos econômicos para limitar a disponibilidade de políticas que pareçam viáveis para a comunidade. O socorro aos bancos aparece tão inevitável quanto o desamparo aos idosos e trabalhadores.
Por rádio, televisão e jornal as pessoas são “informadas” de que precisam se sacrificar, aceitar cortes nos gastos sociais e menos direitos e benefícios trabalhistas, ou encarar a destruição da economia – tudo em nome da ciência econômica.
Trabalhadores devem cumprir maiores jornadas e por mais tempo em suas vidas. Os impostos e as tarifas públicas serão maiores, mas os serviços públicos serão reduzidos. Já a transferência de recursos públicos ao rentismo, seja pela compra de ativos podres, seja pelo pagamento de juros exorbitantes, não está em discussão, essa é determinada pelo mercado, deus ex machina.
O necrosamento do tecido econômico e o esgarçamento do social empurram os acuados, pelo discurso da inevitabilidade econômica, a abraçarem a conclusão de que “o inferno são os outros”. Se os empregos foram tomados, o Estado onerado e a paz ameaçada por aqueles de nacionalidade, religião, gênero, opção sexual, raça ou ideologia diferentes, a solução passa pela sua exclusão ou eliminação.
Ao explicar a banalidade do mal, Hannah Arendt aponta que as maiores maldades do mundo podem ser perpetradas por homens comuns, sem razões malignas ou intenções demoníacas, mas seres humanos que abdicaram totalmente da característica que mais define o homem como tal, a capacidade de pensar.
Para Arendt, a manifestação do ato de pensar não é o conhecimento, mas a habilidade de distinguir o bem do mal, de fazer juízos morais. Essa incapacidade de pensar permitiu que muitos homens comuns cometessem atos cruéis numa escala monumental jamais vista, como no nazismo. Sua esperança repousa no “pensar”, como poder para as pessoas evitarem catástrofes nesses raros momentos de dificuldade.
quinta-feira, 15 de setembro de 2016
Estado crítico
Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Tribuna do Agreste, no Santana Oxente e no pcdobalagoas.org.br:
A cassação do deputado Eduardo Cunha, político sem escrúpulos, vingativo e frustrado não encerra uma fase terrível da vida política institucional nacional, ao contrário, inicia novo capítulo de uma tragédia, ao tipo grega, que vem levando o País a uma espiral de fatos nocivos econômicos, políticos, psicossociais.
Já as grandes maiorias que lutam diariamente vêem-se em condições adversas, quando não deploráveis, na labuta por um lugar ao sol, no sagrado direito a uma vida digna.
No Brasil, uma nação continental, de extraordinárias riquezas, mais de 200 milhões de habitantes, as desigualdades continuam gritantes, abissais, onde um ínfimo grupo de potentados vivem muito bem e cada vez melhor.
Enquanto setores de uma sub elite, abduzida por uma narrativa fantasiosa do monopólio midiático, mira-se embevecida no estilo de vida desse clube exclusivo de biliardários, e sonham, como se isso fosse possível, algum dia, ser sócio dele.
Mas não estamos em uma novela, é a vida real, áspera, implacável, em um País que é a 7a economia mundial que continua, no entanto, sob o jugo do “Mercado” financeiro com sua agenda global hegemônica, do politicamente correto, inimigo das aspirações dos povos, onde setores econômicos retrógrados, antinacionais, antissociais, orbitam em torno desse capital parasitário, feito satélites.
Com a cassação de Eduardo Cunha, a deposição do governo Dilma, através de um golpe, o “homem bomba” Cunha deve voltar-se agora contra o PSDB, PMDB etc., salvo algum acordo de bastidor tirado do chapéu mágico da atual política nacional. Dessa forma, o País tem navegado à deriva ou em uma rota esquizofrênica.
Porque sem um projeto estratégico que indique um norte efetivo aos rumos da economia, da sociedade, da política nacional, a nação transformou-se em uma comunidade fragmentada, onde prevalecem as corporações, sejam elas do “Mercado” parasitário, da grande mídia, de grupos que disputam o poder pelo poder entre si, até as mais insignificantes.
Já a linha do governo Temer é a desconstrução do Estado nacional, das históricas conquistas trabalhistas, sob os ditames do capital rentista. Ou se retoma, via política concreta, os caminhos democráticos, soberanos da nação ou esse túnel em que trafegamos levará a um desfecho dramático aos interesses do povo brasileiro.
A cassação do deputado Eduardo Cunha, político sem escrúpulos, vingativo e frustrado não encerra uma fase terrível da vida política institucional nacional, ao contrário, inicia novo capítulo de uma tragédia, ao tipo grega, que vem levando o País a uma espiral de fatos nocivos econômicos, políticos, psicossociais.
Já as grandes maiorias que lutam diariamente vêem-se em condições adversas, quando não deploráveis, na labuta por um lugar ao sol, no sagrado direito a uma vida digna.
No Brasil, uma nação continental, de extraordinárias riquezas, mais de 200 milhões de habitantes, as desigualdades continuam gritantes, abissais, onde um ínfimo grupo de potentados vivem muito bem e cada vez melhor.
Enquanto setores de uma sub elite, abduzida por uma narrativa fantasiosa do monopólio midiático, mira-se embevecida no estilo de vida desse clube exclusivo de biliardários, e sonham, como se isso fosse possível, algum dia, ser sócio dele.
Mas não estamos em uma novela, é a vida real, áspera, implacável, em um País que é a 7a economia mundial que continua, no entanto, sob o jugo do “Mercado” financeiro com sua agenda global hegemônica, do politicamente correto, inimigo das aspirações dos povos, onde setores econômicos retrógrados, antinacionais, antissociais, orbitam em torno desse capital parasitário, feito satélites.
Com a cassação de Eduardo Cunha, a deposição do governo Dilma, através de um golpe, o “homem bomba” Cunha deve voltar-se agora contra o PSDB, PMDB etc., salvo algum acordo de bastidor tirado do chapéu mágico da atual política nacional. Dessa forma, o País tem navegado à deriva ou em uma rota esquizofrênica.
Porque sem um projeto estratégico que indique um norte efetivo aos rumos da economia, da sociedade, da política nacional, a nação transformou-se em uma comunidade fragmentada, onde prevalecem as corporações, sejam elas do “Mercado” parasitário, da grande mídia, de grupos que disputam o poder pelo poder entre si, até as mais insignificantes.
Já a linha do governo Temer é a desconstrução do Estado nacional, das históricas conquistas trabalhistas, sob os ditames do capital rentista. Ou se retoma, via política concreta, os caminhos democráticos, soberanos da nação ou esse túnel em que trafegamos levará a um desfecho dramático aos interesses do povo brasileiro.
sexta-feira, 9 de setembro de 2016
Democracia e nação
Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Tribuna do Agreste, no Santana Oxente e no pcdobalagoas.org.br:
As manifestações realizadas em algumas cidades brasileiras como em São Paulo, com mais de 100 mil pessoas, contra a deposição de Dilma Rousseff, mostram que as insatisfações sociais são muito maiores que “grupos de 40 pessoas” como Temer falou à mídia.
Aliás, os carimbados Black Blocs, sumidos desde as convulsões sociais de 2013, voltaram às ruas. As provocações andam soltas a serviço de óbvio script premeditado.
Já o impedimento da ex-presidente Dilma não obedeceu às regras fixadas pela Constituição de 1988, num dos seus mais graves institutos, resultou da ação dos que foram derrotados nas urnas e à queda de popularidade de Dilma.
Que foi corroída pela mais séria crise estrutural do capitalismo desde a debacle de 1929, com a ruína da economia mundial, tragédia para centenas de milhões de trabalhadores, penúria, fome generalizadas, associada a erros políticos e econômicos na gestão da ex-presidente.
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, em entrevista antes do impedimento, afirmou ao jornalista Luís Nassif que o Brasil ainda não possui efetiva tradição democrática. Há um viés autoritário em nosso itinerário republicano, mesmo depois da promulgação da Constituição de 1988.
Após o regime ditatorial, dos quatro presidentes eleitos dois sofreram impeachment por razões políticas, outros dois escaparam por pouco embora suas matrizes políticas e econômicas fossem distintas.
Assim como o pacto constitucional, a centralidade dos interesses da nação tem sido prejudicada com a ausência de um projeto duradouro de desenvolvimento em infraestrutura, educação, saúde, incremento das suas potencialidades industriais, científicas, tecnológicas, de Defesa, reféns, inclusive, da hegemonia no País do capital financeiro parasitário.
O Brasil vive sob grave crise econômica de origem externa e interna, alvo de ambições e ingerências geopolíticas globais, assolado por tempestades de ódios difusos propagados via mídia monopolista ligada a grupos retrógrados nativos e forâneos. Age como proprietária da nação.
Nessa nova quadra, é vital travar o combate pela legalidade democrática aviltada e, seja lá quem for, não convém arvorar-se em alter ego dos destinos políticos do País. Assim como urge a luta em defesa dos rumos estratégicos ao desenvolvimento da nação sob ameaças.
As manifestações realizadas em algumas cidades brasileiras como em São Paulo, com mais de 100 mil pessoas, contra a deposição de Dilma Rousseff, mostram que as insatisfações sociais são muito maiores que “grupos de 40 pessoas” como Temer falou à mídia.
Aliás, os carimbados Black Blocs, sumidos desde as convulsões sociais de 2013, voltaram às ruas. As provocações andam soltas a serviço de óbvio script premeditado.
Já o impedimento da ex-presidente Dilma não obedeceu às regras fixadas pela Constituição de 1988, num dos seus mais graves institutos, resultou da ação dos que foram derrotados nas urnas e à queda de popularidade de Dilma.
Que foi corroída pela mais séria crise estrutural do capitalismo desde a debacle de 1929, com a ruína da economia mundial, tragédia para centenas de milhões de trabalhadores, penúria, fome generalizadas, associada a erros políticos e econômicos na gestão da ex-presidente.
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, em entrevista antes do impedimento, afirmou ao jornalista Luís Nassif que o Brasil ainda não possui efetiva tradição democrática. Há um viés autoritário em nosso itinerário republicano, mesmo depois da promulgação da Constituição de 1988.
Após o regime ditatorial, dos quatro presidentes eleitos dois sofreram impeachment por razões políticas, outros dois escaparam por pouco embora suas matrizes políticas e econômicas fossem distintas.
Assim como o pacto constitucional, a centralidade dos interesses da nação tem sido prejudicada com a ausência de um projeto duradouro de desenvolvimento em infraestrutura, educação, saúde, incremento das suas potencialidades industriais, científicas, tecnológicas, de Defesa, reféns, inclusive, da hegemonia no País do capital financeiro parasitário.
O Brasil vive sob grave crise econômica de origem externa e interna, alvo de ambições e ingerências geopolíticas globais, assolado por tempestades de ódios difusos propagados via mídia monopolista ligada a grupos retrógrados nativos e forâneos. Age como proprietária da nação.
Nessa nova quadra, é vital travar o combate pela legalidade democrática aviltada e, seja lá quem for, não convém arvorar-se em alter ego dos destinos políticos do País. Assim como urge a luta em defesa dos rumos estratégicos ao desenvolvimento da nação sob ameaças.
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