quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O Crepúsculo do Império e a Aurora da China: segunda parte

Aqui a segunda parte do prólogo de Luiz Alberto Moniz Bandeira ao livro de Durval de Noronha Goyos, "O Crepúsculo do Império e a Aurora da China":



Ao contrário dos Estados Unidos, cuja crise financeira praticamente havia principiado nos anos 1970, quando o governo do presidente Richard Nixon não pôde sustentar o dólar com o padrão-ouro, a China, após o falecimento de Mao Tse-tung, começou economicamente a aflorar. Deng Xiaoping (1904-1997), ao recuperar o poder, após um período de ostracismo durante a chamada Revolução Cultural (1966-1976), tratou de empreender as reformas econômicas, de modo similar ao que Lenin tratou de promover na Rússia, após o término da guerra civil em 1921, quando a gravidade de sua situação econômica, social e política, atingira as mais trágicas dimensões e ameaçara a própria sobrevivência do Estado soviético. Diante de tal situação, Lenin recuou do “comunismo militar” ou “comunismo de guerra”, implantado durante os anos da guerra civil.

Com a adoção da NEP (Novaia Ekonomitcheskaia Politika), ele restabeleceu o funcionamento da economia de mercado, instituindo o capitalismo de Estado, não como propriedade e operação das empresas pelo Estado, mas como capitalismo privado, permitido e controlado pelo Estado.

Deng Xiaoping e os dirigentes da China haviam percebido que não podiam manter o mesmo modelo de socialismo, implantado na União Soviética por Stalin, após extinguir a NEP em 1927, pois nem Marx nem Engels jamais conceberam o socialismo como via de desenvolvimento ou modelo alternativo para o capitalismo, senão como consequência de seu desenvolvimento. Sem o rápido aperfeiçoamento dos instrumentos de produção e o constante progresso dos meios de transporte e de comunicação, com que a burguesia arrastava até as nações mais bárbaras à civilização, não seria possível chegar ao socialismo.

O que o viabilizava, cientificamente, era o alto nível de desenvolvimento das forças produtivas, que o capitalismo impulsionava, porquanto somente seria possível realizá-lo, elevando a oferta de bens e serviços, em quantidade e em qualidade, a um nível em que a liquidação das diferenças de classe constituísse verdadeiro progresso e tivesse consistência, sem acarretar consigo o estancamento da sociedade e, inclusive, a decadência do seu modo de produção.

Ao fim dos anos 1970, a China começou a promover reformas econômicas, autorizando os chineses a realizar empreendimentos comerciais privados e abrindo o país aos investimentos estrangeiros. O Estado deixou de ser o único dono dos meios de produção. E Deng Xiaoping, visando revitalizar a economia a partir das zonas rurais, instituiu o estabelecimento de contratos de produção com agricultores individuais e o desenvolvimento de empresas rurais, do mesmo modo que, no setor urbano, concedeu autonomia de gestão às empresas estatais e promoveu a descentralização regional, investimentos e desregulamentação dos preços. Jiang Zemin e Li Peng, sucedendo a Deng Xiaoping, impulsionaram a reorganização institucional no governo e no Partido Comunista da China, e empreenderam a reforma do sistema financeiro, reforma fiscal, e estabeleceram o regime empresarial.

Tais reformas possibilitaram o extraordinário crescimento econômico, cuja taxa subira de 4,5%, na década de 1960-1970, para 5,8%, entre 1970 e 1980, e saltara para 8,5%, na década de 1980-1990, enquanto a taxa de crescimento dos Estados Unidos declinava de 3,8%, na década de 1960-1970, para 2,7%, entre 1970 e 1980, e 2,8%, na década de 1980-1990, baixando para - 0,7%, em 1991, ano em que a própria União Soviética se desintegrou, após a dissolução do Bloco Socialista.

A China, em termos estratégicos, tornou-se para os Estados Unidos o mais importante país do mundo no último quartel do século XX e começou a receber enorme influxo de homens de negócios das potências capitalistas do Ocidente. Atualmente, 2011, a China é o maior credor dos Estados Unidos, com reservas de mais de US$ 3 trilhões, como salientou Durval de Noronha Goyos, das quais apenas US$ 1,145 trilhão estão investidos em U.S. Treasuries, pouco mais de um terço do volume total, dado que, diante da extrema fragilidade da economia americana, ela continua a diversificar o perfil de suas aplicações em outras divisas.

A dívida soberana dos Estados Unidos, evidentemente, já não é o instrumento mais seguro para armazenar o valor das reservas. Contudo, a China ainda não pode desfazer-se totalmente das reservas em dólares, que agora representam apenas pouco menos de 10% do PIB americano, porquanto a quebra dos Estados Unidos também lhe traria imensos prejuízos. Não sem razão Wen Jiabao, primeiro-ministro da República Popular da China, declarou que:

“Entretanto, quando falamos sobre o estágio inicial, não deveríamos pensar apenas nas forças produtivas subdesenvolvidas. Deveríamos também reconhecer que o sistema socialista ainda tem espaço para aperfeiçoamento e que não é ainda um sistema maduro. Camarada Deng Xiaoping indicou que em essência, socialismo diz respeito à liberação e desenvolvimento das forças produtivas, eliminação da exploração e polarização, e basicamente alcançar a prosperidade para todos”.

E acentuou que:

“Sem o desenvolvimento pleno e sustentado das forças produtivas, será impossível alcançar a equidade e justiça, uma condição essencial do socialismo”.

Wen Jiabao previu o “estágio primário do socialismo nos próximos 100 anos” e afirmou que o Partido Comunista da República Popular da China persistiria executando as reformas e inovação para assegurar o vigor e vitalidade e assegurar o socialismo com as características chinesas. Isto não significa que a aurora da China possa já configurar o advento do socialismo. O capitalismo foi o único modo de produção que teve a capacidade de expandir-se por todos os continentes e estabelecer, com a criação do mercado mundial e a divisão internacional do trabalho, uma ordem econômica internacional, integrando, como um bloco assimétrico, potências industriais e países agrícolas e atrasados ou em desenvolvimento, denominados periféricos e emergentes. Daí a impossibilidade de instituir, na moldura nacional, um sistema harmônico e auto-suficiente, com todos os ramos econômicos, sem considerar as condições geográficas, históricas e culturais do país, que somente constitui um elemento da unidade econômica mundial. E, conforme Karl Marx concluiu das suas pesquisas, uma formação social nunca desmorona sem que as forças produtivas dentro dela estejam suficientemente desenvolvidas, e que as novas relações de produção superiores jamais aparecem, no lugar, antes de que as condições materiais de sua existência sejam incubadas nas entranhas da própria sociedade antiga.

A emergência da China como a maior potência econômica mundial marcará o século XXI.

Luiz Alberto Moniz Bandeira
St. Leon-Rot (Baden-Württemberg), set. 2011

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