Editorial desta terça-feira, 02/08, do Vermelho:
O lado emocional foi demonstrado pela congressista Eleanor Holmes Norton que respondeu à pergunta de um repórter dizendo: “não penso, só choro”. A postura da líder democrata na Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, foi mais política e, de certa forma, realista. Ela criticou o acordo acertado entre as lideranças democratas e republicanas neste final de semana, e aprovado pela Câmara na segunda-feira; o plano, disse, faz cortes no orçamento nocivos à saúde econômica do país e vai sacrificar gastos sociais, mas não tira “nem um centavo” dos mais ricos do país. Agora o projeto precisa ser aprovado pelo Senado, onde o governo de Barack Obama tem uma maioria estreita.
A gravidade da situação econômica dos EUA tem uma longa história e vários agravantes que levam muitos analistas a supor que o acordo aprovado pela Câmara não passa de um “band-aid”, como disse um deles.
Ela resulta da farra do dinheiro fácil que comandou a economia nas últimas décadas e permitiu aos mais ricos multiplicar seu patrimônio, enquanto os mais pobres viram seus salários e benefícios diminuírem, embora tenham sido incentivados a incrementar seu consumo aumentando suas dívidas. Um primeiro resultado dessa receita nefasta foi a crise de 2007/2008, que contaminou o mundo e expôs as fragilidades da economia dos EUA, onde o crescimento do patrimônio dos mais ricos esteve baseado nos sucessivos cortes de impostos promovidos desde o governo de Ronald Reagan, na década de 1980, na queda da renda dos trabalhadores e nos cortes dos gastos sociais do governo.
Além disso, neste período o governo dos EUA aumentou como nunca seus gastos militares que, hoje, alcançam – segundo analistas independentes – a himalaica quantia de US$ 1,5 trilhão, um valor que corresponde ao déficit orçamentário norte-americano, iguala o PIB (soma de tudo o que é produzido em um ano) do Brasil, e é gasto fundamentalmente nas agressões contra o Iraque e o Afeganistão e na manutenção de 560 bases militares pelo mundo afora, e também de dispositivos militares mobilizados contra os povos, como a 4ª frota que ameaça o Atlântico Sul e a costa brasileira.
Há décadas que os analistas mais argutos denunciam que os EUA vivem do parasitismo, com um nível de consumo e de gastos fora de sua capacidade produtiva. O impasse vivido desde o mês de maio, quando o governo de Washington chegou ao limite de sua capacidade de endividamento (de US$ 14,3 trilhões), ameaçava o mundo com uma crise econômica de gravidade nunca vista. O horizonte de calote podia empurrar o mundo ainda mais fundo no buraco negro representado pela enferma economia dos EUA.
A solução aprovada pela Câmara empurra os problemas para a frente sem resolvê-los. São problemas de uma potência em declínio que se defronta com impasses internos e, mais do que isso, com o empenho da classe dominante em manter sobre o mundo o mesmo domínio e a mesma exploração que se acentuaram desde a proeminência alcançada pelos EUA no final da 2ª Grande Guerra, há 65 anos, e aparentemente reforçada com a dissolução da URSS, há duas décadas.
Impasse que opõe, de um lado, as aspirações democráticas e, de outro, o fundamentalismo neoliberal republicano (cujo extremo é a direita radical representada pelo Tea Party), que rejeita qualquer taxação dos mais ricos e do capital, não aceita cortes nos gastos militares, quer dogmaticamente o estado mínimo e defende com unhas e dentes a herança neoliberal de Reagan e Bush, mantida em suas linhas fundamentais por Barack Obama.
O acordo acertado entre democratas e republicanos, que prevê cortes orçamentários de mais de US$ 2,4 trilhões em dez anos, mas mantém intocados os patrimônios e a renda dos mais ricos, empurrou o risco para o futuro imediato. A crise da dívida dos EUA repete o mesmo roteiro já enfrentado pelos países da América Latina e outros do chamado Terceiro Mundo e que foi enfrentado com ajustes neoliberais draconianos para os povos e os trabalhadores e favoráveis aos interesses dos donos do dinheiro no mundo. As diferenças são a escala, que envolve valores vertiginosos e que podem empurrar todas as economias nacionais para dificuldades enormes, e o fato de que o alvo do dogmatismo neoliberal é constituído agora não por populações de países da periferia do mundo capitalista, mas pelo povo que habita a nação que constitui o coração desse sistema – os trabalhadores dos EUA.
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