Nem tudo que é novo é revolucionário, nem toda regra é reacionária
Importante texto publicado no Vermelho, de Carlos Pompe, jornalista, escritor, intelectual, com raízes em Alagoas, onde trabalhou nos principais jornais do Estado, dentre os quais a Gazeta de Alagoas; foi membro da direção estadual do PCdoB em Alagoas onde militou entre os anos 70 e 80, sendo depois convocado para exercer atividades na imprensa nacional do partido – Tribuna da Luta Operária e A Classe Operária.
"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.
Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.
Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."
Graciliano Ramos
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A escola é, ou deveria ser, lugar de formação do cidadão, de transmissão de conhecimentos, de contato com a ciência, de apreciação do belo. Paulo Freire dizia que “o ser cidadão é o ser político, capaz de questionar, criticar, reivindicar, participar, ser militante e engajado, contribuindo para a transformação de uma ordem social injusta e excludente.”
No caso da aprendizagem da língua, a escola deve ampliar o universo linguístico do aluno, auxiliá-lo a adquirir um bom vocabulário e a combinar adequadamente as palavras. Saber expressar os próprios pensamentos e opiniões é fundamental para o exercício da cidadania e, também, para a ascensão social. Em “Vidas Secas”, Graciliano Ramos registra o sofrimento de Fabiano por não dominar as palavras.
Muitos dos nossos melhores jornalistas não tiveram curso superior, mas exploravam os recursos da língua, seja para expressar o vocabulário popular, seja para fazer-se entender por leitores da mais variada formação escolar. Autores como Guimarães Rosa e Mário de Andrade registraram em suas obras o falar popular, mas nem por isso prescindiram das regras gramaticais.
A fala e a escrita são modalidades diferentes da língua, mas pertencem ao mesmo sistema. E a língua padrão – a que deve ser ensinada na escola – favorece que um interlocutor distante no tempo e no espaço compreenda a mensagem escrita. Há a fala mais descontraída, numa conversa de botequim ou em casa; mas há também a mais planejada, numa apresentação ou entrevista para emprego. Na escola, e na vida, é preciso o conhecimento de ambas. Se ao professor cabe respeitar as diferenças de linguagem, cabe-lhe também ensinar a escrever e falar bem, com correção e elegância. Para isso, capítulos da gramática, como concordância, regência, formação de plural, normas da acentuação, conjugação verbal etc. não são um engessamento, mas uma ferramenta.
Estudante, tenha a idade que tiver, deve ter abertos para si novos horizontes na prática da escrita e da oralidade. Quando ler o Cebolinha tlocando letlas, saberá que a grafia adotada por Maurício de Souza é para registrar o problema de fala do garoto, e não que essas grafia e pronúncia são as corretas. Dominar o idioma exige empenho, estudo, trabalho – não é um ato espontâneo. Requer memória e raciocínio. “Todo o começo é difícil — isto vale em qualquer ciência”, indicou Marx, que escrevia em alemão, grego, inglês, francês e russo, respeitando as regras de cada idioma.
O livro de Heloísa Ramos é didático, e não de linguista ou para linguistas. Ninguém fala em preconceito verbal quando os professores de inglês ensinam “The book is on the table”, mas haveria justa reclamação se ensinassem “The books is on the tables” (Os livros está nas mesas). E não é considerado discriminação se o mestre emendar os alunos que disserem “We is the World”, afirmando que “o certo é We are the World” (Nós somos o mundo).
Como escreveu em carta aberta ao ministro da Educação um professor de Brasília, língua não se constrói por decreto, mas se organiza a partir de um. Há de se ter uma organização e, mais ainda, há de se propagar, por todo o país, o modo CORRETO de se escrever, para que TODOS os brasileiros tenham chance de construir uma carreira como advogado, até chegar ao ponto máximo dela – ministro do Supremo Tribunal Federal.
Machado de Assis, que não tinha diploma, mas tinha sabedoria e conhecimento e era cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta, ensinou-nos: “A influência popular tem um limite; e o escritor não está obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e a moda inventam e fazem correr. Pelo contrário, ele exerce também uma grande parte de influência a este respeito, depurando a linguagem do povo e aperfeiçoando-lhe a razão”. Vale para 1872, quando foi escrito, e vale também para hoje, adicionando, ao escritor, o comunicador e o professor.
"Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã,"
versou Carlos Drummond de Andrade, mestre da língua que sabia como, inclusive, ferir dogmas gramaticais, quando tinha (e não “havia”) uma pedra no caminho.
Carlos Pompe
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