quinta-feira, 23 de maio de 2019

A última flor do Lácio

Meu novo artigo, publicado também na Gazeta de Alagoas, Tribuna do Sertão e Tribuna do Agreste:


Chico Buarque ganhou o prêmio Luís de Camões, o maior da literatura e cultura da língua portuguesa. Outros brasileiros também já foram laureados com a mesma distinção, como João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado e outros.

Tudo isso nos leva a algumas reflexões em meio às turbulências políticas e institucionais, além dos constantes ideologismos que tomaram conta não apenas do País, mas de quase todo o mundo.

É preciso lembrar que Chico Buarque sempre teve atitudes políticas mesmo nos momentos mais difíceis durante a luta contra o autoritarismo que se iniciou em 1964.

Mas na verdade a sua maior vocação, onde ele domina como poucos o seu ofício, é a música, a poesia e a literatura. O seu traço é o desprendimento, a generosidade e a solidariedade para com os injustiçados.

A sua premiação também serve para outros assuntos que ultrapassam a conjuntura política e a decidida oposição ao governo Bolsonaro.

Trata-se do enorme vendaval de imposições de anglicismos e versões colonialistas que vêm tomando conta do País, a consequente perda de identidade linguística, cultural e política que nos atinge.

E sem identidade não somos coisíssima nenhuma, mas uma nação continental, a quinta maior do planeta, habitada por indivíduos que vivem eternamente no presente contínuo, sem passado ou perspectiva de futuro, fragilizados pelo desconhecimento da sua História.

Vivemos uma época da chamada Pós Verdade, inventada por espertalhões que vendem uma espécie de demência cultural, onde os fatos acontecidos e a sua versão, podem ser ao gosto do cliente ou interesses de grupos, que se transmutam como um vírus, provocam a perda da memória de um povo.

Um povo sem memória é um povo à mercê de qualquer coisa, indefeso, como uma pessoa que possui Alzheimer em estado adiantado. Precisa de acompanhamento dos familiares, cuidadores sempre atentos.

A perda da memória nacional não é circunstancial, ela é ideológica, e não é espontânea, possui injunções do Mercado financeiro e outros mais. Hoje cresce a desconstrução das nossas referências não só políticas, mas culturais, uma espécie de reinvenção do que nunca existiu.

O desdém pela História verdadeira é algo sério, porque põe por terra o nosso sentido de pertencimento coletivo.

Sem História, sem nossas referências artísticas, culturais, sem a nossa língua seríamos, afinal, um nada absoluto.

Há uma onda de desconstrução do nosso itinerário, e não é de hoje, ao ponto em que cada grupo interessado reconta os acontecimentos conforme os seus próprios interesses, incentivados por “generosos’ financiamentos externos. Essa tendência, sejamos francos, é democrática, encontra-se tanto à direita como à esquerda.

O que lembra um prefeito reivindicando certo episódio para o seu município: a História, eu conto como achar melhor.

O prêmio Camões é o maior da cultura em língua portuguesa, que Olavo Bilac narrou como “A última flor do Lácio”, a derradeira língua nascida do latim falado pelos soldados romanos em Portugal. Camões a consolidou em Os Lusíadas, considerada uma das oito maiores epopeias da humanidade.

Mas quem quiser pode estudá-la em inglês na Universidade de Columbia, ou em outras, nos EUA. Porque lá levam a sério as grandes contribuições dos outros povos. Nem que seja para zelar pela hegemonia deles.

Atolados numa Guerra Híbrida foi preciso que Chico Buarque merecidamente ganhasse o prêmio Camões, para nos lembrar que falamos o português e somos brasileiros.

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