quinta-feira, 19 de março de 2015

"EUA desestabilizam democracias na América Latina", diz Moniz Bandeira

O cientista político e historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira denuncia que os EUA por meio de órgãos como a CIA, NSA (Agência Nacional de Segurança) e ONGs continuam na tentativa de desestabilizar governos progressistas da América Latina, como os da Venezuela, Argentina e Brasil.

Moniz Bandeira é o brasileiro indicado ao Prêmio Nobel de Literatura de 2015. A indicação foi feita pela União Brasileira de Escritores (UBE), a pedido da Real Academia Sueca.

Em seu comunicado a respeito da indicação o presidente da UBE explicou o porquê da escolha: "Moniz Bandeira é um intelectual que vem repensando o Brasil há mais de 50 anos. Com fundamentação absolutamente consistente, suas narrativas são exercícios da literatura aplicada ao conhecimento dos meandros da política exterior, não só do Brasil mas de outros países cujas decisões afetam, para o mal ou para o bem, a vida, a nacionalidade e a própria identidade brasileira".

Transcrevemos aqui a entrevista concedida por ele, por e-mail, uma vez que reside na cidade alemã de Heidelberg, onde é cônsul honorário do Brasil, publicada no Vermelho:

O líder do PT, Sibá Machado, comentou nas redes sociais que a CIA tem atuado nas tentativas de desestabilização de governos democráticos na América Latina. Como o senhor avalia isso, diante de vários episódios históricos que mostram os EUA por trás da desestabilização de governos de esquerda e progressistas?
Moniz Bandeira – Washington, há muito tempo, cria ONGs com o fito de promover demonstrações empreendidas, com recursos canalizados através da USAID, National Endowment for Democracy (NED) e CIA; Open Society Foundations (OSF), do bilionário George Soros, Freedom House, International Republican Institute (IRI), sob a direção do senador John McCain, etc. Elas trabalham diretamente com o setor privado, municípios e cidadãos, como estudantes, recrutados para fazerem cursos nos Estados Unidos. Assim o fizeram nos países da Eurásia, onde de 1989 ao ano de 2000 foram criadas mais de 500.000, a maioria das quais na Ucrânia. Outras foram organizadas no Oriente Médio para fazer a Primavera Árabe.

A estratégia é aproveitar as contradições domésticas do país, os problemas internos, a fim de agravá-los, gerar turbulência e caos até derrubar o governo sem recorrer a golpes militares. Na Ucrânia, dentro do projeto TechCamp, instrutores, a serviço da Embaixada dos Estados Unidos, então chefiada pelo embaixador Geoffrey R. Pyatt, prepararam, desde pelo menos 2012, especialistas, profissionais em guerra de informação e descrédito das instituições do Estado, a usar o potencial revolucionário da mídia moderna – subvencionando a imprensa escrita e falada, TVs e sites na Internet – para a manipulação da opinião pública, e organização de protestos, com o objetivo de subverter a ordem estabelecida no país e derrubar o presidente Viktor Ianukovitch, em fevereiro de 2014.

Essa estratégia baseia-se nas doutrinas do professor Gene Sharp para descrever como derrubar um governo e conquistar o controle das instituições, mediante o planejamento das operações e mobilização popular no ataque às fontes de poder nos países hostis aos interesses e valores do Ocidente (Estados Unidos). Essa estratégia pautou em larga medida a política de regime change, a subversão em outros países, sem golpe militar, incrementada pelo presidente George W. Bush, desde as chamadas “revoluções coloridas” na Europa e Eurásia, assim como na África do Norte e no Oriente Médio. Explico, em detalhes e com provas, como essa estratégia se desenvolve em meu livro A Segunda Guerra Fria, e, no momento estou pesquisando e escrevendo outra obra – A desordem mundial - onde aprofundo o que ocorreu e ocorre em vários países, sobretudo na Ucrânia.

Além da CIA, como os EUA atuam contra os governos de esquerda da América Latina?
Não se trata de uma questão ideológica, mas de governos que não se submetem às diretrizes de Washington. Uma potência mundial, como os Estados Unidos, é mais perigosa quando está perdendo a hegemonia do que quando expandia seu Império. E o monopólio que adquiriu após a Segunda Guerra Mundial de produzir a moeda internacional de reserva – o dólar – está sendo desafiado pela China, Rússia e também pelo Brasil, que está associado a esses países na criação do banco internacional de desenvolvimento, como alternativa para o FMI, Banco Mundial etc. Ademais, a presidenta Dilma Rousseff denunciou na ONU a espionagem da NSA, não comprou os aviões - caça dos Estados Unidos, mas da Suécia, não entregou o pré-sal às petrolíferas americanas e não se alinhou com os Estados Unidos em outras questões de política internacional, entre as quais a dos países da América Latina.

O governo da Venezuela tem denunciado a participação de Washington em tentativas de golpe. O mesmo poderia estar acontecendo em relação ao Brasil?
Evidentemente há atores, profissionais muito bem pagos, que atuam tanto na Venezuela, Argentina e Brasil, integrantes ou não de ONGs, a serviço da USAID, National Endowment for Democracy (NED) e outras entidades americanas. Não sem razão o presidente Vladimir Putin determinou que todas as ONGs fossem registradas e indicassem a origem de seus recursos e como são gastos. O Brasil devia fazer algo semelhante. As demonstrações de 2013 e as últimas, contra a eleição da presidenta Dilma Rousseff, não foram evidentemente espontâneas. Os atores, com o suporte externo, fomentam e encorajam a aguda luta de classes no Brasil, intensificada desde que um líder sindical, Lula, foi eleito presidente da República. Os jornais aqui na Alemanha salientaram que a maior parte dos que participaram nas manifestações de domingo, dia 15, era gente da classe média alta para cima, dos endinheirados. 

Que interesses de Washington seriam contrariados, pelo governo do PT, para justificar a participação da CIA e de grupos empresariais de direita, como os irmãos Koch (ramo petroleiro), no financiamento de mobilizações contra Dilma? O pré-sal, por exemplo?
Os interesses são vários como expliquei acima. É muito estranho como começou a Operação Lava-Jato, partir de uma denúncia “premiada”, com ampla participação da imprensa, sem que documentos comprobatórios aparecessem. O grande presidente Getúlio Vargas já havia denunciado, na sua carta-testamento, que “a campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. (...) Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”.

Como o senhor interpreta o surgimento de grupos de direita no Brasil, com agenda totalmente alinhada aos interesses dos EUA?
Grupos de direita estão no Brasil como em outros países. E despertaram com a crise econômica deflagrada em 2007-2008 e que até hoje permanece, em vários países, como o Brasil, onde irrompeu com mais atraso que na Europa. E a direita sempre foi fomentada pelos interesses de Wall Street e do complexo industrial nos EUA, que é ceivado pela corrupção, e onde a porta giratória – executivos de empresas/secretários do governo – nunca deixa de funcionar, em todas as administrações.


Há entre os organizadores dos protestos, gente francamente favorável à privatização da Petrobrás e das riquezas nacionais, com um evidente complexo de vira-latas diante dos interesses estrangeiros. Como analisar esse movimento à luz da história brasileira? De novo o nacionalismo versus o entreguismo?
Está claro que, por trás da Operação Lava-Jato, o objetivo é desmoralizar a Petrobrás e as empresas estatais, de modo a criar as condições para privatizá-las. Porém, estou certo de que as Forças Armadas não permitirão, não intervirão no processo político nem há fundamentos para golpe de Estado, mediante impeachment da presidenta Dilma Rousseff, contra a qual não há qualquer prova de corrupção, fraude eleitoral etc., elemento sempre usado na liturgia subversiva das entidades e líderes políticos que a USAID, NED e outras entidades dos EUA patrocinam.
                                      

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