sexta-feira, 27 de maio de 2011

Crônica de uma grande mulher: Vera Romariz

Admirador do talento da grande amiga Vera Romariz, pedi a ela que nos brindasse com suas crônicas para publicação em nosso blog. Ela nos enviou essa a que deu o título de “Crônica Meio Chata”, por meio da qual nos conta os momentos pelos quais tem passado e que certamente ficarão para trás.


Crônica Meio Chata


Em novembro tive um diagnóstico de tumor neoplásico no seio: traduzindo, tratava-se de um câncer de mama. Nunca fumei, nunca bebi, não fiz reposição hormonal para (ironia das ironias) evitar o câncer, que chegou como um vendaval.

Ele veio; como um visitante inoportuno, instalou-se em minha casa um mês depois que fiz uma festa para amigos próximos, comemorando a alegria de ter alcançado (pensava eu) feliz e saudável os 60 anos. Entrou em meu cotidiano sem pedir licença, adiou sonhos, assustou o companheiro e comoveu os filhos que vieram de longe acompanhar minha luta ainda em curso.

Cultivei sempre a alegria e evitei olhar para a vida com lentes cinzentas; fui confiante, determinada e positiva em relação à maioria de minhas experiências. Gostava e gosto de brincar; julgo que o espírito artístico mantém um gosto de criança eterna em mim. Sorrir de mim mesma ou de situações sempre me fez bem; a alegria era uma segunda pele.

Se o espírito leve que existia em mim não evitou o sofrimento, ajudou a minimizá-lo; amada e bem protegida por ótimos médicos (Doutores Pedro Henrique, Patrícia Amorim e Gustavo Quintella), caminhei com bons apoios afetivos e profissionais, tentando entrever, em meio ao percurso doloroso, a estrela guia da Cura, sempre meio provisória.

O que aprendi nessa via crucis moderna? A consolidar a humildade e a não esconder a verdade: o cansaço proveniente das sessões de químio me ensinou, a contragosto, a andar devagar, a pedir ajuda, a dizer claramente que tinha câncer, que estava em tratamento, quando precisava enfrentar uma fila inevitável. E recebi ajuda delicada e sensível de pessoas simples, que pegavam minhas compras, diziam palavras carinhosas, me encantavam. Os amigos foram mais que irmãos; os irmãos foram quase pais.

Julgo que o câncer me tornou uma pessoa melhor; mas, cá entre nós, que curso duríssimo! Mais duro que o vestibular de Medicina ou o meu doutorado. Agora, reinicio lentamente a fazer pequenos planos: ir a Salvador, cidade que amo e onde estão dois filhos e quatro netos; a Buenos Aires, talvez; à Europa, sempre que puder.

Enfim, aprendi que o câncer não arrancou de minha existência o que considero meu maior legado: a escrita, os meus, e - enfim - eu mesma. Provisoriamente careca; a duras penas tentando voltar a ser feliz.

Vera Romariz

Um comentário:

  1. AS CRONICA DE VERA ROMARIZ SÃO UMA LIÇÃO DE VIDA
    SÃO CRONICA DE QUEM ESCOLHEU A LITERATURA COMO
    FORMA DE VIDA.EXUBERANTE.FANTASTICA.

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