sexta-feira, 29 de abril de 2011

Haroldo Lima: O sentido das “mudanças” no socialismo em Cuba


Em um ensaio de natureza teórica, Haroldo Lima, membro do Comitê Central do PCdoB e Diretor Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), faz uma análise do que tem sido chamado de mudanças no socialismo de Cuba. O resultado é um longo e profundo artigo. Reproduzimos aqui alguns trechos de seu texto, que pode ser lido na íntegra em:

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=152722&id_secao=7


Por Haroldo Lima
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Ao surgir a “Cuba Socialista”, há cinquenta anos, foi como se uma estrela-guia passasse a iluminar o firmamento americano. Naquela época, não se esperava que nessa parte do mundo, e tão perto dos Estados Unidos, fosse surgir o “território livre das Américas”, hasteando a rubra bandeira do socialismo. E a revolução cubana tornou inamovíveis as trincheiras da soberania de Cuba, ao tempo em que empreendia as grandiosas tarefas da construção do socialismo.

Cedo os Estados Unidos puseram-se a campo para liquidar com tanta audácia e passaram a sórdidas e permanentes agressões, como a invasão da baia dos Porcos, as inúmeras tentativas de assassinar o líder principal da Revolução, Fidel Castro, as várias sabotagens, tudo culminando com o covarde bloqueio comercial, econômico e financeiro instituído em 1962, por dezenove vezes condenado pela ONU, mas até hoje em vigor.

Os percalços da construção socialista em Cuba foram e estão sendo enfrentados com a tenacidade e heroísmo de seu povo, de seu Partido e de seus líderes, com Fidel à frente. E as conquistas começaram a se acumular. O país passou a ter uma defesa sólida, baseada em forças armadas bem treinadas e povo mobilizado. E, aspecto principal, avançou sobremaneira no terreno social. Segundo a Wikipédia, “Cuba tem uma taxa de alfabetização de 99,8%, uma taxa de mortalidade infantil inferior apenas a de alguns países desenvolvidos e uma expectativa de vida média de 77,64”...

... parte dessas dificuldades, as relacionadas com a pouca base industrial, o sistema colonial e o atraso cultural, faz-nos lembrar dos requisitos preliminares à emergência do socialismo – relações próprias de capitalismo desenvolvido – indicados pelos fundadores do socialismo científico. A ausência desses pré-requisitos em algum país contribui para transformá-lo em um “elo frágil” da cadeia do imperialismo mas, como alertou Florestan Fernandes, “o 'elo frágil', se facilita a revolução, interfere de modo profundamente negativo em sua evolução”. Segundo Florestan, “os obstáculos resultantes do colonialismo, do atraso cultural e do desenvolvimento desigual tenderão a interferir no processo revolucionário, retardando-o, deformando-o ou o interrompendo” (F. Fernandes, Em Defesa do Socialismo, 1990).

Os desafios do momento e o Congresso de “mudanças”


Apesar de tudo, Cuba conquistou grandes vitórias, especialmente no campo social, mas não só. Desde 2002 cresce, quase sempre, a uma média superior a 5%, tendo atingido de 11% a 12% em dois anos consecutivos. Mas, problemas de fundo foram se acumulando na economia cubana, decorrentes de sua herança estrutural. Em 1991, com a dissolução da União Soviética, que lhe comprava 60% do açúcar e lhe fornecia petróleo e manufaturas, a situação se agravou. Esforços inauditos foram feitos e resultados até surpreendentes foram conseguidos, mas no limiar do sacrifício. Novos problemas e grandes prejuízos sucedem, a partir de adversidades climáticas (16 furacões entre 1998 e 2008). A crise capitalista de 2008, ainda não superada, provoca, por fim, a redução do seu crédito internacional.
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É neste contexto, de convicção quanto à necessidade de manutenção do socialismo e de dificuldades e apreensões quanto aos mecanismos de garanti-lo e desenvolvê-lo, que se realizou o 6º Congresso do Partido Comunista de Cuba, entre 16 e 19 de abril passado. O Partido mostrou-se à altura dos desafios, e soube tomar medidas para preservar o socialismo, fazendo mudanças consideradas imprescindíveis. O Informe do camarada Raúl Castro foi o ponto alto do Congresso. Discutido durante três dias, foi aprovado.

O Informe diz que, “com total segurança”, a “vontade do povo” é de “atualizar o Modelo Econômico e Social, com o objetivo de garantir a continuidade e irreversibilidade do socialismo, assim como o desenvolvimento econômico do país e a elevação do nível de vida, conjugados com a necessária formação de valores éticos”.
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Desenvolvendo e atualizando o Modelo Econômico e Social


Ponto importante das proposições é o que aborda a questão central da atualização do Modelo Econômico e Social: “o incremento do setor não estatal da economia”. De saída o Informe enfrenta a questão que geralmente é suscitada. Significará esta medida o início do abandono do socialismo? Será o caminho da privatização, tão a gosto do neoliberalismo? Raúl Castro, enfático, responde: “O incremento do setor não estatal, longe de significar uma suposta privatização da propriedade social, como afirmam alguns teóricos, está chamado a converter-se em um fator de fortalecimento da construção do socialismo em Cuba”...

O Estado, nos termos do Informe, poderá “elevar sua eficiência nos setores fundamentais da produção, que são propriedade de todo o povo, e conseguirá afastar-se da administração de atividades não estratégicas para o país”; estará pronto para “defender a soberania e a independência nacional”; “continuará, em condições mais favoráveis, assegurando a toda a população, por igual e de maneira gratuita, os serviços de Saúde e Educação, protegendo-os mediante os sistemas de Seguridade e Assistência Social, promovendo a cultura física e o esporte em todas as suas manifestações e defendendo a identidade e a conservação do patrimônio cultural e a riqueza artística, científica e histórica da Nação.”
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A linha das mudanças propostas pelo Informe é oportuna e decorre da decisão do Partido de Cuba de perseverar no caminho socialista. Riscos haverá, mas sobre eles, vale o vaticínio do deputado Ariel: “Nós, os cubanos, sabemos que estamos correndo muitos riscos. Mas o maior risco é não mudar”. E vale o prognóstico de Raúl Castro: “Estamos convencidos de que a única coisa que pode derrotar a Revolução e o Socialismo em Cuba, pondo em risco o futuro da Nação, seria nossa incapacidade de superar os erros que cometemos durante mais de cinquenta anos e os novos que poderão ocorrer.”

Conclusão


As mudanças encaminhadas no 6º Congresso do Partido Comunista Cubano têm sentido histórico. Tranquiliza os revolucionários de todo o mundo quanto às possibilidades da Ilha superar suas deficiências, ganhar produtividade em seu trabalho e, assim, perseverar no vitorioso rumo socialista, abrindo perspectiva de melhorias amplas para seu povo. Essas mudanças são a resposta dos comunistas cubanos a problemas que já foram registrados em outras ocasiões, por dirigentes de outras experiências socialistas do mundo.

O primeiro registro é da situação enfrentada por Lênin, quando encabeçou a Nova Política Econômica , a NEP, no início de 1921, para vigorar na Rússia socialista, pouco antes da criação da União Soviética. A economia passaria a contar com empreendimentos privados e a propriedade estatal situava-se nos pontos estratégicos. Em janeiro de 1923, um ano antes de morrer, Lênin escreveu seu trabalho Sobre a Cooperação, e aí afirma: “Com efeito, todos os grandes meios de produção em poder do Estado e o poder do Estado em mãos do proletariado; a aliança deste proletariado com os milhões e milhões de pequenos e microcamponeses; a direção dos camponeses pelo proletariado etc.; por acaso não é disto que se necessita para edificar a sociedade socialista completa, partindo da cooperação (...) que antes alcunhávamos de mercantilista?”.

O segundo registro foi o que se deu na China, em 1978, quando o camarada Deng Xiaoping, às voltas com problemas de baixa produtividade do trabalho, formulou a teoria do “socialismo com peculiaridades chinesas”. Dita teoria foi tendo muitos desdobramentos conceituais, chegando hoje o PC da China a caracterizar a economia do seu país como “socialismo de mercado”. Um balanço feito no 15º Congresso do PC da China, no final de 1997, pelo camarada Jiang Zemin, secretário-geral do Partido, traça o perfil básico do modelo econômico em desenvolvimento na China, que se pode reproduzir nesses tópicos: “vive a China a etapa primária do socialismo”; “uma economia socialista de mercado está em construção”; “o socialismo requer posição dominante da propriedade pública e o desenvolvimento paralelo de diferentes formas de propriedade”; “a posição dominante da propriedade pública deve manifestar-se principalmente através da predominância dos ativos públicos sobre o total dos ativos da sociedade e do controle do setor de propriedade estatal sobre os aspectos fundamentais da economia nacional”; “o setor estatal tem o papel dirigente no desenvolvimento econômico”; “a propriedade pública pode e deve tomar diferentes formas”; “a propriedade coletiva é um componente importante do setor público da economia”; “e o setor não público – empresas privadas e individuais – é um componente importante da economia de mercado socialista da China”.

Registre-se ainda que o Partido do Trabalho do Vietnã também empreende a construção do socialismo em seu país, reservando a propriedade estatal aos pontos vitais da sua economia.

Por último, lembremos que Marx e Engels nunca descreveram formas concretas de como seria o socialismo, inclusive porque não viveram esta experiência. O que mais fizeram foi sinalizar traços gerais sobre o socialismo e o comunismo. Na Crítica ao Programa de Gotha, Marx acentua que a sociedade comunista se originaria da capitalista e, por isso, apresentaria, “durante um longo período”, “em todos os aspectos, o selo da velha sociedade de cuja entranha procede”. E Engels, em famosa carta a Otto Breslau, em agosto de 1890, faz essa reflexão: “Assim, se temos partidários suficientes entre as massas, poder-se-á logo socializar a grande indústria e a grande agricultura latifundiária, desde que o poder político esteja em nossas mãos. O mais virá mais ou menos rapidamente. E tendo a grande produção, seremos donos da situação”.

As experiências socialistas da China e do Vietnã têm feito grandes progressos. As “mudanças” do socialismo em Cuba foram para fortalecer o socialismo. Este o sentido das mudanças.

Que após o 6º Congresso do PC de Cuba, este “território livre das Américas” revitalize suas forças para continuar a dar, como sempre fizeram, sua contribuição valiosa à causa universal do socialismo.

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