quarta-feira, 3 de junho de 2020
Tempos dramáticos
Com a pandemia do corona vírus, que provocou uma crise sanitária inigualável nos últimos 80 anos, com milhões de infectados e centenas de milhares de falecidos, as cadeias da ordem mundial interconectadas entraram em colapso, apesar do crescente, e estratosférico, lucro do capital financeiro especulativo e parasitário.
Mas o colapso sistêmico não implica a morte da globalização financeira, muito menos o poder gigantesco da sua hegemonia, que deu um salto fantástico a partir da crise mundial em 2008, iniciada nos Estados Unidos.
Os mega especuladores globais continuam ditando as agendas financeiras, políticas, midiáticas, culturais, em escala planetária, à exceção do protagonismo soberano de Estado de algumas potências mundiais, que a exercem seja através da magnitude da sua economia, como a China, ou pelas vias do poder militar, como a Rússia, herdado da extinta União Soviética.
Vejamos a escala do poder, e magnitude, da Governança Mundial exercida antes da pandemia do corona vírus, sob a égide do capital financeiro especulativo em dimensão internacional.
O mundo já vivia uma época de rupturas que se acentuaram rapidamente nos últimos anos. O vácuo político, a desorientação generalizada, o conformismo ao status quo da globalização das finanças e suas diretivas, eclipsaram muitas forças políticas importantes nas sociedades.
E permitiram a ascensão ao comando dos governos centrais, de grupos políticos de inspirações autoritárias, com inclinações fascistas, como é o caso do presidente Bolsonaro no Brasil.
A História nos ensina que em épocas de brutal exploração dos povos e nações, o capital financeiro rentista se utiliza sempre de soluções e grandes ameaças à democracia, de rupturas do pacto democrático, como tem sido recorrente com Bolsonaro.
Seria uma grande ingenuidade achar que, além da abolia crônica do mundo político, sem alternativas à crise econômica, social, civilizacional que se abateu sobre o nosso País, a eleição do presidente Bolsonaro não contou com o apoio decisivo de uma parcela do mundo das finanças especulativas global.
O esgotado governo do atual presidente, seja na esfera política, seja no campo das agendas neoliberais ortodoxas, não tem conseguido, como pretendia, impor com pleno êxito, a estratégia radicalizada da precarização das condições de vida dos assalariados, o desmonte do Estado nacional, do parque produtivo estatal e privado, a total alienação das suas imensas riquezas naturais, como por exemplo a Amazônia brasileira. Inclusive, pela pandemia do corona vírus.
Daí a sua insistência em negar a gravidade da crise sanitária e combater as políticas de isolamento social, a única eficaz em pandemias quando ainda não há vacina. Não se trata de pura estupidez, mas a pressa em por em prática a sua agenda para a qual foi escolhido.
A grande mídia global, associada ao projeto do capital especulativo, já percebeu, recentemente, a inviabilidade da gestão Bolsonaro pelo radicalismo, ameaças golpistas, falta de trânsito político, incapacidade de lidar com a agenda neoliberal ortodoxa extremada, o seu isolamento político.
O plano B
Nessa situação em curso, de esgotamento do “projeto Bolsonaro”, das ambições do capital financeiro, que seria uma blitzkrieg, uma operação relâmpago demolidora contra o Brasil, povo, patrimônio e riquezas naturais, articula-se, com certa ligeireza, uma alternativa de poder, com a colaboração da grande mídia global.
O brutal assassinato de Floyd, um homem negro desempregado nos Estados Unidos, gerou indignação e a justa revolta não só nos EUA mas em todo o mundo.
E tem sido com intensidade a cobertura da grande mídia do assunto no Brasil, por mais de sete dias, com horas seguidas, ao vivo, através da mídia hegemônica, via satélite, como agenda central, quase única, pondo em segundo plano a terrível pandemia no Brasil, a crise política e os nossos abismos sociais.
Assim, começou a ficar evidente, para muita gente, que havia algo no ar além dos aviões de carreira, que aliás, se encontram, em sua maioria, no solo, em virtude da pandemia.
O estúpido, covarde e criminoso assassinato de Floyd mereceu o repúdio, indignação de todos os democratas aqui e no mundo.
Lá nos EUA o assassinato do cidadão Floyd foi o estopim contra a brutal crise social, econômica, generalizada, que toma conta do cidadão comum norte-americano, agravada pela pandemia.
Trata-se do racismo violento enquistado nos EUA. Além da insubordinação, a revolta das maiorias nos EUA contra a tragédia que vive o povo norte- americano, em virtude de uma política da globalização financeira que destruiu as estruturas da classe trabalhadora e da classe média, em sua maioria, endividadas ou desempregadas. Isso a grande mídia esconde, não deve por em cheque o sistema de que ela mesmo faz parte.
Aqui no Brasil, como na Europa, também existe a mesma tragédia social, agravada na pandemia, centenas de milhões de pessoas desesperadas, desempregadas, sem teto, trabalho.
Estima-se que teremos 300 milhões de desempregados no mundo após a pandemia, que se juntam às outras dezenas de milhões anteriores à crise sanitária.
Antes da pandemia, que multiplicou, como um reagente catalizador, as nocivas políticas da globalização financeira em todo o mundo e no Brasil, os mega especuladores financeiros, através da grande mídia global, que é a Boca do sistema, empregavam uma agenda social, as pautas indentitárias, na maioria, auto justificáveis.
Mas, cujo objetivo sempre foi a fragmentação da sociedade em movimentos compartimentados, de tribos cosmopolitas, em reinvindicações em torno das suas especificidades de gênero, raça, etc. etc. Muitas culpam as grandes maiorias sociais quanto às suas reinvindicações.
É, como muito se ouvia, cada um na sua caixinha, no seu quadrado. Mas não na participação dos destinos comuns a todos, que implica nas transformações urgentes de uma sociedade profundamente desigual, violenta e excludente.
Em saúde, educação, habitação, segurança pública, emprego, mobilidade social, um País voltado para o Brasil oficial, as elites e parcelas da classe média alta, e de costas para o Brasil real, mais de 180 milhões de brasileiros.
Unidos venceremos, deixou de ser uma máxima Histórica dos povos, e, em alguns círculos, até um slogan condenado.
Com a subjetividade da visão de grupos identitários, sucederam-se ao longo dos últimos tempos uma série de derrotas políticas e eleitorais previsíveis, incluindo para o bolsonarismo, com sua agenda reacionária, preconceituosa, medieval, anticientífica e antinacional.
Mas enfim, o que está em curso no Brasil, nessas últimas semanas, em paralelo às coberturas da mídia às justas revoltas contra a morte do cidadão Floyd, é a articulação de um movimento que possibilite assegurar as políticas neoliberais ortodoxas do ministro Paulo Guedes, do capital financeiro, possivelmente, sem o presidente Bolsonaro. Ou do próprio ministro Guedes.
Talvez, através de alguém mais refinado, com punhos de renda, porém com firmeza na direção dos negócios da agenda econômica que Bolsonaro não conseguiu dar cabo da sua execução. Vivemos tempos muito estranhos, tempos dramáticos.
terça-feira, 2 de junho de 2020
A morte do mestiço brasileiro e a morte do negro norte-americano
Artigo de Aldo Rebelo, publicado no Bonifácio.
Manifestação EUA – A morte de George Floyd pela polícia desencadeou protestos nos Estados Unidos e no mundo.
Uma onda de indignação percorreu os Estados Unidos e espalhou-se pelo Brasil em protesto pelo assassínio de um homem negro, George Floyd, em uma abordagem policial no estado de Minnesota. Floyd foi brutalmente morto por policiais diante de várias testemunhas, e é natural a indignação do mundo contra mais um crime no seio de uma sociedade marcada historicamente pelo racismo.
Lincoln, o presidente humanista, que acabou com a escravidão, achava que não havia lugar para os negros nos Estados Unidos e que eles deveriam aproveitar a liberdade e encaminhar o retorno para a África.
Nos Estados Unidos o abismo que separa as raças não excluiu sequer o humanista Abraham Lincoln, presidente que conduziu o país na Guerra Civil que aboliu a escravidão, mas que achava que os negros não tinham lugar na América branca, e que teriam que aproveitar a liberdade e empreender a jornada de retorno à África.
Aqui no Brasil a morte de Floyd alcançou ampla repercussão na mídia tradicional e entre os chamados movimentos sociais. O que espanta é que tal indignação não ocorra quando milhares de jovens mestiços brasileiros são vítimas da escalada da violência diante do silêncio constrangedor e cúmplice da mesma mídia e dos movimentos sociais tidos como progressistas.
Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos produziram a literatura com os mestiços de Canudos, os jagunços de Minas Gerais e os sertanejos de Alagoas.
Uma ligeira busca na internet é suficiente para comprovar que antes de ser morto nas ruas do País, o mestiço brasileiro já está morto nas estatísticas, nas notícias da imprensa e nas manifestações das redes sociais das correntes identificadas com as lutas libertárias.
O morticínio dos mestiços não desperta uma nota de pé de página da nossa mídia tradicional e nem uma singela manifestação de pesar ou um lamento dos grupos sociais progressistas. Aliás, a palavra mestiço foi banida da narrativa dos meios de comunicação e das organizações pretensamente avançadas da sociedade.
Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre elevaram a ciência social no Brasil, denunciaram as teorias racialistas e exaltaram a mestiçagem.
Precocemente, o mestiço tornou-se arcaísmo banido do discurso contemporâneo e legado à literatura de um Guimarães Rosa com seus jagunços, de um Graciliano Ramos com seus sertanejos, ou à pintura de Portinari, com seus trabalhadores do café e Di Cavalcanti com suas mulatas.
Esquecemos a mestiçagem de nossa psicologia herdada de nossas avós remotas, índias e negras, da nossa música, culinária, e do nosso português moldado no sotaque negro e no vocabulário pleno de expressões do Tupi para nossa fauna, flora e geografia.
Abandonamos tudo isso para importar o modelo de sociedade biracial dos Estados Unidos. Não temos mais mestiços. Somos pretos ou brancos. Adotamos a regra de uma gota de sangue (One-drop-rule), base da classificação racial dos Estados Unidos, pela qual bastava um único ancestral de ascendência africana, ou uma gota de sangue para alguém ser considerado negro. Era o princípio que, segundo os supremacistas brancos, garantiria a “pureza” da raça branca.
O Brasil importou a doutrina da gota de sangue dos supremacistas brancos, que produziu a segregação racial e a klu klux klan.
A questão é que no Brasil a negação da mestiçagem fere mortalmente a identidade nacional brasileira e a imagem que projetamos das nossas origens, obrigando-nos a reinventar uma interpretação para nosso processo civilizatório que não existe fora do encontro do europeu, do índio e do negro desde o nascimento dos primeiros mamelucos.
Os mestiços brasileiros, vítimas do genocídio sociológico, estatístico, jornalístico e político. Na foto, cena antiga de torcedores no Maracanã.
Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro e Euclides da Cunha viram no mestiço a essência da brasilidade, sem exclusão das minorias brancas e negras na formação da nacionalidade. Ao cunhar a expressão mestiço é que é bom, Darcy Ribeiro não menosprezava as qualidades de outros formadores étnicos da população nacional, mas, ao contrário, exaltava as virtudes de todos eles concentradas no mestiço.
O genocídio sociológico, estatístico, jornalístico e político do mestiço brasileiro não pode ser o preço a ser pago para o justo e necessário protesto pela morte brutal de negros brasileiros ou norte-americanos.
segunda-feira, 1 de junho de 2020
A falência total do sistema dará origem a uma nova economia
Trecho da matéria do jornalista brasileiro Pepe Escobar, jornalista e correspondente de várias publicações internacionais.
Por Pepe Escobar especial para o Asia Times
Ninguém, em lugar algum, poderia ter previsto o que estamos testemunhando agora: em apenas algumas semanas o colapso acumulado das cadeias de suprimento globais, da demanda agregada, do consumo, investimento, exportações, mobilidade.
Ninguém aposta mais em uma recuperação em forma de L – para não dizer uma recuperação em V. Qualquer projeção do Produto Interno Bruto (PIB) global em 2020 entra no território incerto da “queda de um penhasco”.
Nas economias industrializadas, em que cerca de 70% da força de trabalho está nos serviços, inúmeras empresas de diversas indústrias entrarão em um colapso financeiro que eclipsará a Grande Depressão.
Isso abrange todo o espectro de possivelmente 47 milhões de trabalhadores dos EUA em breve demitidos – com a taxa de desemprego disparando a 32% – até a advertência da Oxfam de que, no momento em que a pandemia passar, mais da metade da população mundial de 7,8 bilhões de pessoas poderia estar vivendo na pobreza.
De acordo com o cenário mais otimista de 2020 da Organização Mundial do Comércio (OMC) – certamente desatualizado antes do final da primavera – o comércio global afundaria em 13%. Um cenário mais realista e sombrio da OMC vê o comércio global mergulhar 32%.
O que estamos testemunhando não é apenas um curto-circuito maciço da globalização: é um choque cerebral estendido a três bilhões de pessoas hiperconectadas e simultaneamente confinadas. Seus corpos podem estar bloqueados, mas são seres eletromagnéticos e seus cérebros continuam trabalhando – com possíveis consequências políticas e outras imprevisíveis.
Em breve estaremos enfrentando três grandes debates interligados: o gerenciamento (em muitos casos horrorosos) da crise; a busca de modelos futuros; e a reconfiguração do sistema mundial.
Para ler mais: http://www.orientemidia.org/pepe-escobar-a-falencia-total-do-sistema-dara-origem-a-uma-nova-economia/
Um grande acontecimento
Em meio à pandemia do corona vírus 19, à crise econômica, à debacle das agendas do capital financeiro, que mergulharam centenas de milhões de assalariados, empresas e nações na maior catástrofe dos últimos oitenta anos, agravadas pela crise sanitária com dezenas de milhares de mortos, por enquanto, incentivada no Brasil pelo governo Bolsonaro ao se contrapor aos governadores, prefeitos, na defesa do isolamento social, a ofensiva de forças de inspiração fascista parecia absoluta.
Mas com a crise sanitária, o terremoto social e econômico que começa a mostrar sinais dramáticos, os segmentos alinhados ao Mercado financeiro, que auferem lucros fabulosos mesmo em tempos de covid 19, percebendo o esgotamento do governo federal, procuram, com a ligeireza que impõem os fatos, uma alternativa política sem o presidente Bolsonaro, porém mantendo as orientações neoliberais ortodoxas, entreguistas, antinacionais, contra a sociedade brasileira.
Para isso conta com o apoio da grande mídia “global” hegemônica, associada ao mesmo capital financeiro predador. Com o objetivo de entregar os anéis para ficar com os dedos, ou seja, continuar o butim contra uma grande nação, dilapidada, sofrida e ameaçada.
No entanto, existem os momentos estelares, singulares, na História. Aqueles que indicam uma viragem decisiva nos acontecimentos, como disse o grande escritor austríaco Stefan Zweig, que se exilou em Petrópolis, escapando das hordas nazistas durante a ascensão de Hitler.
O que se notava era a perplexidade da grande maioria da sociedade, atônita, frente à crise estrutural multilateral: econômica, social, política e, agora, sanitária, que se abate sobre o País.
Mas, eis que surge em São Paulo, e em vários lugares do País, esse tal momento singular que tanto narrou Stefan Zweig: a cara do povo nas ruas, através das torcidas de futebol, organizadas em defesa da democracia, contra o autoritarismo, as ameaças fascistas. Com a marca registrada de uma grande união social. Esse é o ponto principal.
Que elas sejam inspiradoras a todas as forças políticas que defendem a plena democracia, combatem a escalada autoritária de tipo fascista, propugnam pela retomada do desenvolvimento, sob as bases dos reais interesses do povo brasileiro e da nação, em um período dramático da nossa História.
domingo, 24 de maio de 2020
Em defesa do Brasil
Detalhe do mural Guerra e Paz, de Portinari, oferecido pelo Brasil como presente à Organização das Nações Unidas (ONU) em 1957, colocado em posto de honra à entrada do grande anfiteatro da Assembleia Geral da ONU.
Em pouco mais de 500 dias, o governo Bolsonaro esgotou-se. Esgotou-se mas não acabou. Essa é uma lição que a História tem nos ensinado ao longo dos tempos. Nem tudo que perde a sua utilidade às sociedades, significa que se encerra de imediato.
A verdadeira política, aquela que é a grande arte, ou ciência, da organização, administração, dos Estados e da nações, nos ensina que o êxito de um governo é aquele que conduz os interesses nacionais visando o bem comum de um País, sob a égide da soberania nacional, através da democracia e das mais amplas liberdades políticas.
A gestão do presidente Bolsonaro representa um corolário de ideias associadas a um fundamentalismo ideológico intolerante, como todos os fundamentalismos ideológicos, medieval e acima de tudo excludente das grandes maiorias sociais.
Por isso ele tem agido sistematicamente através do confronto, contra o conjunto da sociedade, com vistas a manter unidas as suas bases de apoiadores, que vêm diminuindo na medida em que grandes parcelas dos seus eleitores vão paulatinamente se desencantando com as suas ações e diretivas administrativas.
Quanto mais o presidente Bolsonaro fala em liberdade, mais revela os seus pendores autoritários, quanto mais fala em Brasil, na prática demonstra a sua intenção de alienar o patrimônio estatal do povo brasileiro, muitos construídos há quase um século, a exemplo do ministro Paulo Guedes que em reunião ministerial declarou a sua intenção de vender “a porra do Banco do Brasil”.
Na verdade, se deixarem ele privatiza todo e qualquer patrimônio estatal, com a sua visão neoliberal ortodoxa e ultrapassada, que já não é mais usada em canto nenhum do mundo. O ministro Paulo Guedes age como um mascate de tempos mais antigos: vende e troca qualquer coisa.
Assim é que por tudo isso, e mais algumas coisas, o presidente Bolsonaro usurpou a bandeira do Brasil, por um grande erro, também, das oposições, e a usurpou vendendo um falso nacionalismo, porque ele não representa os interesses nacionais, mas, exatamente, um governo antinacional, antipatriótico.
Ao clamar diariamente em nome de Deus, ele age espertamente contra uma agenda ativista antirreligiosa, que virou moda em alguns estratos da sociedade, sabendo que o povo brasileiro tem em seu imaginário social o sentimento religioso.
Mas, que nunca impediu esse mesmo povo de votar em candidatos de todos os espectros políticos, como aqueles presidentes que antecederam Bolsonaro até 2016, por exemplo, e que, aliás, todos sempre se anunciaram cristãos declarados e devotos, sem exceções.
Assim, a base social do bolsonarismo é confusa, alimenta-se de falsos simbolismos, foi ganha por um discurso diuturnamente repetido em redes sociais à exaustão, contra inimigos, praticamente, imaginários, em cada esquina, beco ou viela.
Mas ele elevou-se ao poder através de um vácuo político, da sistemática campanha das grandes corporações do Estado contra a política, e a pobreza da própria atividade política partidária, que foi absorvida pelo discurso do Mercado financeiro, com suas agendas existenciais e comportamentais, que se propõem hegemônicas.
Que terminaram substituindo e exilando os rumos, as propostas que galvanizassem os anseios de um Brasil real de mais de 180 milhões de almas, que se sentiram órfãs de representatividade e referências políticas.
O Brasil encontra-se fraturado em diversas questões. Mas todas essas fraturas não são “naturais”. Elas foram sendo plantadas passo a passo com vistas à divisão da sociedade brasileira. Como dizia a máxima do antigo império romano: dividir para reinar.
O Brasil, mergulhado em uma terrível pandemia sanitária, depara-se com um governo Bolsonaro que contraria todas as recomendações médicas de isolamento social, apostando demagogicamente na onda de desemprego que será provocada pelas consequências, inevitáveis, da pandemia do corona vírus, pondo a culpa nos governadores e prefeitos.
Não se sabe, porém, se o resultado lhe será favorável, os movimentos da vida política são mais complexos que sonha ou aposta o presidente. Perante as demais instituições do Estado nacional Bolsonaro encontra-se isolado e encurralado através de várias investigações. Por isso ele vai radicalizar no confronto total.
Mas por tudo isso, é fundamental a união do País e do povo brasileiro, a divisão e a fratura só o beneficia. A polarização extremada o favorece. O confronto emocional e irracional é a sua praia.
A nossa grande tarefa é a união nacional, pelas exatas razões inversamente contrárias às do presidente Bolsonaro e do mercado financeiro.
A epopeia da construção de Brasília de 1957 a 1960, a nova capital da República.
A nossa tarefa é o esforço diligente de unir as grandes maiorias sociais, as minorias também, independente de preferências partidárias, credo religioso, opções sexuais, combater qualquer forma de racismo.
Mas acima de tudo, unir o povo brasileiro, sem o qual ficaremos patinando nesse presente contínuo pantanoso, à mercê desse, e de novos aventureiros.
Construir um rumo, um estado de espírito democrático, batalhar pela convivência solidária, a tolerância social. Apresentar um projeto nacional de desenvolvimento estratégico, que crie esperanças, factíveis e concretas ao povo brasileiro.
Para isso, sugiro a leitura do Manifesto à Nação, elaborado pelo destacado brasileiro Aldo Rebelo, com contribuições de outras pessoas, subscrito por milhares de cidadãos.
O País se encontra em uma profunda crise multilateral, agravada por uma terrível pandemia sanitária. Uma verdadeira encruzilhada Histórica. Mas não é hora de desespero, nem desencanto. O Brasil, hoje com mais de 210 milhões de habitantes, é inevitável, o seu povo, jovem, é combativo, destemido e criativo.
E, assim, mostra a História, quando unido em torno de um propósito comum e altruísta, ele se agiganta e realiza coisas formidáveis. Portanto, como disse um dos grandes poetas da nossa língua portuguesa: É Hora!. É tempo de reconstruir economicamente, socialmente, politicamente, espiritualmente, a grande nação brasileira. Vamos dar os primeiros passos nessa caminhada.
http://blogdoeduardobomfim.blogspot.com/2017/07/manifesto-em-defesa-da-nacao.html
quarta-feira, 20 de maio de 2020
Dois Brasis
Rafaela Silva, campeã olímpica e mundial de judô.
O Brasil mergulhou, desde o início da pandemia do coronavírus 19, em uma falsa dicotomia entre o isolamento social e a permanência, sem interrupções, das atividades econômicas e do trabalho.
Essa pandemia global impôs a todas as nações do planeta os mesmos desafios: como salvar vidas, evitar, ao máximo, o número de cidadãos infectados, ao mesmo tempo traçar rumos para manter as atividades essenciais e procurar elaborar estratégias para a retomada da grande roda da economia produtiva.
A premissa defendida pelo governo do presidente Jair Bolsonaro tem sido errada por dois motivos: em primeiro lugar, por razões humanitárias. A ideia da “imunidade de rebanho”, ou darwinismo social, acarreta um morticínio bem maior que o atual, absurdo, brutal, que tem sido minimizado pelas atitudes dos governadores e prefeitos, já que eles se negaram, corretamente, a pagar essa conta macabra.
Machado de Assis
Um Brasil extremamente desigual e polarizado
Já dizia o grande, e imortal, escritor Machado de Assis que existem dois Brasis: o Brasil oficial e o Brasil real. Que pode ser traduzido atualmente da seguinte maneira: um País das grandes maiorias sociais, mais de 180 milhões de habitantes, e aquele composto pelas elites econômicas, financeiras e a classe média tradicional, onde residem as grandes faixas de consumo mais rentáveis e sofisticadas, onde a grande mídia derrama suas mensagens publicitárias, ideológicas etc.
Toda, repetindo, toda a polarização ideológica e política, que se assiste hoje, e nas últimas décadas, encontra-se no Brasil oficial. O Brasil real, só participa efetivamente na hora do voto e nas pesquisas de opinião pública, muito especialmente nas pesquisas eleitorais.
Às vezes, surgem políticas “compensatórias”, o nome usado, inclusive, pela mídia é esse mesmo, para amenizar as chagas sociais profundas e históricas. A única válvula de ascensão social realmente existente aos filhos do Brasil real é através dos esportes, particularmente o futebol, mesmo assim, bastante peneirada.
O Brasil real é um País estrangeiro, ou será o Brasil oficial? Não se sabe dos seus anseios, angústias, esperanças, fantasias etc.
Em certos setores das elites “esclarecidas” há dois tipos de comportamentos: o paternalista de “esquerda”, e o neoliberalismo de “direita”. Um resolve achar ou falar em nome do País real, com as suas agendas ideológicas, que muitas vezes servem aos seus anseios existenciais ou pragmáticos. O outro, sempre se bate pela ausência do papel do Estado, ou por reduzi-lo ao mínimo, como é o caso, atual, do ministro Paulo Guedes.
Sejamos óbvios, o Estado Nacional só adquire relevância em casos de pandemia, como a atual, porque ela atinge a todos indistintamente. Mas, todas as mortes nos atingem terrivelmente.
A fundamental e incontornável política, a democracia no Brasil só estará definitivamente assentada, com suas óbvias imperfeições, quando incorporar as grandes maiorias sociais do Brasil real. E, para tanto, é fundamental um projeto de desenvolvimento estratégico, que incorpore, literalmente, toda uma nação excluída da sua própria nação.
Essa é mãe de todas as injustiças, a excelência de todos os preconceitos, o racismo de todos os racismos, nesse povo mestiço e original, como afirmou o antropólogo Darcy Ribeiro.
Porque o Brasil atual, mesmo modernizado tecnologicamente, sofisticado em vários aspectos, digitalizado, globalizado em todas as vertentes, a oitava economia mundial, ainda continua a ser o País da Geografia da Fome, de Josué de Castro, de meados do século XX. E do genial Machado de Assis, falecido em 1908.
O demais, é poesia parnasiana, ou tese acadêmica de Sociologia, com a devida vênia dos sociólogos e dos poetas parnasianos.
sexta-feira, 15 de maio de 2020
O Brasil não é para iniciantes
Presidente Jânio Quadros tomou posse em janeiro de 1961 e renunciou após 7 meses de governo.
O mundo encontra-se mergulhado em uma profunda crise que tem como ponto central a brutal acumulação do capital financeiro rentista, enquanto os povos e as nações patinam em uma depressão econômica sem precedentes na História recente do capitalismo.
A pandemia provocada pelo corona vírus agravou sobremaneira essa catástrofe financeira global, cujas origens residem na doutrina do neoliberalismo e o seu toque de finados a que assistimos ao vivo e em cores cinzentas.
Nesse sentido, não foi essa pandemia que provocou a debacle das economias das nações, simplesmente ela foi o elemento catalizador que as desestabilizou e as conduziu à paralisia quase que absoluta.
Nesse período, a globalização do capital especulativo é que tem mandado no mundo atual, que promoveu também as suas próprias ideologias, e que sempre tiveram dois objetivos centrais: a exaltação das suas próprias ambições de acumulação desenfreada, absolutamente desvinculadas dos investimentos na produção de riquezas dos povos e das nações.
O outro objetivo, também central, foi, e tem sido, a fragmentação, em grande escala, do sentimento de solidariedade entre as sociedades, de tal forma que imobilizasse o espírito de pertencimento das pessoas a uma comunidade nacional.
Assim é que até às vésperas da pandemia sanitária em que estamos mergulhados e confinados, não existia qualquer discussão relevante sobre um projeto estratégico para a nação brasileira.
Porque a hegemonia ideológica do rentismo especulativo reside exclusivamente nas prioridades do Mercado financeiro, nos lucros estratosféricos dos Bancos, nas políticas econômicas ultraliberais que abatem o protagonismo do Estado nacional e aprofunda de maneira acelerada os imensos abismos sociais.
De tal forma cristalizou-se essa hegemonia, que nas últimas décadas todas as instituições da República foram, de uma forma ou de outra, tragadas pelas ideologias do capital financeiro, e as organizações partidárias de todos os espectros também foram gravemente contaminadas por uma espécie de irrelevâncias programáticas.
O resultado disso tudo é que a vida política se apequenou, e perante os olhos da opinião pública, transformou-se no contrário do que realmente é, da sua verdadeira essência: a maneira pela qual o povo exerce a sua vontade soberana nos destinos democráticos da nação e de cada um de nós.
Daí, a sociedade migrou paulatinamente para as redes sociais, seja para tratar das suas vidas diárias, seja para se dedicar a um ativismo político, em paralelo à vida política real.
Mas a verdade que também nas redes sociais o capital financeiro exerce a sua hegemonia ideológica, assim como os agentes políticos atuam forte e profundamente, comprovando que não há vida fora da política.
Jair Bolsonaro, presidente da República desde janeiro de 2019.
O governo Bolsonaro
O desorientado governo do presidente Jair Bolsonaro não é fruto do acaso, ele é resultado desse contexto de falta de rumos para o Brasil, de um Projeto Nacional de Desenvolvimento em todos os níveis, na economia, da vida social, na cultura etc., que em 500 dias de mandato mergulhou, ou aprofundou, melhor dizendo, a desorientação generalizada em que se encontra a nação.
Sem uma união nacional em torno de um propósito comum de País, parece que o cidadão foi envolvido em uma falsa premissa: a pessoa só é ocasionalmente brasileira, se o seu grupo político, ao qual é alinhado ideologicamente, ou por interesses concretos, encontra-se no poder. Isto é o ápice da fragmentação da sociedade nacional.
Jair Bolsonaro é resultado de uma crise espiritual nacional e social, com essas características já destacadas, cujo sinais, mais externos, apareceram nas manifestações de 2013 e daí foram num crescendo, passando pelo impedimento da ex-presidente Dilma.
Nas manifestações contra a realização da Copa do Mundo de futebol, que uniu setores de esquerda e de direita com objetivos distintos, no governo Temer, na imensa judicialização da vida política, a melhor expressão e testemunha que as grandes corporações do Estado nacional tomaram conta dos destinos nacionais, substituindo, nada mais nada menos, que as grandes maiorias sociais, o povo brasileiro.
Incapazes de achar um rumo nacional, as organizações partidárias foram, assim, destruídas e ao mesmo tempo se destruindo, abrindo um vácuo de poder que possibilitou o surgimento do governo Bolsonaro.
Que se guia por uma ideologia fanática, uma total falta de discernimento político, conceitos estapafúrdios e fora da realidade, como o terraplanismo, a intolerância generalizada e medieval, que se avulta na visão de uma falsa dicotomia sobre a atual pandemia sanitária, entre o óbvio e cientificamente comprovado isolamento social e a imprescindível questão da economia.
O presidente Jair Bolsonaro não é, na prática, presidente de todos os brasileiros, mas de um grupo de ativistas envolvidos, por enquanto, com a sua visão estreita do Brasil e do mundo, prejudicando enormemente os interesses nacionais através da orientação delirante da nossa política externa, nessa louvação sem nexo à dependência aos Estados Unidos e Israel, sem observar os múltiplos interesses geopolíticos e comerciais do Estado brasileiro. Um enorme prejuízo.
Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e violonista, o genial Tom Jobim.
Nesse sentido, é imprescindível que as diversas forças políticas nacionais contribuam, e não fiquem simplesmente marcando posição, para encontrar uma solução democrática e constitucional para o Brasil em meio a uma tríplice crise: sanitária, econômica e institucional. Porque estamos marchando, sem dúvida, para uma encruzilhada institucional gravíssima.
Mas a verdade é que se não construirmos um projeto de nação que recupere a confiança das amplas maiorias sociais, do povo brasileiro, em si próprio e nos destinos do País, estaremos condenados a patinar inevitavelmente nesse presente contínuo em que estamos mergulhados há algumas décadas.
Porque o Brasil é inevitável, mas falta-nos um rumo, um estado de espírito, um destino factível e perfeitamente realizável nos marcos democráticos. Mas, enfim, como disse o grande maestro Tom Jobim: o Brasil não é para iniciantes.
segunda-feira, 4 de maio de 2020
Diplomacia e civilidade
O dileto amigo Ênio Lins postou um lúcido comentário sobre o ex-governador Guilherme Palmeira em virtude do seu falecimento. Diz Ênio Lins: Guilherme é um grande exemplo dos bons tempos em que existia a diplomacia e civilidade no trato da coisa pública e na política.
Na verdade o Brasil vive, já faz algum tempo, uma época de grandes hostilidades institucionais, agravadas agora com o arrivismo destemperado, agressivo e perigoso às instituições democráticas, à Constituição e aos interesses soberanos do povo brasileiro.
É preciso saber distinguir na vida pública e na política a diferença entre conflitos políticos e confrontos. Conflitos políticos são algo típico do regime democrático. Confrontos significam a apologia sistemática e cotidiana à ruptura democrática e a exaltação à misantropia social entre grupos na vida política nacional.
O exemplo que todos têm falado sobre a memória de Guilherme Palmeira e sua trajetória política no cultivo da diplomacia e da civilidade não representa o passado mas são conceitos universais, imprescindíveis e uma exigência ao país e à nação brasileira para melhor traçar os seus caminhos democráticos. Na verdade, o passado é onde nos encontramos agora, atolados até o pescoço.
O governo Bolsonaro é um exemplo contrário de tudo o que precisamos. O Brasil precisa reencontrar com urgência os caminhos do entendimento e da saudável convivência social e política.
quinta-feira, 30 de abril de 2020
Quem manda na economia é a pandemia
Lorenzo Carrasco, Resenha Estratégica
Quem está no comando é a realidade imposta pela pandemia. Tratemos, pois, de obedecer a ela e virar essa página.
Em 27 de abril, após demitir o seu segundo ministro em meio à pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro apressou-se em prestigiar o superministro Paulo Guedes, afirmando ser ele quem manda na economia. Ao lado do presidente, com a soberba inflada, após alguns dias de chiliques juvenis desencadeados pelo anúncio do Plano Pró-Brasil da Casa Civil da Presidência, o “superministro” voltou a manifestar o seu habitual alheamento diante da realidade nacional, prometendo a quimera de que o País “vai voltar à tranquilidade muito brevemente, muito antes do que todos esperam”. Afinal, justificou, “surpreendemos o mundo no ano passado, vamos surpreender o mundo de novo (sic)”.
No universo paralelo habitado por Guedes, cuja coreografia é desenhada pelos arautos do “mercado” (leiam-se bancos, financeiras e outros especuladores), o pífio crescimento de 1,1% do PIB em 2019 “surpreendeu” positivamente apenas ao próprio ministro e seus corifeus. Por outro lado, puderam regozijar-se com o desempenho recordista dos bancos e do setor financeiro em geral, em meio aos cinco anos de estagnação socioeconômica vividos pela esmagadora maioria da população brasileira, refletidos nos índices igualmente recordistas de desemprego, subemprego, desalento e capacidade produtiva ociosa.
Para a quase totalidade dos brasileiros, salvo o reduzido núcleo de privilegiados que vive na bolha dos serviços financeiros de um “capitalismo sem risco”, a realidade está sendo escancarada pela pandemia, expondo as mazelas decorrentes do descompromisso histórico com a construção de uma Nação moderna e comprometida com o Bem Comum, em especial, as deficiências de infraestrutura física e serviços básicos de saúde, que estão agravando sobremaneira o combate à pandemia.
Para todos os brasileiros dotados de um mínimo de sensibilidade social e com um sentido de responsabilidade coletiva pela construção de um futuro compartilhado, a pandemia está evidenciando a absoluta inviabilidade de continuação do modelo “balcão de negócios” na organização econômica do País, que tem prevalecido, com ênfase especial, desde o início da década de 1990, com a primazia dos interesses representados mercados financeiros na formulação das políticas públicas.
A pandemia está evidenciando a imperiosa necessidade de retomada da antiga aspiração referente a um projeto nacional e desenvolvimento, da capacidade de planejamento do estado brasileiro, em má hora abandonada em favor das ilusórias vantagens da malfadada globalização financeira, cuja disfuncionalidade civilizatória ficou exposta de forma insofismável sob o ataque do coronavírus.
Tal empreitada exigirá um amplo empenho de todos os setores da sociedade, não apenas das suas forças produtivas, para um esforço que será equivalente a uma mobilização nacional correspondente a um estado de guerra total, que se estenderá por anos após o encerramento da emergência sanitária da covid-19 – ou seja, não poderá limitar-se a um mero programa de governo, mas transcenderia o atual mandato presidencial.
Da mesma forma, salta aos olhos que tal mobilização terá que ser dirigida pelo Estado – e não pelos mercados -, em estreita sinergia com a iniciativa privada e a sociedade em geral, missão para a qual o Estado brasileiro está plenamente aparelhado, tanto em capacidade de investimentos como com os quadros técnicos necessários.
Para tanto, porém, será necessário superar o crucial obstáculo das amarras ideológicas que, nas últimas décadas, têm ancorado o Brasil em um pântano de virtual estagnação, conformismo e mediocridade.
Como afirmou a economista Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins, em sua coluna no “Estadão” de 29 de abril: “A economia e a população brasileiras precisam mais do que nunca que tabus sejam abandonados em prol do bem maior: a atenuação da crise humanitária provocada pela epidemia e pela crise econômica.
O momento é de pensar seriamente o papel do investimento público, como estão fazendo vários países mundo afora, e de lembrar que nossas deficiências de infraestrutura não serão sanadas sem o envolvimento do Estado. A falsa dicotomia entre Estado e mercado caducou. Viremos essa página.”
“Talvez seja a hora de buscar a porta de saída”, disse de Bolle, referindo-se à inadequação da equipe do prestidigitador Guedes para o pós-pandemia (evidentemente, as restrições de viagens a Miami, Nova York, Londres e Paris, talvez, os obrigariam a conformar-se com um confinamento dourado no Leblon e outros bairros chiques do Rio e São Paulo).
De fato. Quem está no comando é a realidade imposta pela pandemia. Tratemos, pois, de obedecer a ela e virar essa página.
segunda-feira, 20 de abril de 2020
A razão do nosso afeto
De repente, as políticas adotadas na últimas décadas através da globalização financeira, que acarretaram uma acumulação de fortunas jamais vista na humanidade, mostrou a sua verdadeira face aos cidadãos, através da pandemia do Coronavírus 19.
Toda a ideologia edificada pelo capital rentista global, que jamais investe na produção, desmoronou pelas mãos de um vírus que se espalhou pelos continentes, abalando, inicialmente, as nações mais ricas do planeta.
De tal forma, que nos últimos três meses os Estados Unidos, a grande potência econômica, militar do mundo, já tem quase 800 mil infectados pelo vírus e perto de 50 mil mortos. Enquanto a Europa está com um milhão de casos e 100 mil mortos pela pandemia.
A verdade é que as nações “civilizadas”, na Europa e os EUA, redescobriram que essa tragédia não acontece apenas em Países subdesenvolvidos e/ou emergentes, já que os atingiram em cheio.
As políticas de redução do papel estratégico dos Estados nacionais soberanos, o tal do “Estado Mínimo”, que prevaleceram como um mantra desde o final dos anos noventa passados, caíram por terra em poucos meses.
De repente, as rotineiras agendas, que pontuavam as discussões acadêmicas, nas redes sociais, determinando as pautas políticas e midiáticas globais, praticamente desapareceram.
As sociedades viviam sob uma luta sectária entre subdivisões de grupos sociais, que cada vez se subdividiam ainda mais, em uma espécie de slogan: cada um contra todos, e todos contra qualquer um.
Onde o que menos prevalecia era, ou ainda é, o bem comum, a tolerância, o espírito em comum de pertencimento social, a solidariedade em geral.
No entanto, um dos principais promotores, ideológicos e financeiros, dessas agendas, o megaespeculador global George Soros, momentaneamente, saiu discretamente de cena. Até agora.
Por um curto espaço de tempo, os magnatas do Mercado financeiro estiveram perplexos frente ao desastre sanitário e econômico que atingiu o planeta.
Mas, em seguida, vêm retomando a iniciativa, sabotando o espírito de solidariedade que surgiu entre as populações, as nações. Na Europa a usura financeira continua dificultando a ajuda necessária e indiscutível, à Itália, Espanha etc., sob o argumento que essas nações não cumpriram com os ajustes fiscais exigidos pela banca financeira europeia, quer dizer arrocho financeiro contra esses Estados e, especialmente, os trabalhadores dessas nações.
No Brasil, o discurso ultraliberal do presidente Bolsonaro, que não se aplica mais em lugar nenhum do mundo, insiste na falsa polarização: combate à pandemia versus a retomada da economia.
Suas atitudes, falas, vem num crescendo de um espírito totalitário que agride a constituição e as instituições do Estado nacional. Essa falsa polarização, mas real, vem sendo adotada em outros Países, como nos EUA.
A última pandemia, a gripe espanhola, em 1918, matou 50 milhões de pessoas no mundo, 102 anos atrás, e ceifou a vida de um presidente eleito, Rodrigues Alves, mas que faleceu antes de tomar posse.
Ao afirmar que temos que escolher entre o emprego ou o coronavírus, entre a vida ou o trabalho, Bolsonaro retoma o primado do ultra liberalismo ortodoxo do Estado mínimo neoliberal, inaugurado pela Primeira ministra britânica Margaret Thatcher, a dama de ferro, que desmantelou o Estado de bem estar social inglês.
Mas hoje as populações reconhecem os seus heróis: profissionais de saúde, bombeiros, trabalhadores em serviços essenciais, forças armadas etc.
Entendem o valor estratégico do Estado nacional, ao lado da iniciativa privada, vital à sobrevivência de suas próprias vidas. O alerta profético do historiador britânico Eric Hobsbawm, no final dos anos noventa passados, de que as novas gerações iriam viver em uma espécie de presente contínuo, foi verdadeiro. Quem sabe, essa tragédia acorde as sociedades.
O descaso para com as desigualdades sociais, econômicas, drástica redução, por décadas, de investimentos em infraestrutura, saneamento, habitações dignas, ciência, tecnologia e pesquisas avançadas, prevenção de pandemias, o sucateamento da saúde pública, são testemunhas irrefutáveis dessas políticas genocidas que resultaram, inclusive, na pandemia do corona vírus.
Disse um médico infectologista europeu ao ver alarmado o número de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, auxiliares de enfermagem, infectados ou morrendo nessa batalha contra o Covid 19: Nós os queremos vivos, não mortos, essa é a razão do nosso afeto e aplausos, em todo mundo, das janelas dos nossos confinamentos.
sábado, 11 de abril de 2020
Diário do isolamento
Em tempos de coronavírus 19 muita coisa mudou, mas não como alguns dizem, a começar pela ideia de se fazer esse diário, que não vai se chamar diário do exílio, como era mais comum, mas diário do isolamento social, como mandam as coisas do bom senso.
O mundo se encontra frente a dois problemas gravíssimos: a pandemia de um vírus tremendamente agressivo, que ainda, por enquanto, não tem uma vacina, e por isso mesmo, bem mais letal que os seus demais primos, tipo a Influenza, “gripe espanhola” e outros.
Cuja enorme diferença é que a ciência já produziu os respectivos anticorpos, ou seja, a conhecida vacina, mas que mesmo assim continua matando muita gente que não se vacina, seja por desinformação, ou porque aderiram ao Movimento Naturalista contra a Vacinação.
No Brasil, existem ainda outras epidemias igualmente dramáticas, como a dengue, por exemplo. Que recebe reforços de doenças antes debeladas, ou quase, como o sarampo, a malária, a febre amarela, aquela que o grande médico brasileiro Oswaldo Cruz enfrentou corajosamente, provocando inclusive a famosa Revolta da Vacina, insuflada pela mídia da época, em uma tremenda peleja política.
Mas como a memória nacional vem sendo rejeitada, um movimento também global, poucos sabem da imensa batalha contra a varíola, enfrentada pelo herói nacional Dr. Oswaldo Cruz e a sublevação popular que ele enfrentou por tornar a vacinação obrigatória, salvando centenas de milhares de vidas. Pensem num sujeito odiado à época. Era ele.
O País convive diariamente com muitas outras graves epidemias, decorrentes da ausência de saneamento básico nas grandes e pequenas cidades com rios e riachos fétidos, desde o acelerado e caótico processo de urbanização, principalmente ali pela década de setenta do século passado.
O descaso para com a população é amplo, geral e irrestrito. Nunca houve um plano nacional estratégico de saneamento básico que saísse do papel, o que salvaria, anualmente, centenas de milhares de crianças e adultos em todo o País.
O que provoca uma espécie de darwinismo social, ceifando vidas nas populações mais “vulneráveis”, palavra na moda hoje em dia, que se refere aos mais pobres, aos deserdados de uma vida digna.
Estamos diante de um falso dilema: o isolamento social frente ao coronavírus ou a retomada da economia. Na verdade, há que se promover o isolamento social em defesa da vida de milhões, por razões humanitárias, cristãs etc., para diminuir o grande número de vítimas que já ocorre, e vai aumentar substancialmente, infelizmente.
Não há o que se discutir. A vida não é um dado estatístico na análise de economistas, nada é mais relevante que o precioso dom da vida. E vamos combinar, o coronavírus é “democrático”, não faz distinção de classes, sexo, ou ideologias. Embora os mais desvalidos irão pagar um preço mais caro, no final dessa conta.
E depois, vamos ter que superar uma brutal recessão econômica, e global, que já se faz presente, mas que poucos têm a exata dimensão da catástrofe social que se avizinha em termos de desemprego generalizado, quebradeira nas pequenas, médias e grandes empresas, só algumas das grandes empresas irão se salvar, agricultura, comércio, serviços etc.
Já existem algumas “teses” sobre o que virá após a pandemia. Uma delas, me alertou um dileto amigo, é que teremos uma época do pós-capitalismo. Que significaria um tempo de “tutti fratelli ”, todos irmãos, em uma sociedade mundial solidária, uma governança global irmã. Uma espécie de Nova Era de Aquários, tão em moda nos anos sessenta passados. Seria lindo, mas não vai ser verdade.
O capital financeiro, que será bem mais concentrado, vai continuar exercendo a sua hegemonia rentista, as grandes potências vão continuar a impor as suas vontades e interesses.
A única “novidade” é que a globalização financeira não é a solução aos povos, e o Estado nacional mostra que sem ele a catástrofe seria mais horrível.
O “mercado” financeiro não acudiu, nem vai acudir, aos infectados pelo coronavírus, só o Estado nacional, tão agredido e vilipendiado, é quem está em ação, através dos profissionais da saúde, polícia, forças armadas, bombeiros, trabalhadores essenciais, equipamentos estratégicos, da Justiça etc,. Alguns setores da indústria, comércio, agricultura, também estão atuando solidariamente.
Mas, em resumo, o Estado nacional tem sido o verdadeiro protagonista nessa pandemia.
E também será o protagonista central na reconstrução do Brasil, assim como nos demais Países duramente afetados por essa tragédia de saúde pública. Seja na Itália, França, Espanha, Peru, Equador etc. etc.
Essa é a única novidade, que não é nova, a do papel estratégico dos Estados nacionais. Sem eles os povos sucumbem ao caos, ao pântano. Enfim, nós precisamos de união nacional. Em defesa da vida e da reconstrução econômica e social do povo brasileiro.
O coronavírus e a peste da usura
Editorial do jornal Solidariedade Ibero-americana, edição especial de março de 2020
"O triunfo da morte", quadro pintado por Peter Bruegel o Velho, em 1562, foi inspirado na devastação causada pela Peste Negra em meados do século XIV, magistralmente descrita no "Decameron" de Boccaccio, com cujas palavras iniciamos o editorial desta edição.
“A peste, atirada sobre os homens por justa cólera divina e para nossa exemplificação, tivera início nas regiões orientais. Incansável, fora de um lugar para outro, e estendera-se de forma miserável para o ocidente [...]. Nenhuma providência foi válida, nem valeu a pena qualquer providência do homem.
Entre tanta aflição e tanta miséria de nossa cidade, a autoridade das leis, quer divinas quer humanas desmoronara e dissolvera-se. Ministros e executores das leis, tanto quanto outros homens, todos estavam mortos, ou doentes, ou haviam perdido os seus familiares e assim não podiam exercer nenhuma função. Em consequência de tal situação permitia-se a todos fazer aquilo que melhor lhes aprouvesse.
Para dar sepultura a grande quantidade de corpos, já não era suficiente a terra sagrada junto às igrejas; por isso, passaram-se a edificar igrejas nos cemitérios, punham-se nessas igrejas, às centenas, os cadáveres que iam chegando; e eles empilhados como as mercadorias nos navios.”
Não poderiam ser mais atuais as palavras do grande escritor italiano Giovanni Boccaccio, no Decameron (1353), descrevendo a extensão da Peste Negra, que, em meados do século XIV, eliminou quase a metade da população europeia, tanto direta como indiretamente, em consequência da desagregação socioeconômica dela derivada, em condições de debilidade social, nos estertores de um sistema feudal dominado por um sistema bancário usurário.
Não muito diferentes são as condições da humanidade, na presente pandemia deflagrada pelo coronavírus Sars-CoV-2, não somente pelo potencial de mortalidade, mas também – e sobretudo – pelas condições impostas pela “globalização financeira” sobre a economia mundial, nas últimas décadas. Há meio século, seria impossível imaginar, por exemplo, que os EUA não disporiam da capacidade de produzir os seus próprios equipamentos de saúde pública, nem possuí-los em estoque, por ser mais conveniente financeiramente mandar produzi-los no estrangeiro (outsourcing). Ou que Washington pretendesse, vergonhosamente, facilitar vistos de entrada para médicos e enfermeiros estrangeiros, a fim de ajudarem a combater a pandemia nos EUA, como se não fossem necessários em seus próprios países e fossem sujeitos apenas ao mesmo princípio da mercantilização absoluta das atividades humanas, que está na raiz do presente impasse civilizatório, sobre o qual desabou a Covid-19. Lá, o que poderíamos qualificar de “saúde just in time” (outro preceito da “globalização”), mostra que o móvel do sistema de saúde estadunidense não é a proteção da população, mas os negócios que gravitam ao seu redor.
Agora, os cerca de 8 trilhões de dólares que os países do G-20 pretendem injetar na economia, correm o risco de, em grande medida, serem atirados no buraco negro do hiperalavancado e hiperespeculativo sistema financeiro global, assim como ocorreu na crise de 2008. Sim, a economia física e os empregos devem ser mantidos, mas este é um momento de se reconduzirem os Estados nacionais soberanos à sua função insubstituível de condutores e reguladores da vida econômica das nações, enquadrando os respectivos sistemas financeiros e reorientado-os para a sustentação da economia produtiva real, inclusive, com as suas próprias instituições de crédito público – subitamente, requisitadas até mesmo pelos mais radicais adeptos do liberalismo econômico.
No Brasil, onde o fundamentalismo de mercado e pró-rentista capitaneado pelo “superministro” Paulo Guedes vai sendo suplantado pelo peso da realidade, que exige uma pronta disposição de recursos públicos para o combate à emergência sanitária e socioeconômica, este será um momento de definições cruciais para o futuro imediato do País. É hora de se livrar a formulação das políticas econômicas do vírus da usura, que as infesta ininterruptamente desde a década de 1990, vide os lucros indecentes dos grandes bancos, em meio a cinco anos de estagnação econômica. É hora de iniciar já a inadiável reconstrução nacional, orientada pelo “Princípio do Bem Comum”.
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