sexta-feira, 27 de abril de 2012

Europa na encruzilhada

Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas e no Tribuna do Agreste:


Todos nós sabemos que a política é um permanente jogo de movimentos. O que diferencia um partido situacionista de outro com objetivo transformador é a perspectiva. Um, atua tendo em vista o permanente movimento, o outro, peleja observando sempre o horizonte mais largo estabelecido em seu programa estratégico.

As atuais eleições na França são uma dessas batalhas em que se está decidindo algo mais que uma mera rotina institucional porque acontece em meio a uma crise econômica estrutural do capitalismo onde a busca por novos rumos para a Europa vem se defrontando com uma forte resistência de natureza conservadora.

Esse confronto se desenvolve por toda a União Europeia, mas atinge a sua dramaticidade em Países que são polos econômicos capitalistas mais desenvolvidos mesmo que a luta social esteja atingindo estágios radicais em elos mais débeis como são os casos de Portugal, Grécia, Espanha etc.

É fato inquestionável que os trabalhadores e demais segmentos sociais que compõem a Comunidade Europeia estão demonstrando sinais de que não estão mais suportando o peso da crise que estão jogando sobre as suas costas, um fardo resultante do intenso processo de concentração e centralização do capital financeiro internacional.

Mas os partidos no poder que sustentam as políticas neoliberais ortodoxas na Europa estão exaurindo as suas forças em consequência dos resultados econômicos e sociais negativos que atingem as mais variadas camadas assalariadas levando as nações a uma grave recessão.

Caso persistam as atuais orientações econômicas e institucionais as elites políticas francesas estarão investindo em um tremendo incêndio social e é óbvio que vai se esgotando, mesmo para o sistema, o papel de lideranças como Sarkozy.

Por outro lado a sociedade ainda não vislumbrou uma alternativa real e concreta aos atuais grupos dominantes mesmo com o soerguimento de uma esquerda mais aguerrida.

Já o Partido Socialista pelos seus antecedentes e o candidato Hollande representam infelizmente uma alternativa centrista, previsível e requentada possibilitando com isso alguma chance ao atual e medíocre presidente francês.

De qualquer maneira crescerá o voto útil contra Sarkozy no segundo turno das eleições e haverá um grande aumento da insubordinação social ao projeto neoliberal que vem sendo aplicado na França, com desdobramentos políticos para o resto do continente.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O fim de um ciclo

Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas e no Tribuna do Agreste:


As recorrentes crises estruturais do capitalismo muito especialmente os grandes ciclos inaugurados em 1929 demonstram sobejamente o caráter maligno desse sistema mas também indicam, paradoxalmente, a sua força ao sobreviver aos seus terremotos intestinos e às tentativas de se superar a sua natureza brutal.

Na sua capacidade mutante de reinventar-se após cada tormenta ele gera novas formas econômicas mantendo a sua essência de acumulação de riquezas através da exploração da força de trabalho assalariada.

Nos tempos atuais assistimos a manifestações dramáticas de mais uma dessas crises, mas em um estágio extremamente sofisticado e complexo do sistema que superou patamares de concentração e centralização do monopólio da riqueza em dimensão global.

O fenômeno da governança global é uma das principais armas de poder da atual etapa hegemônica do capital financeiro internacional porque representa um modelo superior de controle político com características autoritárias e ao mesmo tempo sutis.

Com a capacidade de exercer o governo global através de métodos violentos utilizando-se de todos os instrumentos possíveis, inclusive invasões armadas sob a batuta imperial norte-americana, desconstruído meticulosamente o princípio da autodeterminação das nações.

Para a consecução dos seus interesses apropriou-se dos organismos mundiais criados no pós-guerra que tinham como objetivo uma ordem jurídica internacional depois da onda nazifascista de 1939 a 1945.

Essa hegemonia no interior desses organismos forjou regras, tratados, legislações, acordos econômicos, uniformizando o Direito, a economia, os valores, comportamentos, cultura, em escala planetária, fabricando artificialmente consensos, destruindo identidades regionais, garantias individuais fundamentais, restringindo, apequenando os governos nacionais.

Fortaleceu essa ditadura ideológica através do complexo midiático internacional ditando pontos de vista uniformes sobre os acontecimentos políticos, sociais e até, pasme-se, sobre fenômenos naturais.

Mas a atual tragédia do capitalismo desnudou o modelo de gestão planetária, suas consequências criminosas, reintroduzindo com vigor as lutas populares de sentido universal, a atualidade da questão nacional como aspecto central da emancipação social. E traduz especialmente o fim de um ciclo Histórico através de uma crise de civilização sem precedentes.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Inferno e brilho de uma cultura

Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas e no Tribuna do Agreste:


Durante os anos sessenta e setenta eclodiram dois fenômenos mundiais de contestação ao sistema estabelecido, as revoltas populares, especialmente a estudantil, e o chamado movimento hippie.

Os primeiros lutavam por modificações estruturais no ensino, contra os regimes sociais existentes, os resquícios do colonialismo clássico ainda remanescentes, as ditaduras militares que brotavam como praga nos Países do terceiro mundo.

Os adeptos do movimento hippie batiam-se por mudanças pacíficas no interior desse sistema defendendo uma espécie de cultura alternativa principalmente em relação à sociedade de consumo, às manifestações de autoritarismo, à censura, aos costumes, etc.

Nessa época muitas nações oprimidas pelo colonialismo ou o imperialismo lograram significativas vitórias especialmente nos continentes africano e asiático. Tudo isso influenciou profundamente a sociedade americana, especialmente a guerra contra o Vietnã.

Diz o veterano jornalista norte-americano Mikal Gilmore da revista Rolling Stones que a força dessas ideias adquiriu tal magnitude nos EUA que nas décadas seguintes os vários governos tiveram entre os seus objetivos estratégicos internos o aniquilamento das organizações, a cooptação ou esmagamento político das lideranças, artistas e destacados intelectuais americanos, uma reedição do macartismo que vigorou por lá nos anos cinquenta.

Talvez essa denúncia de Mikal Gilmore também sirva para nos explicar a pobreza da atual geração de intelectuais e artistas dos Estados Unidos, com as óbvias exceções, a incrível ascensão da cultura do escapismo e da paranoia generalizada.

Hoje há uma aguda crise internacional do capitalismo na Europa e nos EUA, o neoliberalismo fracassou enquanto doutrina, cresce a tendência de uma outra ordem mundial com a emergência dos BRICS e surgem, ainda incipientes, os movimentos populares de resistência em várias cidades americanas.

No entanto o complexo militar-ideológico-midiático, o capital financeiro global e o reacionarismo imperial intervencionista detêm a hegemonia tanto interna quanto em escala mundial.

Mas como a História segue o seu curso é possível que o berço de uma das grandes culturas contemporâneas recupere o vigor, brilhantismo e talento que sempre possuiu salvo quando as suas elites a arrastaram para o inferno moral e a depressão intelectual.

sábado, 7 de abril de 2012

Hegemonia, crime e alienação

Meu artigo publicado na Gazeta de Alagoas, no Vermelho, na Tribuna do Sertão, no Almanaque Alagoas e na Tribuna do Agreste:

O quarto encontro de cúpula das cinco grandes nações emergentes, os BRICS, realizado em Nova Delhi na Índia, representa muito mais que uma dessas reuniões quase burocráticas com que de vez em quando o mundo diplomático agracia a opinião pública brasileira e internacional.

Não é sem razão também que as grandes maiorias que compõem essa mesma opinião pública internacional e nacional observam com fastio ou indiferença o episódio.

Porque o grande complexo midiático hegemônico internacional associado e parte integrante do capital financeiro global, responsável e beneficiário da grande crise capitalista global iniciada em 2008, não está nem aí para a informação justa e imparcial, muito pelo contrário, o que ele realiza é a desinformação sobre os fatos, suas causas e consequências.

O papel do monopólio planetário da informação é absurdamente doloso aos Países e aos povos. Cientistas sociais de várias nações, inclusive entre as mais ricas, afirmam que a época das ditaduras das baionetas, prisões, torturas, censura à imprensa, aos jornalistas, estupro ao estado de direito, são coisas do passado, jurássicas.

Dizem eles que estamos sob uma governança global, um sistema autoritário bem mais eficiente, muito embora às vezes as coisas fujam do controle, como o que está ocorrendo com as rebeliões sociais na Europa conflagrada pela crise financeira geral.

Exatamente quando há mudanças geopolíticas globais em curso e grandes veredas para se constituir uma outra ordem mundial, possibilidades de a humanidade abrir espaços a uma nova alternativa de justiça social, superando a atual economia da fome, da miséria, da cultura da violência, do individualismo exacerbado, o assassinato do conceito da fraternidade humana, cujos responsáveis deveriam constar como réus em um novo tribunal de Nuremberg.

Sob a bandeira dos diretos humanos elogia-se uma nova corrida militar colonialista promovida através de um descomunal banho de sangue pela grande potência do planeta.

Ao mesmo tempo em que somos informados que em Londres um pinguim toma conta de um gato e da casa na ausência do proprietário, um parlamentar apologista da moralidade é amigo e beneficiário de um notório bandido e um casal torna-se vitorioso em um reality show depois de pisar no pescoço dos demais competidores. Essa criminosa cultura da alienação geral seria cômica se não fosse trágica.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Os BRICS e uma ordem mundial diferente

Publicado na Resenha Estratégica:


Qualquer análise minimamente realista do presente cenário global aponta para o esgotamento do modelo de organização dos assuntos mundiais consolidado em torno da hegemonia econômico-financeira e político-militar do eixo Washington-Nova York-Londres e seus apêndices europeus e israelenses. Definitivamente, as aspirações e necessidades do mundo crescentemente complexo, interdependente e interligado do século XXI se mostram incompatíveis com a subordinação das economias nacionais a um sistema financeiro essencialmente privatizado, desregulamentado e convertido num fim em si próprio, além da submissão da agenda das relações internacionais às diretrizes emanadas daqueles centros de poder, com frequência, impostas direta ou indiretamente pelo poder militar. Uma consequência dessas transformações em curso é a emergência dos BRICS, como um vetor com enorme potencial de contribuição para a construção de uma ordem mundial diferente, como se viu na quarta cúpula do grupo, em Nova Délhi, na semana passada.

De fato, o mundo atravessa um momento de inflexão histórica, análogo ao apresentado ao final da II Guerra Mundial, quando as perspectivas para a reconstrução mundial do pós-guerra haviam sido claramente explicitadas pelo presidente estadunidense Franklin D. Roosevelt, sintetizadas em seu célebre conceito das "quatro liberdades" fundamentais, que deveriam ser desfrutadas pelos povos de todo o mundo: de expressão, de culto, das vicissitudes da penúria e do medo. Tal orientação esteve no cerne da sua aliança estratégica com o premier britânico Winston Churchill, a quem reiterou em várias ocasiões que os EUA não entrariam em um novo conflito para preservar os impérios coloniais europeus. Desafortunadamente, a sua morte prematura, em abril de 1945, abriu caminho para os descaminhos da Guerra Fria, a qual, a despeito dos enormes benefícios proporcionados pela relativa estabilidade da ordem econômica estabelecida em Bretton Woods, assistiu, também, à consolidação do sistema financeiro e do complexo industrial-militar como centros de poder político, em especial, a partir da década de 1970, processo que conduziu ao presente impasse civilizatório.

O surgimento dos BRICS, como um bloco relativamente articulado em torno de certas questões estratégicas, é uma importante novidade nesse quadro de deterioração do sistema mundial, no qual um fator de grande relevância é uma percepção cada vez mais disseminada sobre o crescente déficit de justiça socioeconômica ensejado pelo status quo, que está na raiz da grande maioria das convulsões que têm abalado o planeta. Evidentemente, esta perspectiva se contrapõe à intenção do Establishment dominante de preservar os seus "privilégios percebidos" e, apesar do caráter não-confrontacional do grupo, a sua mera existência representa uma ameaça àqueles centros de poder, como se percebe pelas reações azedas e depreciativas divulgadas pela mídia anglo-americana.

Reações que foram oportunamente registradas pelo vice-presidente de Relações Institucionais da Embraer, Jackson Schneider, em entrevista ao jornal The Times of India (1/04/2012): "O BRICS não é uma ideia. Já é uma realidade. O equilíbrio da ordem global existente está mudando. Se o BRICS não tivesse força, por que o New York Times estaria gastando tanta tinta e tempo conosco?"

Nos dias anteriores e seguintes à cúpula de Nova Délhi, o jornal de Nova York foi um dos muitos órgãos vinculados ao Establishment anglo-americano que publicou uma vasta coleção de artigos e editoriais sobre o grupo, a grande maioria, depreciativos, embora alguns denotassem uma certa cautela quanto às suas perspectivas e potenciais. Uma apreciação típica foi a do colunista econômico do Daily Telegraph londrino, Jeremy Warner, na edição de 29 de março:

"(...) Eu tenho acompanhado essas reuniões das nações do BRICS em ação, e o que tenho a dizer é que elas não são, de modo algum, impressionantes. Há muito pouco sentido de propósito e identidade comum. Na verdade, eles fazem a União Europeia parecer um paradigma de calma e harmonia. De dia, eles falam alto sobre ações multilaterais para reorientar o campo de jogo em favor das nações mais pobres, enquanto, à noite, tramam vergonhosamente uns contra os outros, frequentemente, em conjunto com os seus supostos opressores econômicos no Ocidente. Não há virtualmente nada que os une, além do ressentimento e suspeição do monopólio ocidental, em parte, justificados, em parte, não. Eu lhes desejo boa sorte com o seu novo banco de desenvolvimento, mas quando se trata de onde será construída a próxima represa, e quem irá construí-la, é aí que sairão as faíscas".

Seguindo a linha de muitos analistas, inclusive, nos próprios BRICS, que se apegam à parte em detrimento do todo, o que Warner reflete é uma certa perplexidade e incapacidade de enxergar uma ordem global que não seja subordinada pelos interesses representados, predominantemente, na City de Londres, Wall Street e no Pentágono.

Na contracorrente, um comentarista que avaliou corretamente a situação foi o arguto Fyodor Lukyanov, editor-chefe da revista Russia in Global Affairs e colunista da agência Novosti. Em sua coluna de 29 de março, depois de descrever as enormes diferenças entre os membros do grupo, ele foi ao cerne da questão:

"Os BRICS estão sendo reunidos e movidos para a frente, não tanto pelos requisitos dos seus países membros, mas pela situação geral no mundo. As mudanças são rápidas e imprevisíveis, e as receitas para a resolução dos assuntos internacionais oferecidas pelos líderes usuais (o Ocidente), ou não funcionam, ou produzem o efeito oposto. Há uma demanda por soluções alternativas, embora, no momento, nenhum Estado individual que esteja desempenhando um grande papel regional (e os países dos BRICS entram nesta categoria) tem a oportunidade (ou o desejo) de oferecer uma visão global abrangente".

Igualmente, Lukyanov chama a atenção para um fator que deverá ter uma grande relevância para que o bloco possa desempenhar esse papel, o retorno de Vladimir Putin à presidência da Federação Russa:

"(...) O futuro presidente russo vê o fator unificador no fato de que todos os países do BRICS, não apenas têm visões similares sobre a necessidade de uma nova ordem mundial multipolar, mas, mais importante ainda, compartilham o mesmo valor básico - a soberania nacional como elemento estrutural fundamental do sistema mundial. Este conceito é uma alternativa ao enfoque ocidental, que se baseia na premissa de que, hoje, a soberania não é mais sagrada e imutável como era no passado".

Não é casual que Putin tenha se mostrado ser o estadista mundial mais afinado com os princípios e ensinamentos de Roosevelt, cuja agenda já mencionou em várias oportunidades como um guia para a superação da presente crise global, por exemplo, no seminário "As lições do New Deal para a Rússia e o mundo de hoje", realizado em Moscou, em fevereiro de 2007, por ocasião do 125o. aniversário de nascimento do presidente estadunidense - ignorado em seu próprio país (Resenha Estratégica, 14/03/2007).

Quanto à cúpula, embora muita ênfase tenha sido dada à discussão sobre um "Banco dos BRICS", que rivalizaria com o Banco Mundial como banco de desenvolvimento, é de grande relevância que a proposta se mantenha de pé e deverá ser objeto de aprofundamento de estudos pelos países membros. Evidentemente, não se cria uma instituição do gênero da noite para o dia, principalmente, uma com o potencial impacto político e econômico que teria uma instituição de fomento com recursos pelo menos na mesma magnitude do Banco Mundial e fora do controle dos centros financeiros ocidentais. Se Brasília, Moscou, Délhi, Pequim e Pretória mantiverem o "gostinho" do protagonismo conjunto que parecem estar sentido, o banco poderá ser apenas uma de uma série de novidades positivas para um cenário global que está carente delas.