quarta-feira, 17 de junho de 2020

O progressista de ontem e o do amanhã


Frente ao processo de radicalização política, no auge da pandemia do corona vírus 19, das pautas racialistas, das ofensivas contra estátuas e monumentos históricos, por exemplo, como Tiradentes, Padre Antônio Vieira e Winston Churchill, que liderou a Grã-Bretanha contra o nazismo hitlerista na Segunda Guerra mundial, ao lado de Stalin, do presidente Roosevelt, republico a minha resenha do livro do cientista político norte-americano Mark Lilla, publicada no Portal Bonifácio, um ano atrás. Pela simples razão que ele continua mais atual que nunca. Boa leitura.


Lutas identitárias trocam projeto político geral por evangelização de grupos

Eduardo Bomfim - 18/06/2019

Ao se ler o livro O progressista de ontem e o do amanhã do cientista político Mark Lilla, escrito após a vitória de Donald Trump, tem-se a certeza de que os seus argumentos e análises referem-se igualmente ao recente processo eleitoral realizado no Brasil, quase que literalmente.

Assim é que por aqui também parece existir a polarização entre os partidos Democrata e Republicano dos Estados Unidos, especialmente o confronto das políticas identitárias fomentadas desde os anos 80, sob a hegemonia do clã dos Clintons, apoiadas pelas estratégias dos grandes especuladores financeiros do tipo George Soros e outros, versus uma outra casta de financistas aliada ao presidente Trump.

Os democratas norte-americanos, afirma Mark Lilla, teriam abandonado as grandes linhas de administração e políticas que falavam para o conjunto da nação e assumiram a orientação multiculturalista de parcelas da sociedade, que passaram a condenar as grandes maiorias sociais por injustiças cometidas às chamadas minorias.

Abandonaram “a ideia e a visão central da nação, do sentimento de solidariedade, do espírito de oportunidade para todos e do dever público, perdendo o sentido do que compartilhamos como cidadãos e do que nos une como nação”, afirma Lilla.

Nos anos 60, prossegue, a luta pelos Direitos Civis significava a batalha de grandes grupos de pessoas em defesa dos direitos das mulheres, contra o racismo, pelo reconhecimento efetivo das minorias, que tinha a simpatia e adesão entusiasmada das grandes maiorias sociais.

Mas nos anos 80, continua o cientista político norte-americano, essa política cedeu lugar a uma pseudopolítica de autoestima e de autodefinição cada vez mais estreita, autocentrada e excludente, promovendo sucessivas fragmentações internas, visões tribais, e, por óbvio, a condenação das grandes maiorias que não pertenciam às especificidades classificadas, que seriam responsáveis pelas alegadas injustiças históricas, fazendo voltar-se a juventude para a própria interioridade e praticamente condenando o mundo exterior não pertencente aos grupos identitários.

Assim, o identitarismo passou a ser visto pelas maiorias sociais como uma doutrina professada basicamente por determinados setores das elites urbanas instruídas, sem contato com o resto do país, cujos esforços se resumem em zelar e alimentar movimentos hipersensíveis, que dissipam, em vez de concentrar, as energias da sociedade como um todo.

O identitarismo, ao contrário de negar as agendas do neoliberalismo radical, reforça-o, afirma Lilla, porque reduz o espírito da comunidade nacional ao indivíduo, ao grupo. Em consequência, o identitarismo deixou de ser um projeto político relevante e se metamorfoseou num programa de evangelização.

Espertamente, Donald Trump tirou proveito da crise estrutural, da desindustrialização que vivem os EUA e pôs a culpa nos democratas, sob a orientação do estrategista e marqueteiro Steve Bannon. O mesmo que atuou nas eleições no Brasil.

As políticas identitárias atuais dos democratas e o discurso demagógico, chauvinista da ala direita republicana de Donald Trump representam um dos tempos mais medíocres da história dos Estados Unidos.

De tal forma é a influência dessas duas correntes em disputa nos EUA, aqui no Brasil, que jornalistas e analistas afirmam que os blogs, portais, a grande mídia e o mundo da política nativa encontram-se cada vez mais alinhados e semelhantes à linha dos democratas e republicanos norte-americanos.

Exatamente nas coisas eivadas de uma carga ideologizada fora da realidade, que serve a interesses que promovem a desunião do povo brasileiro tais como uma antropologia binária, que não é a nossa formação histórica policrômica, mestiça, a nossa visão de um Estado laico, a tradição do culto de sincretismos religiosos tradicionais celebrados em muitas manifestações populares como as afro-católicas, por exemplo.

Assim como o alinhamento a um neoliberalismo extremado da Escola de Chicago que já não é praticado nem nos EUA, onde se pauta a independência do Banco Central, mas não o dos EUA, eufemismo para doação do nosso BC às finanças globais, uma reforma da Previdência Social que privilegia o sistema financeiro, penaliza a classe média e os pobres, privatização de empresas estatais estratégicas, etc., etc.

A política externa é alinhada, com as tintas de religiosidade puritana, à visão supremacista do governo Trump.

Desvia-se da tradição multilateralista do Itamaraty na mediação diplomática e dos nossos objetivos nacionais, abrindo mão da liderança regional hemisférica, cujas consequências têm sido a crescente presença geomilitar da Rússia, a comercial da China, na região perigosamente conflituosa como a Venezuela.

Resultado do vácuo que vai sendo deixado pela ausência de uma diplomacia estratégica eficiente, mediadora e propositiva.

Essas potências estão jogando o jogo delas, o Brasil é que está abrindo mão do seu papel histórico.

Já setores de “esquerda” insistem nesse discurso identitário, que a levou a uma derrota eleitoral “acachapante” e plebiscitária, cuja matriz é patrocinada por megaespeculadores como George Soros e ONGs que atuam no mundo visando desestabilizar, fraturar os povos.

É surreal a existência de 800 mil ONGs atuando alegremente no País, muitas delas contrárias à nossa soberania, desenvolvimento econômico, associadas a países que sabotam o nosso protagonismo internacional.

São pertinentes várias observações feitas por Mark Lilla. E diante desse caldo tóxico de ódios, intolerâncias mil, “guerras ideológicas”, da pós-verdade onde o que menos vale é a análise concreta da realidade concreta, a racionalidade, é aconselhável ficar com os princípios indeclináveis em defesa da nação, do espírito progressista, das liberdades democráticas.

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