Meu novo artigo:
Artigo recente na mídia remeteu-me ao último filme de Federico Fellini, Ensaio de Orquestra.
Nos anos setenta e oitenta do século passado, a nação italiana vivia um confronto de radicalização que culminou numa escalada de violência e assassinatos promovidos por grupos de extrema esquerda, tipo Brigadas Vermelhas, assim como de vários grupos de extrema direita.
Sobressaltados, os cidadãos assistiam a notícias de sequestros, atentados à bomba em edifícios públicos, empresas privadas, associações sindicais e muitas outras coisas, como o assassinato do primeiro ministro Aldo Moro.
Nesse período, os extremismos fanatizados deram a tônica e os rumos de um País rico em cultura, no Direito, nas artes em geral.
Não mais existia o diálogo, a política iniciou a partir daquele momento uma escala descendente até a sua quase total anulação, culminando com a famosa Operação Mãos Limpas que destruiu as principais organizações políticas, e a ascensão ao poder por longos anos do poderoso magnata da comunicação Silvio Berlusconi, uma espécie de caricatura pós-moderna de Mussolini.
O filme de Fellini retrata o caos vivido pela Itália através de uma orquestra que se rebela contra o maestro, destituindo-o. Mas que em seguida os seus músicos entram em um processo de total desorientação, convulsão anárquica no desespero geral em que ninguém mais se entendia, não haviam mais referências, a situação descambou para as agressões físicas e morte.
Até que surgiu alguém com a mão de ferro para botar ordem na casa cuja semelhança física com Adolf Hitler era real. Fellini fazia uma analogia da Itália, através da orquestra no seu filme cujo desfecho foi uma gigantesca bola de ferro para por abaixo toda a estrutura do edifício onde ensaiava a orquestra.
O incrível nisso tudo é que o genial cineasta italiano foi criticado pelos extremistas de esquerda por não os apoiar e também pela extrema direita pelas mesmas razões, quando na verdade ele denunciava o delírio furibundo e incontrolável que tomava conta da Itália, e alertava para a grande vítima no processo. A democracia.
Evidente que aquela era a época da Guerra Fria, mas o Brasil de hoje não se encontra longe do felliniano Ensaio de Orquestra, através da chamada Guerra Híbrida de Quarta Geração cujos conceitos, estratégias e técnicas o grande diretor jamais chegou a conhecer.
No Brasil a tal da Guerra Híbrida estreou em movimentos de massas em 2013 e de lá para cá não mais parou de ser acionada, conduzindo o País a uma tempestade de ódios que vem atingindo o paroxismo, onde reina absoluta a intolerância, nenhuma base racional. Neste caso quem também pode ser ferida de morte são a democracia e a nação.
Os interesses nacionais e a própria democracia são argumentos laterais, e não centrais, de grande parte dos atores nas eleições.
Na escalada do ódio, a perda da perspectiva da discussão dos problemas nacionais e da sociedade encontra-se em quinto plano, no contaminado e extremamente tóxico ambiente político do País, onde pululam teorias da conspiração e notícias falsas como se fossem capim na pradaria.
Apelos à razão e ao bom senso mais vulgar é fazer o jogo do outro lado. Lideranças políticas, em grande parte, ou foram engolidas por esse clima ou perderam o controle das suas bases.
Mas nada disso é ao acaso, faz parte do processo de desestabilização, da fratura da sociedade brasileira onde a antiga máxima do império romano, dividir para reinar, se impõe com força.
De tal forma que seja qual for o lado que ganhar a eleição, não terá o reconhecimento da outra parte da sociedade, uma característica do jogo, da vida democrática nos Países.
O pragmatismo e a política sempre andaram juntos, mas política sem rumos e projetos nunca deu em boa coisa.
Assim a Guerra Híbrida, tudo indica, vai atingir estágios superiores de fragmentação da sociedade brasileira. E sem sociedade não existe sentido de nação. Em nosso caso, de Brasil.
Para usar um jargão no mundo da política: esse é o principal jogo jogado, em paralelo à campanha eleitoral.
Tudo isso é terreno fértil para o veneno do fascismo, para facilitar os interesses forâneos contra a nação, dos especuladores rentistas, dos espertalhões do Mercado financeiro que lucram milhões de dólares a cada publicação das pesquisas eleitorais.
No clima de ódios polarizados apelos à razão parecem chover no molhado e fazem pouco sentido, embora nunca sejam demais. A ação contra o País e a sociedade, que vem de fora, obedece a processos sofisticados, mesmo utilizando-se de ideologismos primários, useiros e vezeiros em outras ocasiões como na primavera árabe, na “revolução rosa”, na “revolução laranja” etc.
A defesa da sociedade, da plena vida democrática, vai se deparar com uma batalha cada vez mais complexa em um País reconfigurado por essa nova realidade.
Será fundamental compreendê-la, estudá-la melhor, para a sobrevivência do Brasil, da sociedade em crise, para a nossa continuidade como nação protagonista, soberana e democrática.
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