O Vietnã é uma das economias que mais crescem no mundo em crise. Em 2010 atingiu uma taxa de crescimento real de seu Produto Interno Bruto de 6,8%, enquanto sua produção industrial cresceu 14% naquele ano. O heroísmo de seu povo que enfrentou guerras coloniais e neo-coloniais contra o Japão, França e Estados Unidos é um exemplo de sabedoria para os povos. Em 2004, quando exercia a função de secretário executivo da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República, ao lado do ministro Aldo Rebelo, tive oportunidade de dialogar com o então embaixador do Vietnã no Brasil. Na conversa, disse ao embaixador que a minha geração acompanhou e tem muita admiração pela luta do povo vietnamita. Respondeu-me o embaixador: “Nós é que temos a aprender com vocês brasileiros, como conseguem viver por tantos anos em paz...”.
Reproduzo a seguir trechos do texto do diplomata Rubens Ricupero, desse mesmo ano de 2004:
De heroísmo só, não se vive
"Já sabemos que o vietnamita é um povo heroico. Temos agora de provar que ele é também capaz de superar a pobreza." Em outras palavras, não se pode viver exclusivamente de heroísmo. Ouvi essa proclamação de quem tem pleno direito a fazê-la, um dos últimos heróis genuínos do nosso tempo. Escrevo a bordo do avião da Vietnam Airlines que me leva a Paris. Ontem, dia 20, tive o privilégio de ser recebido pelo general Giap, quase centenário, lúcido, falando um francês impecável.
Ho Chi Minh, Mao, Chu En Lai não existem mais. Giap é o único contemporâneo deles e de Mahatma Gandhi, de Nehru, de Sukarno, dos personagens de Malraux em "La Condition Humaine", de Edgar Snow em "Red Star Over China", dos que fizeram a Longa Marcha e conheceram a ocupação japonesa. Foram eles que, com métodos diversos segundo as circunstâncias, prepararam a atual emergência da Ásia, depois de destruírem o jugo e a espoliação dos colonialistas.
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Na Ásia, na Indochina, a independência foi mais dura, custou luta e se pagou ao preço de milhões de vidas. Não por escolha ou gosto perverso da violência. Ho Chi Minh desejava um processo pacífico. Foram os franceses, a começar pelo general De Gaulle, que não lhe deixaram alternativa. A paz, quando chegou, não veio por causa da conversão dos corações, mas devido à derrota militar e política. Mesmo assim, revelou-se precária, um imperialismo humilhado, o francês, sendo substituído por outro, o americano, arrogante e cheio de si mesmo.
É difícil hoje acreditar que a estupidez ocidental tenha durado 30 anos, de 1945 a 1975. Hanói voltou a encontrar o charme do passado. É verdade que, no lugar das bicicletas, as milhares de motos soam como um enxame de abelhas zumbindo em direções desencontradas. Mas é como se fossem cigarras que não conseguem perturbar a paz dos arvoredos majestosos, quase encobrindo as mansões pintadas de ocre, remanescentes da era colonial, ora sedes de ministérios ou do Partido. Aqui, o camarada Lênin continua a presidir sobre a praça que leva seu nome, e o mausoléu do tio Ho marca o coração de capital que, apesar de frenética economia, não perdeu o encanto da província.
Há um jeito de Belém, com suas mangueiras e edifícios de Landi, com o ar molhado e abafado de perto do Equador. A casa do general traz saudades daquelas chácaras do Brasil antigo, com sapotizeiros e palmeiras, tamarindeiros magníficos, jambeiros, o mato crescendo um pouco aqui e ali, a umidade dos trópicos enegrecendo os muros, cobrindo-os de musgo. Nada de ar condicionado, mas a sala atapetada de livros, de fotos amarelecidas de Giap jovem, num daqueles ternos brancos que se usavam no Nordeste, ao lado de Ho, magro como a letra I, de bermudas, ambos na jungla.
Giap é o gênio militar na sua expressão mais árdua e enobrecedora. Árdua porque representa o triunfo do fraco contra o forte... Enobrecedora posto que se tratou de empresa de libertação nacional, não de conquista, anexação, glória de mandar, vã cobiça.
Dois heróis: em 1957 o presidente vietnamita Ho Chi Minh e o General Vo Nguyen Giap passam em revista uma unidade armada |
Perto de nazistas e nipônicos que cobriram de imperecível infâmia suas guerras criminosas, dos que hoje dilaceram mulheres e crianças árabes do alto de seus aviões invulneráveis, que diferença! Giap era advogado, não militar, da mesma forma que Ho foi até confeiteiro em Paris. Conforme o próprio general me disse a propósito de seu líder, o que eles eram, acima de tudo, se resume nas palavras em desuso, patriota, nacionalista, amante da independência.
... Guerreiros de pés descalços, franzinos seres humanos mal chegando à cintura dos marines norte-americanos, carregando no ombro ou na garupa da bicicleta pesadas peças de artilharia, construindo pontes submersas 20 cm a fim de não serem avistadas do ar, compensaram com tenacidade, estoicismo, motivação o que lhes faltava em dinheiro ou armas sofisticadas.
Prevaleceram a um preço quase insuportável: 3 milhões de mortos, 4 milhões de aleijados ou queimados por napalm, 1 milhão de deformados ou estropiados pelo agente laranja, 40 mil mortos por minas desde 1975. As firmas alemães fabricantes do gás de extermínio ou dos fornos crematórios tiveram de pagar indenização, mas quem se lembra das empresas que produziram o agente laranja?
O Vietnã não esquece, mas não se lamuria. Finda sua guerra de 30 anos, o país começa a sair da pobreza. Como os demais asiáticos, a Malásia e a Tailândia, por exemplo, tem sabido utilizar os produtos primários como a alavanca da industrialização. Liberou a pequena agricultura familiar e já superou a Indonésia, tornando-se o maior exportador de café robusta.
Acaba de conquistar o primeiro lugar na pimenta, é grande produtor de arroz, borracha, camarão, peixe. Em 2001, exportou aos EUA vestuário no valor de US$ 49 milhões; no ano passado, a cifra foi de US$ 2,5 bilhões! Para a Europa, as vendas de roupas foram de US$ 600 milhões; para o Japão, de US$ 500 milhões. Em móveis, a estimativa para este ano é de US$ 750 milhões...
... A razão está com Giap: o prêmio do heroísmo será a vitória final sobre a pobreza.
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