sábado, 3 de dezembro de 2011

A estratégia do caos

Estados Unidos e OTAN aumentam as provocações no Oriente Médio, contra a China e a Rússia.



No Resenha Estratégica:

Uma breve revisão dos acontecimentos recentes sugere que as forças hegemônicas que controlam os centros de poder político e financeiro, em Washington, Nova York, Londres, Bruxelas e Basileia, se encontram empenhadas em uma estratégia de caos deliberadamente provocado, com o maldisfarçado objetivo de justificar a implementação de medidas excepcionais que, em sua ótica, possibilitarão a preservação do status quo global. Tais ações implicam na crescente neutralização das soberanias dos Estados nacionais em favor de esquemas de "governo mundial", como está em curso na União Europeia (UE) e, no extremo, colocam o mundo mais próximo de um conflito generalizado de grandes proporções, que poderá ser deflagrado por qualquer incidente, espontâneo ou provocado, em meio à escalada de provocações retóricas, ações militares e de inteligência e outros atos hostis desfechados, principalmente, contra o Irã, Síria, Egito, Paquistão, China e Rússia.

No campo da grande estratégia, é difícil interpretar de outra forma os agressivos movimentos dos EUA, que incluem: virulentas campanhas de pressões contra o Irã, com o apoio do Reino Unido e Israel, inclusive operações clandestinas de inteligência, guerra cibernética e assassinatos seletivos de cientistas e oficiais militares; apoio direto aos opositores do regime do presidente sírio Bashar al-Assad (com o apoio da Turquia); instigação dos protestos populares contra o governo militar do Egito; ações militares cada vez mais agressivas no território do Paquistão; a provocativa instalação de um sistema de defesa antimísseis na Europa e Turquia, cujo alvo maldisfarçado é a Federação Russa; e, como se não fosse suficiente, a ruidosa proclamação dos interesses estadunidenses no Pacífico, feita pelo presidente Barack Obama em sua recente visita à região, em ostensiva provocação à China.

Se a intenção dessa combinação de ações é a de estabelecer um cenário de escalada de tensões (como o que levou à deflagração da I Guerra Mundial), ela está se mostrando bem-sucedida. Em particular, a Rússia traçou uma "linha vermelha" em relação aos provocativos avanços estadunidenses, com decididas respostas anunciadas nos últimos dias.

Em 17 de novembro, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Nikolai Makarov, advertiu que a continuação da expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para o Leste "aumentou drasticamente" os riscos de conflitos envolvendo a Rússia, que podem chegar até mesmo à escala nuclear. Segundo ele, "em certas condições, conflitos locais e regionais podem se desdobrar em uma guerra de grande escala, envolvendo armas nucleares (AP, 17/11/2011)".

Vale registrar que Makarov é a mais alta autoridade militar do país, e não um oficial da reserva transmitindo mensagens indiretas.

Dias depois, em um discurso perante oficiais militares no Sul do país, o presidente Dmitri Medvedev afirmou que a ação russa na guerra-relâmpago contra a Geórgia, em agosto de 2008, transmitiu um recado ao Ocidente: "Para alguns dos nossos parceiros, incluindo a OTAN, foi um sinal de que eles devem pensar sobre a estabilidade geopolítica, antes de tomar uma decisão de expandir a aliança (Novosti, 24/11/2011)."

No dia 23, Medvedev fez um duro pronunciamento na televisão russa, no qual advertiu sem rodeios que o prosseguimento da instalação do sistema antimísseis estadunidense na Europa será respondido com contramedidas defensivas e ofensivas, visando à sua neutralização (ver artigo de Elisabeth Hellenbroich).

Em paralelo, o Kremlin deixou claro que não aceitará qualquer perspectiva de intervenção da OTAN no conflito interno da Síria. Para demonstrar suas intenções, Moscou reforçou o esquadrão de combate que opera a partir da base naval de Tartus, no litoral sírio, além de anunciar a rejeição de qualquer embargo de armas ao governo de Damasco. Como um grupo de batalha da VI Frota estadunidense está na região, capitaneado pelo porta-aviões George H.W. Bush, será a primeira vez desde o término da Guerra Fria que forças navais das superpotências estarão se defrontando nas mesmas águas.

Na terça-feira 29 de novembro, o chanceler russo Sergei Lavrov se reuniu com os embaixadores dos países da Liga Árabe em Moscou, para deixar claro que ultimatos e embargos como o que a Liga impôs à Síria, são contraproducentes: "Nós esperamos que os nossos amigos na Liga Árabe... demonstrarão a máxima responsabilidade com o que está acontecendo na região... e que irão observar as mesmas regras que a Liga Árabe estabeleceu, ao tomar as decisões relevantes (Xinhua, 29/11/2011)".

Em uma referência explícita de que Moscou não aceitará uma repetição do cenário líbio, Lavrov ressaltou que as lições aprendidas no país devem ser aprendidas, pois o embargo de armas "se aplicou apenas ao Exército líbio".

Igualmente, o chanceler russo apontou a interferência externa clandestina nas insurgências ocorridas na Síria: "Certos grupos, inclusive formados por cidadãos que penetraram na Síria vindos de outros estados, têm sido ativamente providos de armas. É por isso que propostas para a introdução de um embargo de armas à Síria são bastante injustas."

A ação de Moscou recebeu um importante respaldo diplomático dos demais integrantes do grupo BRICS - Brasil, Índia, China e África do Sul -, cujos vice-chanceleres se reuniram na capital russa, em 24 de novembro, para discutir a situação no Oriente Médio e no Norte da África. A declaração da reunião não apenas rejeitou "qualquer interferência externa nos assuntos da Síria, que não esteja de acordo com a Carta das Nações Unidas", e a ameaça de força contra o Irã, como também pediu uma revisão da intervenção militar contra a Líbia. Como a Rússia e a China já anunciaram a intenção de vetar qualquer resolução do Conselho de Segurança que não se enquadre em tais critérios, qualquer ação externa mais ostensiva contra o regime de Bashar al-Assad corre o risco de se ver enquadrada na categoria de casus belli por Moscou.

Por sua vez, a China também reagiu prontamente à desafiadora turnê de Obama pelo Pacífico, aproveitando a realização da cúpula da Organização de Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC, em inglês), no Havaí, cujo ponto alto foi a visita à Austrália, onde anunciou um acordo para o estacionamento permanente de um regimento de fuzileiros navais em Darwin, no noroeste do país.

A turnê de Obama se deu no contexto de uma ampliada participação estadunidense em uma série de exercícios militares com outros países da região, como a Tailândia, Malásia, Cingapura, Filipinas e Indonésia.

Em sua coluna de 22 de novembro ("Obama ameaça a China"), o sempre atento jornalista estadunidense William Pfaff foi direto ao ponto. Pfaff fala sem rodeios sobre as motivações belicistas de seu país, ao afirmar que: 1) o conflito na frente Afeganistão-Paquistão se tornou "uma atividade permanente e fonte de receita para o Pentágono e a indústria de armas estadunidense"; 2) a confrontação com a China envolve a afirmação dos EUA como potência hegemônica; e 3) este é o tipo de situação que pode iniciar guerras mundiais. Diz ele:

Por que, então, ele agora quer uma guerra com a China? Ninguém parece ter se dado muita conta disto nos informes e comentários da imprensa estadunidense, mas outros tomaram nota, principalmente na China. As suas jornadas pela Ásia, este mês, proclamaram uma Pax Americana para a Ásia - o que é em si absurdo... Este é o tipo de coisa que deflagra guerras mundiais. Pensem na Alemanha Hohenzollern, desafiando o poderio marítimo britânico antes de 1914. Pensem no longo e sangrento esforço do Japão para se transformar no poder imperial na Ásia... A lição é: não se começam guerras com potências, movidos por entusiasmo revolucionário ou nacionalismo, para proclamar - ou retomar - um lugar ao Sol.

O que está em jogo entre a China e os EUA? Estamos em lados opostos do mundo, com quase nada para disputar, exceto matérias-primas - de que há suprimentos bastantes para todos. A dominação industrial do mundo? O que isto significa realmente, e o que vale? Bradar direitos sobre quem é a nação superior? Eis o que parece importar a Washington. Se os líderes estadunidenses levarem isto muito longe, poderão acabar em uma guerra que eliminará ambos da competição.

A resposta de Pequim ao road-show de Obama não se fez esperar. O portador do recado foi o major-general Luo Yuan, vice-secretário-geral da Sociedade Chinesa de Ciência Militar, que, em um artigo publicado no jornal People's Daily de 17 de novembro, após o anúncio do acordo australiano-estadunidense, afirmou: "Se os interesses centrais da China, tais como a sua soberania, segurança nacional e unidade, sofrerem intrusões, um conflito militar será inevitável... Os EUA estão fazendo muito do seu 'retorno à Ásia', posicionando peças e forças na periferia da China, e a intenção é bastante clara - isto está voltado contra a China, para conter a China. Os EUA têm cometido um erro estratégico fatal. Eles avaliaram mal os seus inimigos, colocaram suas forças estratégicas no lugar errado e os seus meios estratégicos são errados. A China não tem provocado os interesses estadunidenses; então, por que estão correndo à Ásia para cercar a China?"

No dia 23, o mesmo oficial anunciou planos para o estabelecimento de um novo Departamento de Planejamento Estratégico nas Forças Armadas chinesas, "em resposta a operações militares crescentemente sofisticadas no futuro, que possam envolver múltiplas forças de combate (Xinhua, 23/11/2011)". Não é preciso ser estrategista para perceber a motivação e o alcance da iniciativa.

Possivelmente, não terá sido mera coincidência que o anúncio do novo centro de planejamento militar chinês tenha ocorrido no mesmo dia que o pronunciamento do presidente Medvedev sobre as medidas defensivas russas contra os planos expansivos da OTAN.

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