quinta-feira, 27 de maio de 2010

Como fabricar uma crise


Publicado na Resenha Estratégica:


Como na Ásia há 13 anos, os atuais problemas na eurozona são reais, especialmente na sua parte Sul: excesso de capitais externos, déficits em conta corrente e bolhas de dívida pública e imobiliárias, além de consumo financiado por crédito em vez de investimentos produtivos e intensivos em tecnologia. Mas estes problemas foram o pretexto para o ataque especulativo ao euro. Os protagonistas principais do ataque foram os mesmos que na "crise asiática": instituições financeiras, fundos de hedge e agências de risco anglo-americanas.


Desde o início de 2010, as agências de risco degradaram os títulos da dívida grega à categoria de "lixo" (junk). Com isto, os investidores institucionais não podiam manter títulos "lixo" em seus portfólios e, conseqüentemente, os custos de refinanciamento da dívida pública grega explodiram. No início de março, os juros exigidos para os títulos gregos de dois anos eram de 6,1%, subindo para 23,2% em 7 de maio, quase quadruplicando em apenas dois meses.


Não havia qualquer base econômica ou financeira para justificar tamanha explosão literal de juros. Nenhum país, independentemente de suas condições econômicas e financeiras, pode pagar juros tão elevados sobre seus títulos públicos. Este fato óbvio foi usado para espalhar rumores sobre uma iminente bancarrota estatal, não apenas na Grécia, mas também em Portugal, Espanha e Irlanda. A partir de 4 de maio, os mercados de títulos estatais gregos, portugueses e espanhóis se tornaram ilíquidos.


Por cima disso, deflagrou-se uma campanha sobre uma iminente "ruptura" da eurozona. Recorde-se que, em 8 de fevereiro, o Wall Street Journal publicou um relato sobre uma reunião de administradores de fundos de hedge em Nova York, para preparar um ataque especulativo contra o euro (Resenha Estratégica, 3/03/2010). Desde então, um número crescente de especialistas e jornalistas financeiros anglo-americanos se juntaram ao coro sobre a "ruptura" do sistema do euro, entre os quais George Soros, Nouriel Roubini, Paul Volcker, Ambrose Evans-Pritchard e outros.


Nem a "crise grega" nem a "crise do euro" eclodiram espontaneamente - ambas foram orquestradas. O que ocorreu costuma ser chamado "percepção de risco assimétrica": dois atores enfrentam problemas similares, mas um deles consegue ser percebido como se estivesse em melhores condições que o outro, mesmo sem qualquer base objetiva para tanto. Para o ano fiscal de 2010, a dívida pública dos EUA atingirá 10,1% do PIB, contra 11,8% no Reino Unido e 6,6% na média dos 16 países integrantes da eurozona. Como lembrou recentemente o ex-secretário do Tesouro estadunidense Paul O'Neill, os EUA também podem "seguir o caminho da Grécia" (Bloomberg, 19/05/2010).

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