quarta-feira, 21 de abril de 2010

México: o neoliberalismo e as novas "Guerras do Ópio"


Editorial do jornal Página Iberoamericana, de abril de 2010, publicado no Resenha Estratégica:


Desde que o México aderiu ao Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, em inglês), conduzido pelo presidente Carlos Salinas de Gortari, no fatídico ano de 1994, o narcotráfico e o crime organizado se consolidaram e deixaram de ser um problema meramente policial, convertendo-se paulatinamente em uma estrutura de poder paralelo, desfrutando das prerrogativas conferidas pelo seu acesso direto ao sistema político-econômico vigente.
Uma década e meia depois, o NAFTA aniquilou os mecanismos de defesa econômica do Estado mexicano. Na ocasião, se dizia que as reformas do sistema financeiro e creditício nacional, a começar pela concessão de autonomia ao Banco Central, em 1993, e a internacionalização do mercado de valores - ambos considerados condições sine qua non para o ingresso na "modernidade". Escusado dizer que qualquer medida de proteção econômica passou a ser rotulada como anacrônica e superada.
Tais condicionantes eram o passaporte exigido pela oligarquia anglo-americana para que o país ingressasse no pacto livrecambista - o que ocorreu em condições de virtual submissão. Nos anos seguintes, na medida em que as consequências do acordo se manifestavam, o México se afastava cada vez mais da prosperidade prometida. Ao final, chegou-se à atual encruzilhada, na qual a economia nacional tem o seu destino entregue aos desígnios de um poder financeiro transnacional que controla setores vitais. Entre eles, destaca-se o sistema bancário do país, que foi totalmente liberalizado e não apenas tem participado ativamente da lavagem dos bilionários rendimentos do narcotráfico, como também se alimenta deles para alimentar os fluxos da especulação financeira.
A simbiose entre o sistema econômico-financeiro neoliberal e o narcotráfico se tornou tão perfeita que o combate efetivo a este último é virtualmente impossível com a manutenção do primeiro. Por isso, embora o governo federal mexicano tenha engajado nada menos que 90 mil militares - mais da metade do efetivo do Exército - no combate aos cartéis de drogas e, a despeito de importantes sucessos táticos, não é realista pensar em uma vitória decisiva na guerra ao narcotráfico, que permita reduzi-lo a níveis residuais.
Em verdade, a iniciativa encontra-se com os narcocartéis, que têm promovido um verdadeiro banho de sangue no país. Nos últimos cinco anos, quase 20 mil pessoas foram mortas em decorrência da violência decorrente das guerras entre os cartéis e suas ações contra as forças legais e a população. Em uma demonstração da escalada da violência, apenas em 2009 ocorreram cerca de 7.800 assassinatos.
Em termos práticos, os esforços do Estado mexicano - como, de resto, de qualquer outro - contra o narcotráfico se assemelham ao enxugamento de gelo. Isto pela simples razão de que eles estão voltados contra as redes operacionais do inimigo a ser vencido e os seus capos de terceiro escalão, que, por mais poderosos que pareçam, são apenas peças descartáveis de um aparelho cujo "estado-maior" funciona dentro do sistema bancário internacional, que controla a lavagem de dinheiro sujo proveniente do negócio mais lucrativo do mundo. No México, a própria Unidade de Inteligência Financeira da Secretaria de Fazenda está assustada com o drástico aumento das operações de lavagem de dinheiro, nos últimos anos. Algumas estimativas colocam a movimentação anual de recursos do narcotráfico na casa de 35-40 bilhões de dólares - equivalente à receita das exportações do setor manufatureiro mexicano.
Em suma: mobilizar as Forças Armadas para uma guerra assimétrica travada em um terreno que lhes é extremamente desfavorável é não apenas inócuo e contraproducente, mas também um desrespeito à sua trajetória histórica. Se o sistema financeiro internacional encontra-se ameaçado de uma bancarrota generalizada por conta dos seus próprios excessos e, portanto, ávido da liquidez financeira que lhe proporcione alguma sobrevida, é ingênuo pensar que contribuirá para matar a galinha dos ovos de ouro representada pela lavagem de todo tipo de dinheiro oriundo de atividades ilícitas, que geralmente andam entrelaçadas. Talvez, as lideranças responsáveis pela estratégia de combate ao crime organizado, a começar pelo próprio presidente Felipe Calderón, ignorem que a estrutura financeira de apoio ao comércio internacional das drogas emergiu, precisamente, das Guerras do Ópio lançadas contra a China pelo Império Britânico no século XIX (esta é a origem do célebre Hongkong and Shangai Banking Corporation, fundado em 1864).
Qualquer estratégia de combate efetivo ao narcotráfico e o crime organizado em geral terá que combinar o combate direto contra as forças paramilitares dos cartéis - reconhecidamente poderosas -, para despojá-las do controle territorial que exercem de fato, em paralelo com uma investida determinada contra as redes de lavagem de dinheiro. Para tanto, ninguém se iluda, será imprescindível a retomada do controle efetivo da moeda e do crédito nacionais, hoje em mãos estrangeiras.
Em âmbito internacional, o México deveria somar-se à iniciativa de alguns países, encabeçados pela França, para pressionar por uma imediata regulamentação do sistema financeiro internacional, aí incluído o fechamento das grandes lavanderias de dinheiro ilícito dos paraísos fiscais. O efeito seria duplo, pois, ao mesmo tempo, implicaria em uma iniciativa diplomática soberana frente aos EUA, para, efetivamente, "desnarcotizar" as relações bilaterais, como se diz no México. Sem tal determinação, a guerra ao narcotráfico permanecerá sendo apenas um jogo pirotécnico.

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